domingo, 13 de maio de 2012

O dendê vai se perder, Iaiá


Por Mariana Kaoos


Para quem escuta distraidamente o primeiro álbum de Achiles Neto, Pandora, pode até soar como mais uma tentativa de rememorar as batidas do violão de João Gilberto, composições da bossa nova que falavam de barquinhos, peixinhos e amor. Triste engano. Achiles, que ao que tudo indica veio para ficar, proporciona ao público um trabalho consistente, autoral e totalmente diferente do que vem sendo feito na atual música popular brasileira. Suas melodias embora lembrem as do pai da Bossa, vêm como transgressoras, talvez por serem pouco utilizadas nos dias de hoje e por tamanha limpidez em cada nota tocada.

Seu parceiro no disco, Marcos Marinho, parece fazer milagre com o violão. Sabe inserir tons mais graves e clássicos, como na faixa “Cocoa”, que embora possua uma letra que conta uma  história de algo muito mais profundo, a sensação que me traz é de estar antigamente, na alta sociedade, dançando valsa em um baile qualquer, tamanha sua nobreza. A melodia da música tem um ar de nobreza como talvez eu só tenha visto em “Valsinha”, de Chico Buarque. Já as outras batidas admitem um tom mais despojado, deixando a vontade de sentar num bar, pedir uma cerveja e sorrir, observando a vida passar. Disso “João do BNH” (apesar da composição ferrenha) dá conta de forma total.

Uma vez alguém me falou que o Brasil é um país de ótimos compositores e belíssimas interpretes, mas que o contrário raramente acontecia. A primeira música do disco que ouvi foi a de nome “Caderneta de poupança” e de cara, contestei a afirmação da frase acima. Achiles, é tão bom compositor quanto intérprete, tem uma voz serena, tranquila, mas que sabe se impor quando preciso. Assumindo algumas características tropicalistas, como o jeito de escrever muito mais em forma de poesia ou a maneira de contar uma história através de uma composição, as músicas que comportam seu disco de estreia trazem toda uma teatralidade por traz, como se, ao escutá-las, essas histórias passassem diante dos nossos próprios olhos.

A crítica vem de maneira sutil mas incisiva como em “Vestido de Caim”.  De acordo com as Sagradas Escrituras, Caim, o primogênito de Adão e Eva, por inveja acaba matando seu irmão Abel. Se para os ficcionados em história e jogos de vampirismo, Caim foi o vampiro inicial na face da terra, para os cristãos ele vem como o assassino e, partindo para a “terra da fuga”, constrói a primeira cidade, Enoque. Mesmo que o cantor não tenha pensado em nada disso ao compor a música, as referências que utiliza em sua obra são vastas, levando quem ouve a diversas interpretações. Acredito que a grandeza do trabalho venha justamente daí por não oferecer algo pronto para quem consome o disco. Achiles, o público e sua obra parecem estar em constante construção uns com os outros.

Independente das interpretações se diferenciarem no ao vivo e no gravado, Pandora vem simples, de forma objetiva e concisa. É justamente um daqueles discos que quando acaba a gente coloca para repetir. Para quem ainda não conhece a obra de Achiles, seu disco estará disponível para venda a partir do dia 18 de maio, quando o artista também fará uma apresentação no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima, em Vitória da Conquista. 


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