sexta-feira, 25 de maio de 2012

As mina, pá! - A ascensão das mulheres no rap


Por Ana Paula Marques

O hip hop emergiu na década de 70 nos subúrbios de Nova Iorque e chegou fortemente ao Brasil no final da década de 80, com grandes representantes como Racionais MC’s, Sabotage, Rappin Hood e Planet Hemp. O berço cultural do hip hop brasileiro foi o sudeste, mais precisamente a cidade de São Paulo. Desde seu auge, a cena sempre obteve um contexto muito masculino, com letras que trazem à tona a realidade do sistema, refletida na periferia. Em alguns casos específicos, podemos perceber letras extremamente misóginas, como por exemplo, letras antigas do rapper estadunidense Eminem e do alemão Bushido, que em um dos seus clipes mostrou mulheres torturadas até sangrar.

Dina Di, ícone feminino do rap. Foto: Google Imagens 
No auge dos anos 90, enquanto os homens predominavam na cena, surgia Dina Di. Mulher e branca,  foi parar na FEBEM após ter fugido de casa aos 13 anos. Seu pai morreu engasgado com um pedaço de carne e sua mãe foi assassinada dentro de casa, asfixiada com um pedaço de pano na garganta. Anos mais tarde, ela saiu de Campinas, no interior de São Paulo, para se dedicar ao rap, acreditando na força da sua mensagem. Transmitindo a visão de quem está atrás das grades invisíveis que separam o país da mulher pobre, ela conquistou respeito e destaque como líder do grupo “Visão de Rua”. Com o single “Periferia é o alvo”, realizaram vários shows pelo Brasil. A partir de 1998, o grupo lançou o primeiro álbum de nome “Herança do Vício”, seguido pelo “Ruas de Sangue”, “A Noiva do Thock” e “O Poder nas Mãos”. Ganhou duas premiações no Hutúz, maior festival de rap do país, na categoria “Melhores Grupos ou Artistas Solo Feminino da Década”. Morreu em 2010, aos 35 anos de idade, por negligência médica, após dar a luz a sua primeira filha, Aline e contrair uma infecção hospitalar. Morreu lutando.

"Esperamos ansiosas até chegar a nossa vez"


Os primeiros registros fonográficos de mulheres no rap brasileiro foram feitos por Thulla e Sharylaine ainda nos anos 80. Hoje, Sharylaine integra a Frente Nacional de Mulheres do Hip Hop, criada no II Fórum de Mulheres do Hip Hop, em abril do ano passado. A Frente surgiu para aprofundar a reflexão e o debate democrático de ideias, além de abrir caminhos em cidades onde as mulheres não conseguem espaço. Muito além do movimento, a intenção do coletivo feminino é se organizar para, cada vez mais, unir o hip hop com as questões sociais. Mas, quem disse que expressar sentimento e sensualidade não pode ser considerado engajado? É possível sim dominar  com voz e quadril.

Lurdes da Luz, Flora Matos, Stephanie e
Nathy MC. Foto: Luciana Fraga
O rap com um toque de feminilidade no som das rimas, passou a não apenas destacar as lutas cotidianas da mulher da atualidade, como também iniciaram um movimento contra a infelicidade, tornando as letras mais acessíveis e plurais. As MC’s, cada uma com sua história de vida,  estão fazendo um trabalho no qual merecem “máximo respeito”. Entre tantas, podemos destacar as paulistas Negra Li e Lurdez da Luz, a brasiliense Flora Matos, as curitibanas Karol Conká e Nathy MC e a carioca Nega Gizza.

Em uma passagem por Vitória da Conquista durante a Noite Fora do Eixo, a curitibana Karol Conká disse que sua inserção na cena hip hop não foi difícil, pois o fato de rimar bem abriu muitas portas. Para ela, o hip hop é uma cena que já foi machista, mas com o tempo aconteceu uma mudança que é perceptível. “Isso não é uma guerra contra os homens, apenas estamos unindo forças para fazer rap. Eu não sou nem um pouco feminista, sou feminina,” disse Karol. Ainda segundo ela, que já declarou que achava feio mulheres MC’s que se comportavam como homens, não é legal uma mulher assumir um rótulo e fingir ser algo que não é para impor espaço. “Eu não tenho nada contra mulher que se comporta de maneira masculinizada. Sou contra a pessoa que força isso pra ser aceita. Achei uó quando eu vi e falei 'eu vou fazer rap, eu vou mostrar como é que se faz'”.

A rapper francesa Yelle. Foto: Google Imagens
Longe do Brasil, muitas MC's não medem palavras contra as formas de opressão à mulher. Um exemplo bastante conhecido é a rapper francesa Julie Budet, mais conhecida como Yelle, que se voltou contra o rap machista no mesmo tom usado pelos homens. Yelle despontou na mídia com o sucesso “A cause des garçons”, eletro dance denominado “Tecktonik”,  na qual faz alusão a certas revistas femininas que ditam o que se deve vestir ou o quanto se deve pesar para ser aceita entre os homens. Ela não tem pudores ao falar sobre masturbação feminina e posições sexuais, com um tom divertido. Garante que as mulheres devem assumir sua feminilidade como uma forma de se impor.

"Ninguém pode me impedir de falar"

O rap que sempre foi considerado como uma arma de luta contra as mazelas da sociedade foi muito bem empregado pelas rappers brasileiras. Sua ascensão reflete no fato de que entre tantas formas de se tratar de assuntos referentes às mulheres, talvez ele seja a única forma de chegar aos ouvidos da sociedade independentemente das classes sociais impostas pelo sistema. Quebrar tabus e barreiras é o motivo central dessas guerreiras que desde os anos 80 garantem o seu espaço, seja falando de problemas sociais, preconceitos morais ou simplesmente dizendo o quanto é importante ser feliz. Porém, tudo isso não significa que o machismo desapareceu. O preconceito advindo da misoginia assumiu formas diferentes, como por exemplo, através da homofobia. Mas a luta persiste. 


No rap, ser feminina é ser feminista. E vice-versa.



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