sábado, 5 de maio de 2012

“Viva a cultura popular, viva o sertão”

Por Lucas Eduardo Dantas



Foto: Lucas Eduardo Dantas

Nesta manhã aconteceu mais um espaço de discussão do Festival da Juventude de Vitória da Conquista. Uma roda de conversa sobre Tradição e Cultura Popular, que contou com a participação de convidados ilustres como os poetas e repentistas Maviael Melo e Onildo Barbosa, além da presença da historiadora e Coordenadora da ONG Carreiro de Tropa, Maria Stella, tendo o Coordenador de Cultura e música Nagib Barroso como mediador do espaço.


Em um clima de descontração e amizade, o pernambucano Maviael nos deu o prazer de apreciar suas belas melodias ao som do violão e, em suas letras, a história dos antigos tropeiros era contada. A professora Maristela, aproveitando o momento, fez um apanhado histórico contando através das pesquisas realizadas, a trajetória desses tropeiros, percussores da nossa cidade.

Foto: Lucas Eduardo Dantas
O terno de Reis é um movimento de cultura tradicional visível em Vitória da Conquista, no entanto, muitas dificuldades estes encontram a partir de sua origem. O surgimento desses reisados, como explicou Maristela, está relacionada principalmente à questão religiosa e familiar, como uma tradição que seria passada de geração em geração, tendo como grande obstáculo a manutenção de sua própria formação. Em Conquista, por exemplo, é comum ver os músicos participarem de um ou mais terno de reis.

“A mídia é a principal responsável por esta descaracterização da cultura popular, descontruindo os valores morais e culturais do individuo”, afirmou Maviavel ao analisar a confusão que os veículos de comunicação de massa fazem propositalmente, distorcendo o conceito de cultura popular, relacionando-o à cultura de massa. Nascido em Pernambuco, filho de repentista, o poeta conta que sua infância foi marcada pelos cantos e repentes promovidos pelo seu pai, que cumpriu o seu papel, passando à frente a tradição nordestina. “O canto é meio descrito, é o espírito da tradição presente na Cultura Popular; a espiritualidade do cantador está no repente.”

Foto: Lucas Eduardo Dantas
Onildo Barbosa, paraibano, repentista, 57 anos, que veio em clima dos repentes, fez o repórter ficar tão contente, que até uma rima tentei, tentei. Valorizando a cultura popular nordestina, o repentista nos apresentou suas performances de abôio (cantoria comum entre os vaqueiros do sertão), repente e poesia cantada, arrancando vários aplausos da plateia. O cantador ainda contou um pouco de sua história; dos tempos em que trabalhava em Campina Grande em uma rádio com o saudoso Genival Lacerda, até os tempos de TV Rio, emissora na qual apresentava um programa chamado “O norte no Rio: Sua majestade o forró”. Trabalhou de graça até o fechamento da emissora, comprada pela Rede Globo. Ao final, deixou no ar uma leve crítica sobre o conceito de cultura popular, em um trecho de poesia cantada que dizia o seguinte: “... sim, eu digo a verdade, e não nego/ o dom de nascer poeta/é um fardo que eu carrego/enquanto um ganha milhões só pra dizer ai se eu te pego.”

E nesse clima sertanejo, Onildo declamou uma bela poesia no finalzinho, e para você que não teve a oportunidade de comparecer, veja abaixo o poema do poeta cantador, que há 27 anos, vive em Conquista, difundindo essa cultura tão bela que hoje pudemos apreciar:


Sou sertanejo patrão
Trago nos olhos estampado
o retrato desbotado
dos drama do meu sertão.

Faz tempo, e pra eu foi ontem
que eu vi por riba dos monte
as nuvem fazer lançol,
por riba da serra escura
pra se queimar na quentura da brasa acesa do sol.

Eu sofri do mesmo jeito que os conterrâneo sofrero
As mão da seca escrevero umas tragédia em meus peito
No fundo do meu esprito, juro que mantém escrito um romance doloroso

[...]

Vi o verão assassino queimando a cara dos homi
O rebuliço da fome nos estamago do minino
O vulto magro da sede
Recostado nas parede
Das casa velha sem gente
Táliguá visage feia
Zombando da dor alheia e fazendo medo aos vivente

Foi lá no sertão seu moço,
Que eu vi o sol encarnado como corpo avermelhado
Derramando sangue grosso
O vento morno
Parecendo até uns forno
Levando a nossa cultura e um taco de rapadura que eu tava no bolso

Foi lá que eu vi os carneiro butando a língua de fora
Morrendo 3,4 por hora peras bera dos barreiro
Os vira-lata pé duro, escava o chão dos buro enchendo o bucho de lixo
E os povo pobre em jejum
Morrendo de um em um, do mesmo jeito dos bicho

[...]

Quando eu vejo aqui na praça
Os homi rico bebendo
As mulher se arremexendo
Subindo sem achar graça
Magoado eu lembro da mágoa das sertaneja atrás d’agua Saindo 10,12 num lote
Ir triste e voltar chorando
Com os bucho seco roncando
Sem agua dentro dos pote

Vocês ai em São Paulo trata das égua parida
Os cavalo de corrida nem se parece cavalo
É uns bicho mantenhudo
Os coro é como os veludo por causa das vitamina
Enquanto no meu sertão
Os pobre cura os pulmão
Com rapa de quina-quina

Seu doutor, vossa insolência
De com uma chave bem dura
Três vorta nas fechadura das porta da consciência
Se num abrir todas ela
Abra pelo menos um jinela
pra ver meu sertão deserto, donde ninguém tem preguiça
Mas os homi da justiça
Nunca pássaro por perto

(Divino Vitorino)

0 comentários:

Postar um comentário