quarta-feira, 23 de maio de 2012

A Grande Fotografia

Por Lucas Oliveira Dantas


Está por toda a internet: o jornalismo brasileiro está chocado e indignado com a reportagem da jornalista baiana Mirella Cunha, para o programa “Brasil Urgente Bahia” [Rede Band], em que ela, não só assume a posição de juíza, como debocha e tripudia de um suspeito de crime sexual. Mirella quebrou ao menos uma dezena de itens de manuais de ética não só de imprensa e jornalismo, como de direitos humanos.

Mas, espera um pouco, Mirella?

A Band diz repudiar a atitude da (futura ex) funcionária, mas continua produzindo esse modelo tosco e doentio de jornalismo, que fetichiza a violência e reproduz preconceitos e discriminações. Mas, espera de novo, a Band?

Em sua coluna no site da Carta Capital, Matheus Pichonelli vai mais a fundo, lembrando que Mirella naturalmente não poderia se sentir constrangida com sua atitude diante da câmera, afinal ela tinha “carta branca da direção do programa, das autoridades que regulam a programação e dos órgãos que outorgaram o direito de levar ao ar o que seu comando bem entendesse.” Ele lembra que a tevê é uma concessão pública, portanto “ela só reproduziu a própria noção de justiça de um país que mal garante o direito de alguém se defender.”


Cidadania Básica

O que brasileiro pouco entende – e adora fazer em casos como esses – é ignorar que Mirella Cunha é apenas um detalhe de uma fotografia muito maior e extensa. Escrevo “fotografia” porque esta forma de arte tem a áurea de captar e eternizar um dado momento da realidade. Na faculdade de Jornalismo, porém, aprendemos a desconstruir essa ideia ao sabermos que, por ser apenas um instante de um contexto que existe antes e após do clique, a fotografia pode não ser exatamente uma realidade. É por isso que, ao lidarmos teoricamente com o fotojornalismo, somos ensinados a raciocinar a melhor forma possível de extrair um instante do acontecimento.

A reportagem de Mirella Cunha, fosse enquanto era apenas pauta ou quando fora levada ao ar, foi selecionada e aprovada como verdade por todas as instâncias citadas por Pichonelli em seu texto.

Voltando ao que o brasileiro gosta de ignorar: nós também somos responsáveis por ela. Ao se deparar com aquilo, o brasileiro deveria se sentir enojado e indignado com o próprio espelho, pois ele não apenas dá audiência a esse modelo de televisão, como ignora seu dever de cobrança com aquilo que é feito com um espaço que é seu por direito. Isso é cidadania básica.

Quando assisti à reportagem no Youtube, lembrei de uma fatídica aula no segundo semestre da faculdade, na qual boa parte da minha turma defendia esse tipo de jornalismo policial produzido pelo Brasil Urgente Bahia e muitos outros programas, como o também baiano “Se Liga Bocão” e o extinto “Cidade Alerta”. Essa turma se forma este ano e eu, sinceramente, espero que eles tenham mudado de opinião. Porque senão, de que adianta demitir e destruir publicamente Mirella Cunha?

2 comentários:

  1. Além de muito bom texto. Bastante crítico. Expondo com inteligência e sinceridade os excessos de uma imprensa, que se dá o mérito de combater/investigar (?) os desmandos de governos corruptos, mas não tem sido capaz de aceitar com tranquilidade e imponência, os controles externos normais e naturais para quem trata de uma coisa/concessão pública...

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