Por Mariana Kaoos
Complexo Ragga e Loro Vodoo/Foto: Rafael Flores |
Era início de noite em Vitória da Conquista de um domingo
embreagado. Lembro como se fosse hoje que paramos o carro numa casa de grade,
no Bairro Brasil, para tomar mais uma cerveja e ouvir um novo som que uns
meninos descolados estavam fazendo por aí. A minha primeira reação ao entrar na
casa foi ir correndo para o banheiro fazer xixi e, de lá, nasceu para os meus
ouvidos um rap meio cortado, com umas rimas sobre a realidade local e uma
batida que inconscientemente dava vontade de mexer a bunda. Nessa mesma noite,
as conversas foram rápidas e a cerveja pouca, pois logo mais eles estariam indo
para a sua primeira entrevista, numa rádio local.
O grupo que até então era muito mais idealizado do que
consistente era o Complexo Ragga. Há dois anos, a cultura sound system se
instalou na cidade tomando os guetos, a periferia, até, através destes chegar
aos meios ditos mais “nobres”. E para a alegria dos rebuceteiros, punanys* e
rapaziada das transações em geral o Complexo cresceu, tomou forma em três
grandes nomes (Alien’ Sapien, Supremo Mc e Loro Vodoo), começou a gravar
musicas autorais e “boom boom clap”**, passou a comandar as noites frias de
Vitória da Conquista trazendo convidados de todo o Brasil e esquentando as
pistas de dança.
Mas isso tudo não é coisa nova não. A cultura sound system,
que engloba outros ritmos como o hip hop, dub stereo, rap e reggae nasceu na
Jamaica entre o início da década de 1950. O raggamuffin (termo usado pela
juventude de Kingston-Jamaica para se referir ao ritmo da música) veio aparecer
somente a partir de 1980 através de Wayne Smith.. Aqui no Brasil existem pontos
específicos de produção e consumo do ragga dancehall (é muito comum associar os
termos raggamuffin e dancehaal como se fossem a mesma coisa, porém, enquanto o
primeiro faz referência a forma de se cantar, o dancehall significa o ritmo, as
batida e a musicalidade do som). Curitiba, São Paulo, Brasilia, Salvador e Vitória da Conquista são algumas cidade que possuem nomes já consolidados como Trio Bemba, Miss Ivy, Sacal, Ministereo Público e
Daganja. A maioria desses nomes já incendiaram noites em Conquista junto com o
Complexo.
Com um vestuário específico e um dialeto próprio, o Complexo
Ragga aos poucos foi disseminando sua ideologia entre os mais variados públicos
da Bahia. As punanys com short coladinho e tomando pinga com mel e limão, e os
manos*** sempre com isqueiro nas mãos para “queimar a babilônia”****. Quem tem
a impressão de que o ragga se assemelha aos bailes funks está redondamente
enganado. Diferente destes, as composições do ragga quando não focadas nas
discrepâncias sociais, exaltam a figura feminina de maneira respeitosa e
sensual, elegendo-as muitas vezes como rainhas ou “queens do ragga”.
“É nessa modalidade” que o Complexo Ragga se apresenta na
noite de sábado, na primeira edição do Festival da Juventude. E é também através do "máximo respeito” que eles são uma das atrações mais esperadas
justamente por dialogar com essa mocidade que tem seus anseios de se expressar
e lutar pelo que acredita. Para quem ainda não os conhece, fica o convite de
chegar junto e conferir a qualidade do trabalho que os meninos estão apresentando. Já
para os que vêm acompanhando as noitadas de dancehall na cidade, colem aí pra
mais uma vez “remexer ao som do dancehall”. “É disso que eu tô falando”.
Os termos em negrito referem-se às gírias da cultura Ragga.
*Punanys: mulheres que dançam ragga.
*Punanys: mulheres que dançam ragga.
** Boom Boom Clap: muito bom; quando algo é digno de máximo respeito
*** Manos: Homens.
**** Queimar a babilônia: referente à uma das músicas do Complexo
Ragga.
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