quinta-feira, 3 de maio de 2012

"Ao som do raggamuffin a noitada nunca perde a graça”

Por Mariana Kaoos


Complexo Ragga e Loro Vodoo/Foto: Rafael Flores
Era início de noite em Vitória da Conquista de um domingo embreagado. Lembro como se fosse hoje que paramos o carro numa casa de grade, no Bairro Brasil, para tomar mais uma cerveja e ouvir um novo som que uns meninos descolados estavam fazendo por aí. A minha primeira reação ao entrar na casa foi ir correndo para o banheiro fazer xixi e, de lá, nasceu para os meus ouvidos um rap meio cortado, com umas rimas sobre a realidade local e uma batida que inconscientemente dava vontade de mexer a bunda. Nessa mesma noite, as conversas foram rápidas e a cerveja pouca, pois logo mais eles estariam indo para a sua primeira entrevista, numa rádio local.
O grupo que até então era muito mais idealizado do que consistente era o Complexo Ragga. Há dois anos, a cultura sound system se instalou na cidade tomando os guetos, a periferia, até, através destes chegar aos meios ditos mais “nobres”. E para a alegria dos rebuceteiros, punanys* e rapaziada das transações em geral o Complexo cresceu, tomou forma em três grandes nomes (Alien’ Sapien, Supremo Mc e Loro Vodoo), começou a gravar musicas autorais e “boom boom clap”**, passou a comandar as noites frias de Vitória da Conquista trazendo convidados de todo o Brasil e esquentando as pistas de dança.

Mas isso tudo não é coisa nova não. A cultura sound system, que engloba outros ritmos como o hip hop, dub stereo, rap e reggae nasceu na Jamaica entre o início da década de 1950. O raggamuffin (termo usado pela juventude de Kingston-Jamaica para se referir ao ritmo da música) veio aparecer somente a partir de 1980 através de Wayne Smith.. Aqui no Brasil existem pontos específicos de produção e consumo do ragga dancehall (é muito comum associar os termos raggamuffin e dancehaal como se fossem a mesma coisa, porém, enquanto o primeiro faz referência a forma de se cantar, o dancehall significa o ritmo, as batida e a musicalidade do som). Curitiba, São Paulo, Brasilia, Salvador e Vitória da Conquista são algumas cidade que possuem nomes já consolidados como Trio Bemba, Miss Ivy, Sacal, Ministereo Público e Daganja. A maioria desses nomes já incendiaram noites em Conquista junto com o Complexo.

Com um vestuário específico e um dialeto próprio, o Complexo Ragga aos poucos foi disseminando sua ideologia entre os mais variados públicos da Bahia. As punanys com short coladinho e tomando pinga com mel e limão, e os manos*** sempre com isqueiro nas mãos para “queimar a babilônia”****. Quem tem a impressão de que o ragga se assemelha aos bailes funks está redondamente enganado. Diferente destes, as composições do ragga quando não focadas nas discrepâncias sociais, exaltam a figura feminina de maneira respeitosa e sensual, elegendo-as muitas vezes como rainhas ou “queens do ragga”.

“É nessa modalidade” que o Complexo Ragga se apresenta na noite de sábado, na primeira edição do Festival da Juventude. E é também através do "máximo respeito” que eles são uma das atrações mais esperadas justamente por dialogar com essa mocidade que tem seus anseios de se expressar e lutar pelo que acredita. Para quem ainda não os conhece, fica o convite de chegar junto e conferir a qualidade do trabalho que os meninos estão apresentando. Já para os que vêm acompanhando as noitadas de dancehall na cidade, colem aí pra mais uma vez “remexer ao som do dancehall”. “É disso que eu tô falando”. 



Os termos em negrito referem-se às gírias da cultura Ragga.
*Punanys:  mulheres que dançam ragga.
** Boom Boom Clap: muito bom; quando algo é digno de máximo respeito
*** Manos: Homens.
**** Queimar a babilônia: referente à uma das músicas do Complexo Ragga.

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