terça-feira, 8 de maio de 2012

Meu amigo Pepeu


Por Mariana Kaoos e Rafael Flores

Pepeu Gomes/ Foto: Rafael Flores
Assobiando "Sexy Iemanjá", esperávamos nossa vez de entrar na pequenina e improvisada sala de imprensa. Fomos os últimos a entrar e logo encontramos um Pepeu Gomes sorridente e meio largado no sofá. Ele levantou para nos cumprimentar e logo fizemos questão de nos apresentar enquanto rebuceteiros e tietes. Pepeu deu gargalhadas ao saber do nome do nosso blog e comentou que seria legal um bloco de carnaval se chamar assim. Aos 60 anos, o velho novo baiano ainda preserva seus longos cabelos negros e o ar de peace and love.

Já dando início a entrevista, nós, rebuceteiros, prestamos atenção nos gestos que Pepeu fazia com os braços. Olhando para aquelas mãos brancas, com os dedos gordinhos e a unha pequena, mal dava para imaginar as artimanhas e truques que elas fazem ao pegar na guitarra ou no cavaquinho. Pepeu Gomes, que iniciou sua carreira através do grupo musical Novos Baianos, é hoje, um dos melhores guitarristas do Brasil (é, vamos deixar de modéstia, do mundo). De óculos escuros durante todo o papo, Pepeu não nos soltou “seu raio laser”, mas em compensação, falou de maneira despojada de si e da atual cena cultural do país.


O Rebucetê: Qual o sentimento que você tem em vir a Vitoria da Conquista participar do Festival da Juventude, o qual propõe um dialogo entre as diversas juventudes?

Pepeu Gomes: Eu acho interessante que existam eventos como o Festival da Juventude, porque a Bahia tem essa imagem de que tudo é festa, tudo é carnaval, tudo é São João e tal. Eu acho que existem músicos na Bahia que tem a qualidade de mostrar o trabalho instrumental, não só no Brasil, mas pelo mundo, que é uma coisa que eu já venho fazendo há mais de vinte anos. Então ser convidado pela Vendo 147 pra mim foi maravilhoso, são excelentes músicos que não tem que ficar restritos somente a uma carreira na Bahia, tem que expandir, conquistar os quatro cantos do Brasil. Acho bacana quando acontecem eventos assim, eu faço questão de ir justamente pra abrir a cabeça e o coração das pessoas que tão acostumadas a me ver cantar “Sexy Iemanjá”, abertura de novela, coisa e tal. Importante que vejam o instrumentista que você é, que é aquilo que você leva pra fora do Brasil e que as pessoas lá te aplaudem de pé. Então acho de extrema importância que aconteça eventos como este.

Capa do álbum Acabou Chorare/ Foto: Divulgação
OR: O álbum Acabou Chorare, gravado em 1972 pelo grupo Novos Baianos, do qual você fez parte, foi um marco da música brasileira naquela década e ainda é cultuado por antigas e novas juventudes. Você acredita na existência de alguma obra musical nos últimos dez anos tão forte a ponto de marcar uma nova geração?

PG: Acho difícil, o Acabou Chorare foi considerado o melhor disco do século pela Rolling Stone do brasil e americana também, falando em termo de worl music né? Então pode ser até que apareça, por exemplo, Chico Science deixou obras maravilhosas, agora eu acho que a situação do Acabou Chorare foi muito específica pra aquele tempo, momento, que a gente era perseguido pela política e a gente ao mesmo tempo tava ali defendendo a bandeira pra juventude dizendo é Paz e Amor de verdade não ao domínio a essa coisa de apego as coisas materiais “Po, camisa linda”, “Tome, é sua”. A gente venceu toda uma situação que se talvez tivesse acontecido hoje talvez não teríamos força pra vencer.

OR: Foi difícil para você se dissociar dos Novos Baianos para seguir com uma carreira solo?

PG: Não foi não, a gente mantém até hoje um relacionamento muito legal. A necessidade de abrir foi maior do que a própria história dos Novos Baianos. Os Novos Baianos, na verdade, eram um núcleo de artistas, não eram uma banda. Tinha Moraes, Pepeu, Paulinho, Baby, Jorginho, Galvão, Didi... E todos esses músicos tiveram a necessidade da carreira solo e seguem com ela até hoje. Então era impossível manter. Foi bacana enquanto durou, deixamos coisas maravilhosas, vivemos e choramos momentos fantásticos, entendeu? Mas a necessidade de abrir foi inevitável, os filhos estavam nascendo, precisavam de escola, precisavam de dinheiro, precisavam do mundo atual, entendeu?

Carnaval de Salvador nos anos 70/ Foto: Divulgação
OR: O carnaval baiano tem sido já há alguns anos um espaço de segregação social e feito para um publico que não é o povo da Bahia. Por onde você acha que o carnaval pode ser revitalizado e voltar a ter características mais latentes de uma festa popular?

PG: Isso parte dos governantes. Eu faço carnaval em Salvador há 25 anos, sou um trio independente, eu não dependo de patrocinador, eu não dependo de ninguém, porque eu não quero colocar corda. Acho corda no trio uma coisa totalmente de direita, entendeu? Eu sou socialista, eu acho que tem que tirar a porra da corda, entendeu? Tem que deixar o público pular junto com a gente. O público, que trabalha, que batalha de oito da manhã às seis da tarde, na hora que vai pular tem uma corda na frente dele. Isso é a mesma coisa de botar o cara na cadeia, bicho. Eu sou completamente contra isso, eu faço carnaval pro povo. Meu trio só sai meia noite, meu trio só toca rockn’roll, só toca Stones, Beatles e minhas músicas, entendeu? Isso não é preconceito, isso é um direito meu e do público que me acompanha e é fiel a mim. Eu acho que os governantes tem que criar novos circuitos, tem que dar apoio pra essas pessoas. Esse ano com muito sacrifício a gente conseguiu que o menino da banda Eva fosse pra Praça Castro Alves cantar comigo e com Moraes, fizemos um encontro de trios para o povão, de graça. Acho que isso tem que se expandir. Tem que abrir o coração, bicho. Tudo bem que nego ganha milhões, ninguém é contra você ganhar os seus milhões, mas tem uma galera ali que não tem grana, bicho, que quer lhe ver. Se tiver uma briga na rua e nego ver que é você ele vai parar a briga por sua causa, porque você é um formador de opinião, você é uma pessoa que tem uma situação privilegiada ali e que pode até contribuir pra evolução da humanidade. Então nós temos que nos preocupar sempre com essas pessoas.

Vendo 147 e Pepeu Gomes/ Foto: Rafael Flores
OR: Você é consagrado por muitos como o maior guitarrista do Brasil, mas a guitarra elétrica logo quando foi incorporada à musica popular brasileira foi muito mal vista por um grande número de pessoas. Você acredita que atualmente existe alguma resistência a alguma forma de se fazer música?

PG: Não, não existe não. Acho que a música é uma forma de liberdade que a gente tem no planeta. A música, faz literatura. Eu faço workshops pelo Brasil, faço simpósios, faço congressos, tudo falando de música brasileira. Eu estudo a música brasileira desde que eu conheci João Gilberto, então eu acho que não existe nada que venha bloquear nenhum tipo de criação. Eu acho sim que nós temos que evoluir dentro da música, nós temos que melhorar os textos, nós temos que parar de fazer música em dois tons, em dois acordes, nós temos que ser mais solidários com as pessoas, entendeu? O carnaval é uma grande festa, mas tem que se usar o Carnaval como trabalho social também. É o que eu faço no meu trio : “Olha não mija na rua, que vai passar uma criança, que pode ser até o seu filho, e vai escorregar no mijo”. Eu falo isso em cima do trio, entendeu? “Quer transar vai pra praia, não vai transar no meio da rua!”. Você não vai tá dando um exemplo legal, você vai tá sim, disseminando uma coisa que fora do Brasil vão tá dizendo que a Bahia é uma grande putaria e não é. A Bahia é o melhor lugar do mundo pra se viver, então eu digo isso.

OR:A revista Bravo anunciou seu novo disco, "Eu Não Procuro Som", que traz uma das suas mais belas composições que é a musica Saudação Nagô. Entretanto, o disco não está sendo encontrado em lugar algum, o que houve com a distribuição?

PG: Inclusive eu soube ontem que ele foi indicado pro Grammy. Mas é essa coisa de distribuição da gravadora, entendeu? A minha obra passou a ser minha porque venceu o prazo. Para nós, artistas independentes, é difícil organizar, por exemplo, uma obra com 440 músicas gravadas, é complicado. Controlar a obra é uma coisa difícil pra caramba. Então o que eu fiz, deixei de graça na internet pra todo mundo. Na internet você tira meus discos todos de graça, porque Deus já me deu o que eu precisava, então o que vem a mais eu quero repartir com as pessoas.

OR: E pra finalizar, Pepeu, hoje vai ter lua cheia, tudo pode acontecer?

PG:  Pode, sempre. [Risos.]




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