sexta-feira, 4 de maio de 2012

O Rebucetê Entrevista: Leonardo Boff

Por Mariana Kaoos e Rafael Flores

Foto:Rafael Flores
Discutíamos as perguntas, enquanto o Salão Nobre do Gabinete Civil da Prefeitura era arrumado para a coletiva de imprensa. Estávamos ansiosos por nossa primeira entrevista durante a programação do Festival da Juventude e já nervosos com a demora na chegada do entrevistado.  Depois de ‘tremiliques’ nas pernas e troca de olhares, vimos um senhor barbudo adentrar a sala. Com uma voz quase santa, Leonardo Boff cumprimentou a todos no ambiente, comentou sobre o arranjo de flores amarelas e se sentou ao lado do vice-prefeito. Sua sutileza acalmou nosso ânimos.

Leonardo Boff é um dos principais teólogos brasileiros, com prestígio e autoridade mundial , carregando no currículo passagens pelos porões do Vaticano. Boff tem mais de 60 livros publicados nas áreas de Teologia, Ecologia, Filosofia, Antropologia e Mística. A sustentabilidade e outras questões ambientais têm sido o alvo principal dos estudos do ex-frei católico nos últimos anos e foi sobre isso que conversamos nesta manhã.

O Rebucetê: Sobre a Conferencia do Rio + 20 (saiba mais aqui), qual a importância de se estabelecer um espaço de discussões populares através da Cúpula dos Povos?

Leonardo Boff: A Rio + 20 é muito importante, pois será o primeiro grande balanço depois de vinte anos da  Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro em 1992. Esta é a oportunidade para avaliar se cresceu a consciência mundial sobre os problemas ecológicos, se as ciências evoluíram nas discussões a respeito do clima e da bio-diversidade, ou se em termos de ações foram feitas poucas coisas. Sobre o aquecimento global, particularmente, nada foi feito. Então, a Rio+20 é uma das últimas tentativas de fazer algo global que efetivamente ataque os três temas que são colocados. O primeiro é garantir a sustentabilidade, um tipo de desenvolvimento que se componha com o meio ambiente. O segundo é a governança global, pois agora não existe um centro de poder em função da humanidade. Existe o poder hegemônico vindo dos Estados Unidos da América, que acaba impondo sua vontade ao resto do mundo, mas agora, com o agravamento dos problemas, se exige um centro de poder multi polar que coordene o nível da terra. E, o terceiro e último, é a proposição extremamente ambígua que deve ser analisada com muito cuidado, a economia verde. Através da economia verde  o capitalismo pode se sobressair colocando preço em todas as coisas da natureza, especialmente naqueles bens de consumo que dizem respeito a toda a humanidade, como água, solos, sementes e alimentação. A tese que eles sustentam é que colocando um preço nesses “produtos”, o consumo diminuirá. Porém, os bens de serviço que pertencem à vida não são mercadoria, são sagrados, então, acredito que vai haver uma discussão em torno da economia verde abordando o que é possível preservar na terra, como os microorganismos do solo, as florestas, as águas purificadas e assim por diante. 

OR: Nesse propósito a sociedade civil esta bem organizada? 

Foto: Rafael Flores
LB: Bom, eu penso que não vamos esperar nada da reunião oficial. Isto porque os principais chefes de estado já comunicaram que não vêm. Então se aqueles que devem tomar decisões não vêm, todos os demais países se sentem desestimulados e o argumento básico é: “nós que estamos em crise precisamos de dinheiro e não temos como dar dinheiro”. Agora aí é um problema ético de fundo: o que conta mais é o sistema financeiro dos capitais ou a perpetuação de vida no planeta? Eles optaram pelo sistema de fundo e não pela vida e pelo planeta, o que é um grave erro e a humanidade vai pagar muito caro por isso. Então desse lado oficial não virão soluções, talvez um ou outra declaração no máximo. No entanto,  esperamos muito da Cúpula dos Povos, pois aí vem gente do mundo inteiro que não vem trazer palestras e discursos e sim trocar experiências de como plantar, como tratar as sementes, com criar casas mais sustentáveis, etc. Essas mil experiências do mundo todo mostram que podemos organizar o consumo, o mundo e a economia de outra forma. E aí eu acho que podem sair coisas muito interessantes, que podem ser assumidas por vários países e grupos mundiais, as quais podem  ser implementadas por prefeituras, estados, que tomam aquilo como orientação e já começam a aplicar e ai sim podemos esperar que avancemos na consciência e nas práticas.

OR: O Congresso Brasileiro aprovou a proposta de um código florestal que dá preferência ao agronegócio em detrimento de uma economia agrícola sustentável. Na sua opinião, quais os desdobramentos dessa opção aprovada na Câmara e no Senado??

LB: Eu espero sinceramente que a presidente Dilma vete tudo. Eu e várias outras pessoas como Marina Silva, Gilberto Gil e outros artistas encaminhamos via twitter a campanha Veta Dilma. Queremos com isso pressionar a presidenta em relação ao código florestal. O código em si é hostil à vida, hostil à humanidade, ele só visa interesse econômico. Para os grandes proprietários e os que estão interessados na aprovação do código, as florestas rendem muito mais derrubadas do que quando em pé. Então isso tudo na verdade é uma avaliação, uma convalidação da agressividade do agronegócio. Em vez de recuperar os 20 milhões de hectares de terras que foram devastadas, eles só querem devastar mais ainda. Para eles, é muito mais barato, rentoso e mais fácil derrubar as florestas não para plantar soja, como alegam, mas para a criação e gado. Então eu acredito que o código é um dos retrocessos maiores da nossa história, é a visão da estupidez. Então, o código tem uma visão econômica, não tem visão ecológica. É algo que precisa ser denunciado e resistido, e caso ele seja aprovado de alguma maneira, a luta tem que continuar porque precisamos salvar as coisas que interessam não só ao Brasil, mas que dizem respeito a sobrevivência da humanidade.

OR: Como o senhor avalia o acirramento das sucessivas expulsões de comunidades tradicionais do seu local de vivência. Como exemplo o que ocorreu com o povo do Xingu no Norte e na comunidade quilombola Rio dos Macacos na Bahia?

LB: Olha, primeiro quero saudar a vitória dos Pataxós do sul de Minas. O Supremo Tribunal deu o direito e devolveu as terras que são legitimas deles. Então a luta dos indígena, que são os povos originários daqui e que foram quase todos exterminados pela ganância dos colonizadores, eles têm o direito nativo de lutar por suas terras e reconhecer a compreensão singular que eles tem dela. Nós, brancos da cultura ocidental e dominante, entendemos a terra como meio de produção pra plantar, colher, etc enquanto eles entendem a terra como prolongamento do corpo. Por isso os índios precisam de grandes espaços para fazer seus ritos, essa profunda comunhão com a natureza que nós perdemos , então isso tem que ser preservado. Acho que temos de apoiar a luta deles e se há um grupo hoje no mundo, tanto no Brasil e na América Latina, que deve ser revisitado são eles, porque eles têm a chave da solução do problema mundial, pois é uma nova relação com a natureza, não de exploração, mas a natureza grande que nos dá tudo que precisamos e que devemos tratá-la não com agressão e violência, mas com respeito e preservação. Então eles têm muitos valores comunitários, ecológicos, que são fundamentais pra gente, então é importante revisitá-los e manter que eles estejam fisicamente vivos, mantenham sua cultura, suas línguas, seus ritos, isso é a grandeza de uma cultura e por isso a legitimidade de suas lutas.

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