Por Ana Paula Marques
O hip hop emergiu na década de 70 nos subúrbios de Nova
Iorque e chegou fortemente ao Brasil no final da década de 80, com grandes
representantes como Racionais MC’s, Sabotage, Rappin Hood e Planet Hemp. O
berço cultural do hip hop brasileiro foi o sudeste, mais precisamente a cidade de São
Paulo. Desde seu auge, a cena sempre obteve um contexto muito masculino, com
letras que trazem à tona a realidade do sistema, refletida na periferia. Em alguns casos específicos, podemos perceber letras extremamente misóginas,
como por exemplo, letras antigas do rapper estadunidense Eminem e do alemão
Bushido, que em um dos seus clipes mostrou mulheres torturadas até sangrar.
Dina Di, ícone feminino do rap. Foto: Google Imagens |
No auge dos anos 90, enquanto os
homens predominavam na cena, surgia Dina Di. Mulher e branca, foi parar
na FEBEM após ter fugido de casa aos 13 anos. Seu pai morreu engasgado com um
pedaço de carne e sua mãe foi assassinada dentro de casa, asfixiada com um
pedaço de pano na garganta. Anos mais tarde, ela saiu de Campinas, no interior
de São Paulo, para se dedicar ao rap, acreditando na força da sua mensagem. Transmitindo a visão de quem está atrás das grades invisíveis que separam o país
da mulher pobre, ela conquistou respeito e destaque como líder do grupo
“Visão de Rua”. Com o single “Periferia é o alvo”, realizaram vários shows pelo
Brasil. A partir de 1998, o grupo lançou o primeiro álbum de nome “Herança do
Vício”, seguido pelo “Ruas de Sangue”, “A Noiva do Thock” e “O Poder nas Mãos”.
Ganhou duas premiações no Hutúz, maior festival de rap do país, na categoria
“Melhores Grupos ou Artistas Solo Feminino da Década”. Morreu em 2010, aos 35
anos de idade, por negligência médica, após dar a luz a sua primeira filha,
Aline e contrair uma infecção hospitalar. Morreu lutando.
"Esperamos ansiosas até chegar a nossa vez"
Os primeiros registros
fonográficos de mulheres no rap brasileiro foram feitos por Thulla e Sharylaine
ainda nos anos 80. Hoje, Sharylaine integra a Frente Nacional de Mulheres do
Hip Hop, criada no II Fórum de Mulheres do Hip Hop, em abril do ano
passado. A Frente surgiu para aprofundar a reflexão e o debate democrático de
ideias, além de abrir caminhos em cidades onde as mulheres não conseguem espaço.
Muito além do movimento, a intenção do coletivo feminino é se organizar para,
cada vez mais, unir o hip hop com as questões sociais. Mas, quem disse que
expressar sentimento e sensualidade não pode ser considerado engajado? É
possível sim dominar com voz e quadril.
Lurdes da Luz, Flora Matos, Stephanie e Nathy MC. Foto: Luciana Fraga |
Em uma passagem por Vitória da Conquista durante a Noite
Fora do Eixo, a curitibana Karol Conká disse que sua inserção na cena hip hop
não foi difícil, pois o fato de rimar bem abriu muitas portas. Para ela, o hip
hop é uma cena que já foi machista, mas com o tempo aconteceu uma mudança que é
perceptível. “Isso não é uma guerra contra os homens, apenas estamos unindo
forças para fazer rap. Eu não sou nem um pouco feminista, sou feminina,”
disse Karol. Ainda segundo ela, que já declarou que achava feio mulheres MC’s
que se comportavam como homens, não é legal uma mulher assumir um rótulo e
fingir ser algo que não é para impor espaço. “Eu não tenho nada contra mulher
que se comporta de maneira masculinizada. Sou contra a pessoa que força isso
pra ser aceita. Achei uó quando eu vi e falei 'eu vou fazer rap, eu vou mostrar
como é que se faz'”.
Longe do
Brasil, muitas MC's não medem palavras contra as formas de opressão à mulher. Um exemplo bastante conhecido é a rapper francesa Julie Budet,
mais conhecida como Yelle, que se voltou contra o rap machista no mesmo tom
usado pelos homens. Yelle despontou na mídia com o sucesso “A cause des
garçons”, eletro dance denominado “Tecktonik”, na qual faz alusão a
certas revistas femininas que ditam o que se deve vestir ou o quanto se deve
pesar para ser aceita entre os homens. Ela não tem pudores ao falar sobre
masturbação feminina e posições sexuais, com um tom divertido. Garante que as
mulheres devem assumir sua feminilidade como uma forma de se impor.
A rapper francesa Yelle. Foto: Google Imagens |
"Ninguém pode me impedir de falar"
O rap que
sempre foi considerado como uma arma de luta contra as mazelas da sociedade foi
muito bem empregado pelas rappers brasileiras. Sua ascensão reflete no fato de
que entre tantas formas de se tratar de assuntos referentes às mulheres, talvez ele seja a única forma de chegar aos ouvidos da
sociedade independentemente das classes sociais impostas pelo sistema. Quebrar tabus e barreiras é o
motivo central dessas guerreiras que desde os anos 80 garantem o seu espaço, seja
falando de problemas sociais, preconceitos morais ou simplesmente dizendo o quanto é
importante ser feliz. Porém, tudo isso não significa que o machismo desapareceu. O preconceito advindo da misoginia assumiu formas diferentes, como por exemplo, através da homofobia. Mas a luta persiste.
No rap, ser feminina é ser feminista. E vice-versa.
No rap, ser feminina é ser feminista. E vice-versa.
keny arkana da frança,aquilo é rap.
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