domingo, 6 de maio de 2012

Diário de Bordo do Festival: Telefone sem fio

Foto: Rafael Flores

Por Rafael Flores

Discussões acaloradas sobre as mulheres em uma ponta do corredor, na outra mestres do audiovisual, teatro, comunicação e outras artes debatiam a democratização da cultura.  Eu corria com a câmera nervosa entre um auditório e outro para fazer a cobertura em tempo real nas redes. As conversas iam se misturando. O direito das mulheres negras de um lado, o direito da periferia em produzir, consumir e discutir cultura do outro. Machismo, audiovisual, luta, Glauber... Palavras se cruzavam na minha cabeça desconcentrada. Finalmente resolvi, por interesse no tema, me fixar na roda de conversas sobre democult. O cineasta Orlando Senna falava com afeto da criação do pólo regional de produção e distribuição audiovisual, quando foi surpreendido por batuques vindos do lado de fora. O som ficava mais forte, eram muitas vozes gritando coisas indecifráveis. "Acorda, seu machista a América Latina vai ser toda feminista", enfim consegui ouvir nitidamente.
Do portão apareceram dezenas de mulheres com expressões duras no rosto e braços erguidos. Alguém perguntou o que elas faziam ali: "Me disseram que houve uma fala machista nessa mesa, nos organizamos e viemos protestar", disse uma delas. "Mas o que disseram?", perguntei. Uma delas, representante da UNE, pegou o microfone e esclareceu que aquele era um ato contra o Alex Antunes, jornalista que compunha a mesa. Segundo as feministas ele havia dito que pra Vitória da Conquista ficar melhor só faltavam as putas. Fiquei extasiado e impressionado com aquilo. Não escutei o comentário do Alex, no momento eu fotografava o espaço sobre cidadania das mulheres. Fiquei impressionado com a rapidez com que aquela comunicação se estabeleceu. O jornalista tentou se explicar, mas foi calado, já que o opressor não deve ter voz.  O grupo, ainda entoado pelos gritos de guerra, voltou em marcha para o outro auditório. Alex Antunes as seguiu, tentou estabelecer um debate, se fazer entender, mas não houve diálogo. Procurei as pessoas que haviam presenciado o tal comentário maldito. Todas as caras que eu abordei estavam em choque com o ato, existia um ar de estranhamento. Me disseram que a mesa discutia o clima cultural da cidade, o Alex interveio e comentou sobre a noite que presenciou. Ao falar sobre o clima do beco (ao lado do Hotel Livramento), comentou que o lugar tinha um ar underground, por conta do sebo aberto à meia noite e a banda de rock vibrando ao lado e que para completar o cenário só faltavam as prostitutas. Me disseram.

4 comentários:

  1. Deveras. A repercussão realmente surpreendeu, isso mostra o quanto nós, comunicadores, devemos estar atentos a todo o movimento. O Alex não foi muito feliz no comentário, de fato, por mais que o corpo feminino mesmo sendo usado para uma ação profissional como o da prostituição, não deva ser tratado como uma mercadoria qualquer, tido como mais uma opção dentro da estante de produtos.
    Contraditório parece, mas tem um peso a palavra PUTA. A arte, como sempre, sabe bem utilizar e ressignificar as palavras, bem sabe o Gabriel Garcia Marques, com o seu "Memórias das minhas putas tristes", ou como todas as letras de músicas que a contenham e filmes que a expressem num sentido mais ou menos pejorativos, de acordo com o grau de intenção
    do discurso fílmico. O que quer dizer, portanto, que ser ou fazer-se "PUTA", hoje, vá além do sentido literal outrora usado, enquanto que, as verdadeiras "PUTAS" lutam para serem apenas, profissionais liberais, e não somente "PUTAS" como os demais que a queiram chama-las assim, chamam-as. No caso do Alex, a palavra foi dita num contexto mais restrito, menos plural, mais capitalisticamente falando, daí o problema. É o corpo - no centro - das atenções.

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  2. "O jornalista tentou se explicar, mas foi calado, já que o opressor não deve ter voz."
    No mínimo engraçado - e trágico. Não reconhecer o direito do outro de expressar-se livremente, mesmo que sua opinião seja diversa da nossa, ou da voz da maioria, não seria, justamente, um ato de opressão?
    Me assusta muito ver que, em nome de uma certa liberdade, sujeitos atacam e calam a liberdade de outros...quer dizer, só é 'liberdade' se for assim-ou-assado? Perigosíssimo isso, hein...

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  3. Ah, e tem mais...se, por exemplo, alguém me chama de "filho-da-puta" ou "veado", e eu me ofendo, então estou passando recibo...

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  4. comentário tardio: na verdade eu disse que pra ser um clima boêmio perfeito, além do palco e da livraria, faltavam as putas. um comentário séc. 20 caminhando para o século 19, admito :)

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