Por Lucas
Oliveira Dantas
Está por
toda a internet: o jornalismo brasileiro está chocado e indignado com a
reportagem da jornalista baiana Mirella Cunha, para o programa “Brasil Urgente
Bahia” [Rede Band], em que ela, não só assume a posição de juíza, como debocha
e tripudia de um suspeito de crime sexual. Mirella quebrou ao menos uma dezena
de itens de manuais de ética não só de imprensa e jornalismo, como de direitos
humanos.
Mas, espera
um pouco, Mirella?
A
Band diz repudiar a atitude da (futura ex) funcionária, mas continua
produzindo esse modelo tosco e doentio de jornalismo, que fetichiza a violência
e reproduz preconceitos e discriminações. Mas, espera de novo, a Band?
Em sua
coluna no site da Carta Capital, Matheus Pichonelli vai mais a fundo,
lembrando que Mirella naturalmente não poderia se sentir constrangida com sua atitude
diante da câmera, afinal ela tinha “carta branca da direção do programa, das
autoridades que regulam a programação e dos órgãos que outorgaram o direito de
levar ao ar o que seu comando bem entendesse.” Ele lembra que a tevê é uma
concessão pública, portanto “ela só reproduziu a própria noção de justiça de um
país que mal garante o direito de alguém se defender.”
Cidadania Básica
O que
brasileiro pouco entende – e adora fazer em casos como esses – é ignorar que
Mirella Cunha é apenas um detalhe de uma fotografia muito maior e extensa.
Escrevo “fotografia” porque esta forma de arte tem a áurea de captar e
eternizar um dado momento da realidade. Na faculdade de Jornalismo, porém,
aprendemos a desconstruir essa ideia ao sabermos que, por ser apenas um
instante de um contexto que existe antes e após do clique, a fotografia pode
não ser exatamente uma realidade. É por isso que, ao lidarmos teoricamente com
o fotojornalismo, somos ensinados a raciocinar a melhor forma possível de
extrair um instante do acontecimento.
A reportagem
de Mirella Cunha, fosse enquanto era apenas pauta ou quando fora levada ao ar,
foi selecionada e aprovada como verdade por todas as instâncias citadas por
Pichonelli em seu texto.
Voltando ao
que o brasileiro gosta de ignorar: nós também somos responsáveis por ela. Ao se
deparar com aquilo, o brasileiro deveria se sentir enojado e indignado com o
próprio espelho, pois ele não apenas dá audiência a esse modelo de televisão,
como ignora seu dever de cobrança com aquilo que é feito com um espaço que é
seu por direito. Isso é cidadania básica.
Quando
assisti à reportagem no Youtube, lembrei de uma fatídica aula no segundo
semestre da faculdade, na qual boa parte da minha turma defendia esse tipo de
jornalismo policial produzido pelo Brasil Urgente Bahia e muitos outros
programas, como o também baiano “Se Liga Bocão” e o extinto “Cidade Alerta”.
Essa turma se forma este ano e eu, sinceramente, espero que eles tenham mudado
de opinião. Porque senão, de que adianta demitir e destruir publicamente
Mirella Cunha?
Muito bom o texto! Muito bom mesmo!
ResponderExcluirAlém de muito bom texto. Bastante crítico. Expondo com inteligência e sinceridade os excessos de uma imprensa, que se dá o mérito de combater/investigar (?) os desmandos de governos corruptos, mas não tem sido capaz de aceitar com tranquilidade e imponência, os controles externos normais e naturais para quem trata de uma coisa/concessão pública...
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