Por Mariana Kaoos e Rafael Flores
Pepeu Gomes/ Foto: Rafael Flores |
Já dando início a entrevista, nós, rebuceteiros, prestamos
atenção nos gestos que Pepeu fazia com os braços. Olhando para aquelas mãos
brancas, com os dedos gordinhos e a unha pequena, mal dava para imaginar as
artimanhas e truques que elas fazem ao pegar na guitarra ou no cavaquinho.
Pepeu Gomes, que iniciou sua carreira através do grupo musical Novos Baianos, é
hoje, um dos melhores guitarristas do Brasil (é, vamos deixar de modéstia, do
mundo). De óculos escuros durante todo o papo, Pepeu não nos soltou “seu raio
laser”, mas em compensação, falou de maneira despojada de si e da atual cena
cultural do país.
O Rebucetê: Qual o sentimento
que você tem em vir a Vitoria da Conquista participar do Festival da
Juventude, o qual propõe um dialogo entre as diversas juventudes?
Pepeu Gomes:
Eu acho interessante que existam eventos como o Festival da Juventude, porque a
Bahia tem essa imagem de que tudo é festa, tudo é carnaval, tudo é São João e
tal. Eu acho que existem músicos na Bahia que tem a qualidade de mostrar o
trabalho instrumental, não só no Brasil, mas pelo mundo, que é uma coisa que eu
já venho fazendo há mais de vinte anos. Então ser convidado pela Vendo 147 pra
mim foi maravilhoso, são excelentes músicos que não tem que ficar restritos
somente a uma carreira na Bahia, tem que expandir, conquistar os quatro cantos
do Brasil. Acho bacana quando acontecem eventos assim, eu faço questão de ir
justamente pra abrir a cabeça e o coração das pessoas que tão acostumadas a me
ver cantar “Sexy Iemanjá”, abertura de novela, coisa e tal. Importante que
vejam o instrumentista que você é, que é aquilo que você leva pra fora do
Brasil e que as pessoas lá te aplaudem de pé. Então acho de extrema importância
que aconteça eventos como este.
Capa do álbum Acabou Chorare/ Foto: Divulgação |
PG: Acho
difícil, o Acabou Chorare foi considerado o melhor disco do século pela Rolling
Stone do brasil e americana também, falando em termo de worl music né? Então
pode ser até que apareça, por exemplo, Chico Science deixou obras maravilhosas,
agora eu acho que a situação do Acabou Chorare foi muito específica
pra aquele tempo, momento, que a gente era perseguido pela política e a gente ao
mesmo tempo tava ali defendendo a bandeira pra juventude dizendo é Paz e Amor
de verdade não ao domínio a essa coisa de apego as coisas materiais “Po, camisa
linda”, “Tome, é sua”. A gente venceu toda uma situação que se talvez tivesse
acontecido hoje talvez não teríamos força pra vencer.
OR: Foi difícil para você se dissociar dos Novos
Baianos para seguir com uma carreira solo?
PG: Não foi
não, a gente mantém até hoje um relacionamento muito legal. A necessidade de
abrir foi maior do que a própria história dos Novos Baianos. Os Novos Baianos,
na verdade, eram um núcleo de artistas, não eram uma banda. Tinha Moraes,
Pepeu, Paulinho, Baby, Jorginho, Galvão, Didi... E todos esses músicos tiveram
a necessidade da carreira solo e seguem com ela até hoje. Então era impossível
manter. Foi bacana enquanto durou, deixamos coisas maravilhosas, vivemos e
choramos momentos fantásticos, entendeu? Mas a necessidade de abrir foi
inevitável, os filhos estavam nascendo, precisavam de escola, precisavam de
dinheiro, precisavam do mundo atual, entendeu?
Carnaval de Salvador nos anos 70/ Foto: Divulgação |
PG: Isso parte
dos governantes. Eu faço carnaval em Salvador há 25 anos, sou um trio
independente, eu não dependo de patrocinador, eu não dependo de ninguém, porque
eu não quero colocar corda. Acho corda no trio uma coisa totalmente de direita,
entendeu? Eu sou socialista, eu acho que tem que tirar a porra da corda,
entendeu? Tem que deixar o público pular junto com a gente. O público, que
trabalha, que batalha de oito da manhã às seis da tarde, na hora que vai pular
tem uma corda na frente dele. Isso é a mesma coisa de botar o cara na cadeia,
bicho. Eu sou completamente contra isso, eu faço carnaval pro povo. Meu trio só
sai meia noite, meu trio só toca rockn’roll, só toca Stones, Beatles e minhas
músicas, entendeu? Isso não é preconceito, isso é um direito meu e do público
que me acompanha e é fiel a mim. Eu acho que os governantes tem que criar novos
circuitos, tem que dar apoio pra essas pessoas. Esse ano com muito sacrifício a
gente conseguiu que o menino da banda Eva fosse pra Praça Castro Alves cantar
comigo e com Moraes, fizemos um encontro de trios para o povão, de graça. Acho
que isso tem que se expandir. Tem que abrir o coração, bicho. Tudo bem que nego
ganha milhões, ninguém é contra você ganhar os seus milhões, mas tem uma galera
ali que não tem grana, bicho, que quer lhe ver. Se tiver uma briga na rua e
nego ver que é você ele vai parar a briga por sua causa, porque você é um
formador de opinião, você é uma pessoa que tem uma situação privilegiada ali e
que pode até contribuir pra evolução da humanidade. Então nós temos que nos
preocupar sempre com essas pessoas.
Vendo 147 e Pepeu Gomes/ Foto: Rafael Flores |
PG: Não, não
existe não. Acho que a música é uma forma de liberdade que a gente tem no
planeta. A música, faz literatura. Eu faço workshops pelo Brasil, faço simpósios,
faço congressos, tudo falando de música brasileira. Eu estudo a música
brasileira desde que eu conheci João Gilberto, então eu acho que não existe
nada que venha bloquear nenhum tipo de criação. Eu acho sim que nós temos que
evoluir dentro da música, nós temos que melhorar os textos, nós temos que parar
de fazer música em dois tons, em dois acordes, nós temos que ser mais
solidários com as pessoas, entendeu? O carnaval é uma grande festa, mas tem que
se usar o Carnaval como trabalho social também. É o que eu faço no meu trio :
“Olha não mija na rua, que vai passar uma criança, que pode ser até o seu
filho, e vai escorregar no mijo”. Eu falo isso em cima do trio, entendeu? “Quer
transar vai pra praia, não vai transar no meio da rua!”. Você não vai tá dando
um exemplo legal, você vai tá sim, disseminando uma coisa que fora do Brasil
vão tá dizendo que a Bahia é uma grande putaria e não é. A Bahia é o melhor
lugar do mundo pra se viver, então eu digo isso.
OR:A revista Bravo anunciou seu novo disco, "Eu Não
Procuro Som", que traz uma das suas mais belas composições que é a musica
Saudação Nagô. Entretanto, o disco não está sendo encontrado em lugar algum, o
que houve com a distribuição?
PG: Inclusive
eu soube ontem que ele foi indicado pro Grammy. Mas é essa coisa de
distribuição da gravadora, entendeu? A minha obra passou a ser minha porque
venceu o prazo. Para nós, artistas independentes, é difícil organizar, por exemplo, uma obra
com 440 músicas gravadas, é complicado. Controlar a obra é uma coisa difícil
pra caramba. Então o que eu fiz, deixei de graça na internet pra todo mundo. Na
internet você tira meus discos todos de graça, porque Deus já me deu o que eu
precisava, então o que vem a mais eu quero repartir com as pessoas.
OR: E pra finalizar, Pepeu, hoje vai ter lua cheia, tudo pode acontecer?
PG: Pode,
sempre. [Risos.]
Bela entrevista, parabéns!
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