Por Mariana Kaoos e Rafael Flores
Foto:Rafael Flores |
Discutíamos as perguntas, enquanto o Salão Nobre do Gabinete
Civil da Prefeitura era arrumado para a coletiva de imprensa. Estávamos
ansiosos por nossa primeira entrevista durante a programação do Festival da
Juventude e já nervosos com a demora na chegada do entrevistado. Depois de ‘tremiliques’ nas pernas e troca de
olhares, vimos um senhor barbudo adentrar a sala. Com uma voz quase santa,
Leonardo Boff cumprimentou a todos no ambiente, comentou sobre o arranjo de flores
amarelas e se sentou ao lado do vice-prefeito. Sua sutileza acalmou nosso
ânimos.
Leonardo Boff é um dos principais teólogos brasileiros, com
prestígio e autoridade mundial , carregando no currículo passagens pelos porões
do Vaticano. Boff tem mais de 60 livros publicados nas áreas de Teologia,
Ecologia, Filosofia, Antropologia e Mística. A sustentabilidade e outras
questões ambientais têm sido o alvo principal dos estudos do ex-frei católico
nos últimos anos e foi sobre isso que conversamos nesta manhã.
O Rebucetê: Sobre a Conferencia do Rio + 20 (saiba mais aqui), qual a
importância de se estabelecer um espaço de discussões populares através da
Cúpula dos Povos?
Leonardo Boff: A Rio + 20 é muito importante, pois será o
primeiro grande balanço depois de vinte anos da
Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro em 1992. Esta é a oportunidade para
avaliar se cresceu a consciência mundial sobre os problemas ecológicos, se as
ciências evoluíram nas discussões a respeito do clima e da bio-diversidade, ou
se em termos de ações foram feitas poucas coisas. Sobre o aquecimento global,
particularmente, nada foi feito. Então, a Rio+20 é uma das últimas tentativas
de fazer algo global que efetivamente ataque os três temas que são colocados. O
primeiro é garantir a sustentabilidade, um tipo de desenvolvimento que se componha
com o meio ambiente. O segundo é a governança global, pois agora não existe um
centro de poder em função da humanidade. Existe o poder hegemônico vindo dos
Estados Unidos da América, que acaba impondo sua vontade ao resto do mundo, mas
agora, com o agravamento dos problemas, se exige um centro de poder multi polar
que coordene o nível da terra. E, o terceiro e último, é a proposição
extremamente ambígua que deve ser analisada com muito cuidado, a economia
verde. Através da economia verde
o capitalismo pode se sobressair colocando preço em todas as coisas da
natureza, especialmente naqueles bens de consumo que dizem respeito a toda a
humanidade, como água, solos, sementes e alimentação. A tese que eles sustentam
é que colocando um preço nesses “produtos”, o consumo diminuirá. Porém, os bens
de serviço que pertencem à vida não são mercadoria, são sagrados, então,
acredito que vai haver uma discussão em torno da economia verde abordando o que
é possível preservar na terra, como os microorganismos do solo, as florestas,
as águas purificadas e assim por diante.
OR: Nesse propósito a sociedade civil esta bem organizada?
Foto: Rafael Flores |
LB: Bom, eu penso que não vamos esperar nada da reunião
oficial. Isto porque os principais chefes de estado já comunicaram que não vêm.
Então se aqueles que devem tomar decisões não vêm, todos os demais países se
sentem desestimulados e o argumento básico é: “nós que estamos em crise
precisamos de dinheiro e não temos como dar dinheiro”. Agora aí é um problema
ético de fundo: o que conta mais é o sistema financeiro dos capitais ou a
perpetuação de vida no planeta? Eles optaram pelo sistema de fundo e não pela
vida e pelo planeta, o que é um grave erro e a humanidade vai pagar muito caro
por isso. Então desse lado oficial não virão soluções, talvez um ou outra
declaração no máximo. No entanto,
esperamos muito da Cúpula dos Povos, pois aí vem gente do mundo inteiro
que não vem trazer palestras e discursos e sim trocar experiências de como
plantar, como tratar as sementes, com criar casas mais sustentáveis, etc. Essas
mil experiências do mundo todo mostram que podemos organizar o consumo, o mundo
e a economia de outra forma. E aí eu acho que podem sair coisas muito
interessantes, que podem ser assumidas por vários países e grupos mundiais, as
quais podem ser implementadas por
prefeituras, estados, que tomam aquilo como orientação e já começam a aplicar e
ai sim podemos esperar que avancemos na consciência e nas práticas.
OR: O Congresso Brasileiro aprovou a proposta de um código
florestal que dá preferência ao agronegócio em detrimento de uma economia
agrícola sustentável. Na sua opinião, quais os desdobramentos dessa opção
aprovada na Câmara e no Senado??
LB: Eu espero sinceramente que a presidente Dilma vete tudo.
Eu e várias outras pessoas como Marina Silva, Gilberto Gil e outros artistas
encaminhamos via twitter a campanha Veta Dilma. Queremos com isso pressionar a
presidenta em relação ao código florestal. O código em si é hostil à vida,
hostil à humanidade, ele só visa interesse econômico. Para os grandes
proprietários e os que estão interessados na aprovação do código, as florestas
rendem muito mais derrubadas do que quando em pé. Então isso tudo na verdade é
uma avaliação, uma convalidação da agressividade do agronegócio. Em vez de recuperar
os 20 milhões de hectares de terras que foram devastadas, eles só querem
devastar mais ainda. Para eles, é muito mais barato, rentoso e mais fácil
derrubar as florestas não para plantar soja, como alegam, mas para a criação e
gado. Então eu acredito que o código é um dos retrocessos maiores da nossa
história, é a visão da estupidez. Então, o código tem uma visão econômica, não
tem visão ecológica. É algo que precisa ser denunciado e resistido, e caso ele
seja aprovado de alguma maneira, a luta tem que continuar porque precisamos
salvar as coisas que interessam não só ao Brasil, mas que dizem respeito a
sobrevivência da humanidade.
OR: Como o senhor avalia o acirramento das sucessivas
expulsões de comunidades tradicionais do seu local de vivência. Como exemplo o
que ocorreu com o povo do Xingu no Norte e na comunidade quilombola Rio dos
Macacos na Bahia?
LB: Olha, primeiro quero saudar a vitória dos Pataxós do sul
de Minas. O Supremo Tribunal deu o direito e devolveu as terras que são
legitimas deles. Então a luta dos indígena, que são os povos originários daqui
e que foram quase todos exterminados pela ganância dos colonizadores, eles têm
o direito nativo de lutar por suas terras e reconhecer a compreensão singular
que eles tem dela. Nós, brancos da cultura ocidental e dominante, entendemos a
terra como meio de produção pra plantar, colher, etc enquanto eles entendem a
terra como prolongamento do corpo. Por isso os índios precisam de grandes
espaços para fazer seus ritos, essa profunda comunhão com a natureza que nós
perdemos , então isso tem que ser preservado. Acho que temos de apoiar a luta
deles e se há um grupo hoje no mundo, tanto no Brasil e na América Latina, que
deve ser revisitado são eles, porque eles têm a chave da solução do problema
mundial, pois é uma nova relação com a natureza, não de exploração, mas a
natureza grande que nos dá tudo que precisamos e que devemos tratá-la não
com agressão e violência, mas com respeito e preservação. Então eles têm muitos
valores comunitários, ecológicos, que são fundamentais pra gente, então é
importante revisitá-los e manter que eles estejam fisicamente vivos, mantenham
sua cultura, suas línguas, seus ritos, isso é a grandeza de uma cultura e por
isso a legitimidade de suas lutas.
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