Por Mariana Kaoos
Foto: Purki |
Depois de cinco meses de seca, finalmente garoava e fazia frio em Vitória da Conquista. Eu, ansiosa, esperava no corredor dos camarins ao fundo do palco armado na Praça Barão do Rio Branco a hora em que seria chamada para entrevistar Nina Becker. Chamaram e fui. Entrei na sala e lá estava ela: linda e grávida, de vestido preto, óculos escuros, unhas cor café e meias soquete de bolinhas. Sorriu para mim e a primeira coisa que pensei foi: “ela tem uns dentes parecidos com os meus”, o que foi ótimo, pois me fez relaxar um pouco mais e, de forma descontraída, poder conversar com ela.
Poderia passar horas falando de Nina e da sua forma de gesticular ou do seu interesse por artistas como Jorge Mautner e Augusto de Campos. Poderia também fazer um breve resumo da sua multiplicidade no cinema, no estilismo e na música ou até me arriscar a enumerar as qualidades que ela tem como uma das principais expoentes da nova música brasileira, mas na verdade tudo isso, assim como ela, se resume em apenas uma palavra: MUITO. Convidada especial da banda instrumental Vendo 147, Nina Becker apresentou para o público de Conquista na noite da última sexta-feira um repertório que foi desde o seu trabalho na Orquestra Imperial com “Supermercado do Amor” até o hit “Avarandado”, imortalizado na voz de Gal Costa. Siga agora um tanto da entrevista que O Rebucetê fez com Nina Becker para você:
O Rebucete - Como um artista se desenvolve sendo estilista, diretora de arte e cantora?
Nina Becker - Eu sempre tive muitos interesses desde pequena, sempre fui curiosa. Acho que a coisa que mais gosto de fazer na vida é aprender, sobre qualquer coisa. Se sentar um motorista de caminhão do meu lado, eu vou começar a perguntar um monte de coisa de caminhão, então por ser muito curiosa acabei aprendendo inúmeras coisas ao mesmo tempo. A vida é aquela eterna busca pela felicidade e satisfação. Eu trabalhei durante quase 10 anos no cinema e comecei a cantar por acaso na Orquestra Imperial, que já tem dez anos na estrada. Chegou uma hora em que eu já não conseguia conciliar o trabalho no cinema e na Orquestra e tive que parar no cinema. Por conta disso, comecei a costurar porque não tinha como eu me manter só como música e ai eu precisava de uma grana para me sustentar, dai eu abri o ateliê e nos horários vagos eu ficava lá. O negocio foi crescendo e quando eu vi já estava vendendo em atacado e etc. Quando percebi eu entrei em colapso, lesão na coluna de tanto trabalhar, carregar peso. Parei com o ateliê durante um tempo e aconteceu da música naturalmente ir tomando grande parte do meu tempo. Todas as coisas na minha vida não foram coisas que eu decidi, foram coisas que aconteceram e foram mudando e é isso ai. Às vezes eu falo “ô vida, tá legal assim, não vamos mudar mais não”.
OR - Poliéster, algodão ou seda? E pro povão, chita ou luxo para todos?
NB - Luxo para todos, sempre.
OR - Parodiando a música de Caetano Veloso, Nina Becker sempre “quis muito, mesmo que parecesse ser modesta”?
NB - Acho que sim. Não sei se eu parecia ser modesta, mas esse é o tipo de pergunta que eu mesma não posso responder. [Risos.]
OR - Que leitura você faz do mundo artístico atual, de onde despontam nomes como o seu, Karina Buhr e China, por exemplo. O que essa geração tem a dizer ao Brasil?
NB - Olha, eu não sei o que a gente tem a dizer, na verdade é o Brasil que tem um monte de coisa pra dizer pra gente. Nós estamos num momento de muita mudança no mundo inteiro e existem esses festivais, vários acontecendo ao mesmo tempo e somos artistas que temos a possibilidade de viajar para várias cidades por causa dos festivais. Então é uma descoberta pra gente e pro Brasil, para todos, na verdade. Está todo mundo se descobrindo e descobrindo um jeito novo de fazer música. E aí vamos testando, vendo o que funciona. Tanto China quanto Karina e tantos outros artistas maravilhosos estão conectados, nessa busca, nessa estrada, se ajudando e crescendo.
OR - Dentro das composições já gravadas, você apresenta trabalhos que vão de Jorge Mautner, poeta que surge na geração de 50, até Rubinho Jacobina e a Força Bruta. Como você lida com tantas possibilidades de poesia dentro do seu trabalho? Seria possível, um dia, usar algo de poetas como Wally Salomão ou Torquato Neto?
NB - Eu adoro Wally e Torquato. A minha geração está muito ligada à geração deles e sempre fica uma admiração por artistas como os dois. A razão pela qual eu escolho determinadas músicas tem sempre a ver com um momento pessoal. Tanto o Mautner quanto o Rubinho tem essa coisa do humor, da ironia. O Jorge Mautner é um grande artista e que tem essa mistura de inteligência, com punk, com samba, com ironia. Ele se leva a sério, mas ao mesmo tempo não. Ele mistura erudição com “não tô nem ai”. O Rubinho da mesma forma. Ele é um cara inteligentíssimo e que tem o dom de escrever. As letras dele são maravilhosas. Então eu vou muito guiada por esse tipo de coisa, mas ao mesmo tempo também acho que não procuro fazer coisas tão arrojadas. Na verdade, às vezes acho que faço escolhas bem tradicionais.
OR - A maioria das suas músicas são autorais. Você está satisfeita com a arrecadação que o Ecad faz e manda para sua conta? E por outro lado, qual sua posição sobre as denúncias feitas contra os atuais dirigentes do órgão? A corrupção no Brasil deve ser punida?
NB - Olha, eu acho o seguinte: como compositora eu preciso muito do dinheiro autoral porque ele ajuda a pagar minhas contas, principalmente sendo compositora independente. É muito complicado lidar com o Ecad para nós, artistas, porque o processo é muito burocrático e nunca temos certeza se a coisa está sendo feita corretamente. É importante que tudo isso seja investigado, averiguado, e que denúncias sejam feitas para que todo procedimento de sistema seja mais fácil tanto para artistas quanto para compositores. Hoje em dia temos tecnologia suficiente para que tudo seja monitorado com mais eficácia. Eu acho que o direito autoral é uma coisa que foi conquistada e que não tem porque abrirmos mão. É obvio que todo artistas tem direito de liberar sua obra para quem quiser, bem como eu também não posso liberar a obra de outra pessoa em meu nome. Cada um tem que ter o direito de arbitrar sobre o que quer fazer com sua obra. Acredito que o Ecad abarca muitas questões em volta como o direito autoral, a eficiência da arrecadação e de como isso é liberado e feito. Existem muitas coisas que precisam ser revistas e eu acho que os artistas poderiam participar muito mais desse processo.
OR - Você é uma das convidadas especiais de um festival que celebra a juventude. A quais sinais essa juventude deve estar ligada para ser liberta, buscar a felicidade, a realização pessoal e o propósito de construir um país que seja a sua cara?
NB - Ai meu Deus, que pergunta difícil [Risos]. Não sei, eu acho que a música tem esse poder de agregar, de catalisar e juntar pessoas que talvez por alguma outra razão não estivessem juntas ali. Então, sempre que a gente puder usar isso em favor de uma coisa maior, comunitária, a música é um bom canal, de ideias boas, de sentimentos bons, de projetos bons, a função dos festivais nesse processo todo também é muito importante.
MUITO E MASSA, NINA É MUSA DA VEZ!ADORO DEMAIS!
ResponderExcluirAline Freitas