quinta-feira, 21 de junho de 2012

Rótulos são para geleias

Por Ana dos Anjos


Foto: Luiza Audaz
Um dia em 2010, no meio de uma festa bem “do babado” – cheia de gente e de meninos beijando meninos e meninas beijando meninas – já meio bêbada, comecei a trocar uma ideia com uma amiga minha que, na época, era amiga recente e eu não conhecia direito. Ela era super engajada, do movimento estudantil da universidade, e começou a pregar todo um discurso baseado em "adoro os homossexuais, só não curto o Gueto".

O que é gueto? Nesse caso, é aquele grupo de "viados", ou de "sapatões" que vivem andando juntos em todos os lugares, acabam indo sempre para o mesmo tipo de festa e, por consequência, convivendo mais com gente que tem a sexualidade igual à sua do que com heterossexuais.

Confesso que até falando isso me vem toda aquela carga de pré-conceito, que a gente encontra até no próprio meio gay, quando olhamos para aquele menino mais afeminado e chamamos de "bichinha pão com ovo" ou para aquela menina mais masculina e falamos "sapatão caminhoneira"… mas a verdade é que eu realmente deixei meus preconceitos de lado nessa troca de ideias e, querendo defender os meus amigos e a mim mesma na hora, já que minhas amigas que ficavam mais com meninos sempre diziam "esse monte de sapatão que você anda", "você tá falando que nem travesti..." sem maldade nenhuma, mas eu conseguia identificar certos erros nessas colocações que me incomodavam muito. E então comecei a bebadamente filosofar sobre o “Gueto”.

O Gueto, até onde eu sei, nesse caso, é o aglomerado de pessoas que curtem o mesmo sexo e se identificam por isso, né? Por uma visão geral do ser humano, a sexualidade é só um dos pilares que movem a gente, mas, de verdade, é um dos mais importantes. Parece até um motivo meio besta pra se agregar pessoas ou ser amigo de alguém, mas como sendo um pilar tão importante, as pessoas, principalmente adolescentes, que estão se descobrindo nesse ponto, nessa fase, se aglomeram em volta dele. Não, não os héteros. São as outras pessoas, aquelas que geralmente não têm coragem de contar para os amigos de infância de quem estão afim, que mentem nome e gênero da pessoa com quem estão se enrolando, que mentem em casa e não podem levar quem estão namorando para conhecer seus pais, que vão pra uma festa com esses amigos e ficam de canto, ficam com alguém do sexo oposto sem ter a mínima vontade, para ser mais bem visto pelos amigos ou até para provar algo para si mesmo (algo como uma identidade de pertencer àquele grupo que, por excelência, são seus melhores amigos de anos... Por que logo EU tenho que ser  “o diferente”?) ou, corajosamente, para ser quem é de verdade e ser tachado de "a bichinha" ou "a sapatão".

Rótulos são para geleias. Nós não precisamos disso. Mas o fazemos por ser uma maneira de facilitar o entendimento do outro. Acabamos engavetando tanto as pessoas que, às vezes, esquecemos o quão plural e linda é a diversidade, e que chatice seria se todo mundo fosse igual. Quando começa a bater o tesão, aquela vontade de ter alguém, alguém que você realmente queira do seu lado e se sinta bem, que tenha química, e que pareça só certo estar junto, a gente começa a se agrupar no Gueto. O Gueto é a nossa proteção, sabe? A gente pode falar de quem gosta, de quem ficou, pode sair junto para festas que não seremos olhados de lado ou vamos nos sentir por fora do que está rolando com todo mundo – uma diferença tão bizarra que a gente acaba se escondendo. A gente pode dançar, paquerar, falar o que quiser sem o julgamento de quem não está passando por isso. É como uma libertação, sabe?

O Gueto é uma aglomeração de pessoas em busca de um dos desejos mais primordiais que todo mundo tem: amar e ser amado. O Gueto nem sempre aglomera pessoas que gostem dos mesmos livros, músicas, criação ou infância em comum. Mas tem o poder de nos tornar mais fortes, pois numa sociedade primordialmente patriarcal, machista e homofóbica, temos que ter escudo suficiente pra sermos quem somos sem muitos machucados e dor no caminho maluco e delicioso que é a sexualidade e a sua vivência plena.

Amo meus amigos héteros. Não deixaria nunca de andar com eles porque ando no Gueto também. Muitos, inclusive, já andaram comigo lá e adoraram A liberdade, o descaramento e a cabeça aberta que o Gueto muitas vezes tem. Uma vez no gueto, a gente se olha num espelho e vê todo o mundo nele. A gente percebe que qualquer tipo de discriminação é, no mínimo, ridícula, porque estamos no limbo de qualquer tipo de opressão, e oprimir outra pessoa por qualquer tipo de coisa é proibido. No gueto, a gente percebe que as diferenças são lindas e que, no fundo no fundo, é tudo uma questão de amor. Esse, pra mim, é o argumento mais irrefutável no debate com alguém que não compreende uma sexualidade fora da heteronormatividade. AMOR. Foi tudo o que Jesus Cristo falou, e mesmo assim muita gente ainda não entendeu!

Foto: Luiza Audaz
Mais do que tudo, politicamente, o Gueto é uma forma de auto-organização da nossa luta para podermos garantir direitos iguais, que é o que conseguimos com o avanço sensacional que foi a aprovação, pelo STJ, da união estável homossexual e vários casos de adoções Brasil afora. Mas ainda é preciso muito mais. Na verdade, eu não gosto de ser do Gueto. Eu quero, como ser humano, ser do mundo! Mas, para isso preciso amar o Gueto. Preciso que ele seja igual, perante a lei, ao Gueto heterossexual, ao Gueto evangélico, a tantos outros milhares de guetos por aí, que viram um só. Preciso que meu Gueto seja parte desse um só.

Enquanto isso, assim como na música O Mistério do Planeta, dos Novos Baianos, "vou mostrando como sou, e vou sendo como posso… andando por todos os cantos, e pela lei natural dos encontros eu deixo e recebo um tanto, e passo aos olhos nus, passado, presente, participo sendo o mistério do planeta…"

1 comentários:

  1. Gostei mto do texto, é um tema realmente complexo, envolve tbm a discussão entre sexo e gênero... Ao meu ver as coisas não são tão complicadas, a gnt é que complica. Somos apenas pessoas, os nossos dedos são uns diferentes dos outros pq então td mundo tem que ser igual? ter os msmos gostos? Se homossexualidade, bi ou hetero é uma questão de gosto, imposição cultural, genética ou opção... entraremos em outra questão. Acho que quanto mais vc se fecha ao seu mundo, cria o seu próprio mundo, mais fora do mundo geral vc fica! ;***

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