Por Mariana Kaoos
Foto: Luiza Audaz |
Auditório cheio, luzes acesas. O primeiro sinal apita. O
“pãaa” se faz ouvido por todos, causando certo ar de ansiedade no ambiente. As
cortinas vermelhas ainda estão fechadas, mas algumas luzes começam a apagar.
Olhando para o lado é possível avistar crianças de todos os tipos, com pipocas
e chicletes nas mãos. A maioria com casacos, pois no teatro sempre faz um pouco
de frio. “Pãa pãa”. O segundo sinal ecoa pelo espaço, as luzes apagam um
pouco mais, só que ainda se consegue observar olhos alheios cheios de brilho.
A gritaria aos poucos vai diminuindo. Como um chiclete nunca basta,
colocam-se logo três de uma só vez na boca, de preferência daqueles que deixam
a língua azul e dormente, impossibilitando de falarmos direito. E, como um
estampido, o “pãa pãa pãa” finalmente apareceu. Todas as luzes se apagam, o
silêncio é absoluto, as cortinas vermelhas aos poucos vão se abrindo. Nervosa,
suando, com os olhos esbugalhados pego na mão de meu pai e aperto bem forte,
feliz e impaciente para ver o que vai acontecer diante dos meus olhos.
Essa é a primeira memória que vem à cabeça quando penso na
minha relação com o teatro. A peça era dos “Três Porquinhos” e provavelmente eu
tinha entre cinco ou seis anos de idade. Na época, Ilhéus ainda fervia
culturalmente e todos os fins de semana eu ia com meu pai assistir a algum
espetáculo. Migrando para Vitória da Conquista, percebi que a cidade não
oferece muitas opções para o público infantil. Somente agora, aos 22 anos de
idade, é que pude assistir pela primeira vez um musical destinado às crianças. A
Bela e a Fera teve sua estreia na cidade no dia 31 de junho e conseguiu abarcar
além de crianças de todas as idades um grande numero de pais, mães, jovens e
até idosos.
Com Billy Bond na direção, a peça conta com diversos cenários
muito bem montados e efeitos visuais que realmente impressionam. O elenco,
vindo de São Paulo, parece estar muito conectado, interagindo dentro da peça o
tempo inteiro. Alguns passos de ballet e jazz são arriscados, mas sem muita
autoridade. Enquanto a maioria dos protagonistas pareciam não ter muita
segurança em seus papéis, o corpo de baile, por sua vez, cumpre de forma
precisa seu objetivo.
O personagem de Bela (interpretado por Andressa Andreatto)
aparece loira, numa atuação que deixa a desejar. É de se levar em consideração
a acústica ruim do Centro de Convenções Divaldo Franco, porém as músicas
cantadas por Bela vieram num tom muito agudo, chegando a desafinar em
determinados momentos. Em contrapartida, o ator Thiago Lemmos, que interpreta o
egocêntrico e narcisista Gaston e o personagem Ulisses, vivido por Carlos
Eduardo Rocha, são o ponto alto do espetáculo. Gaston, tanto no musical quanto
no filme do Walt Disney, assume o lugar do mau, do inculto, que não tem o
hábito da leitura e se vangloria o tempo inteiro pela sua beleza e força. Ele
vem como o antagônico, o que não deve ser tomado como exemplo, no entanto,
Gaston e Ulisses nesse musical aparecem como em simbiose, levando o público a
dar boas gargalhadas e acabar se divertindo com as trapalhadas dos dois.
O espetáculo não sai do lugar comum, a mensagem que ele
deixa é a do amor, do conceito de beleza como algo interior e que ultrapassa
qualquer forma física externa. O hábito da leitura é muito falado também e o
sentimento de fé e esperança é pautado durante quase toda a apresentação. No
entanto, não é A Bela e a Fera e nem nada dentro da peça que compõe a
grandiosidade do evento, mas sim a tentativa de incitar o hábito pela arte do
teatro e a recuperação dessas fábulas e narrativas que vêm se perdendo.
Os óculos 3D, bem como os efeitos de iluminação e
sonorização contribuíram para que as crianças presentes vibrassem com o
musical, mas foi a história em si, mesmo se diferenciando em vários pontos com
a original, que causou o efeito de beleza em todos os presentes. Em Vitória da
Conquista pouquíssimas peças são destinados ao público infantil, o que acaba
não formando uma massa crítica de plateia. Por mais que existam iniciativas,
como a da Cia Mary Marrie de Teatro, em oferecer aulas de teatro para crianças
carentes, ainda não é o suficiente para suprir a necessidade que a cidade tem
em relação a espetáculos.
Foto: Divulgação |
A Bela e a Fera foi uma apresentação engraçada, surpreedente
em efeitos visuais, mas que poderia ser muito mais para a cidade. Partindo da
perspectiva da satisfação do rosto das crianças quando a peça acabou, o musical
pode ser o primeiro dos que estão a vir por ai. Formação de um olhar crítico,
de cultura e compreensão cognitiva vem muito pelo que o teatro causa
individualmente. A peça teve seus defeitos, sua história deixa muito a desejar
se comparada a original, mas a iniciativa é louvável. Assistir A Bela e a Fera
foi mais que analisar criticamente o processo, é saber relaxar, colocar o
óculos 3D e se permitir a observar através dele com olhos esbugalhados de
criança.
Adorei a sua análise, sua crítica e a recordação sempre presente da sua infância em Ilhéus. beijos, Vó Dircéa
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