sexta-feira, 15 de junho de 2012

Diário de bordo paulistano: Comendo o ato

Mariana Kaoos

  
Foto: Divulgação
Uma das coisas que mais me chamou a atenção em São Paulo é que quando você vai ao cinema, ao museu ou ao teatro, você tem lugar marcado para sentar e isso é respeitado por todas as pessoas. Pois bem, no dia 13 de junho o Teatro Sergio Cardoso, localizado no bairro italiano Bixiga, deu início ao Cena Brasil Internacional, festival de teatro que, após uma temporada no Rio de Janeiro, trouxe a sua programação para a capital paulista e para Lorena, cidade do interior do estado.

Chego na portaria esperando a rebuceteira Maria Eduarda e logo me deparo com Ana Clara Rizério, que trabalha na produção do festival. Linda, com sapatilha de oncinha, cabelos vermelhos desbotados e um crachá no pescoço com sua foto, Clarinha sorri e vem me abraçar. Entre tragos de cigarro marlboro light, deixa-se confessar o quanto está feliz e realizada com essa correria do festival. "No Rio nós realizamos o Cena Brasil em quatro espaços na cidade. Foi muito trabalho, mas o público nos recepcionou de uma ótima maneira. O grande lance desse festival é que trabalhamos com quinze companhias teatrais do mundo todo e todas elas oferecem workshops umas às outras. Então para mim que estou na produção, é um aprendizado muito grande participar dos processos de composição do espetáculo e dos próprios atores".


Foto: Divulgação
O Cena Brasil Internacional tem como patrocinador o Ministério da Cultura e o Banco do Brasil, que nos últimos anos vem oferecendo um apoio financeiro a diversas manifestações culturais. De acordo com Wagner Vasconcelos, representante do Banco do Brasil, existe uma série de critérios para o apoio a essas iniciativas: “Sempre temos elementos nos quais nos apoiamos como qualidade, fomento, formação de uma nova platéia para o teatro. No caso desse festival é uma troca de linguagens entre os grupos , ou seja, algo que ultrapassa o palco. Queremos agregar isso a experiência coletiva em diversos níveis”, diz Wagner.

Muito simpático, de brinco de ouro na orelha, o coordenador de produção, Carlos Chapéu, afirmou que o objetivo do Cena Brasil Internacional é fomentar a arte a um preço acessível e com qualidade. “A curadoria do festival procurou expandir a diversidade de espetáculos mostrados aqui. Outro ponto que priorizamos foi a viabilização dos ingressos para o público, até porque é inadmissível um projeto que tenha apoio do governo colocar uma entrada com  alto custo”.

O ato em si

Passada a euforia, subimos em direção ao teatro. Com meu ingresso marcando a poltrona D14, dei sorte, pois a única cadeira que não estava ocupada era justamente a da minha frente, possibilitando assim, uma visão melhor do espetáculo. As luzes se apagaram, um dos coordenadores culturais do Banco do Brasil deu as boas vindas e logo após o silêncio se fez absoluto.

Luzes se acedem mostrando uma sala de estar. Sofá, mesa azul com cadeiras, abajour, telefone, um vinho e cigarros. Um homem nú, em pé, alisa a cabeça de um outro homem nu de quatro, com uma bola na boca. O público deduz que ele representa um cachorro. Balança a perna como se estivesse abanando o rabo. "Vamos embora, não há mais nada para a gente aqui", diz o homem em pé. O outro homem nu que representava o cão levanta-se, coloca um chapéu de caubói e começa a cantar um clássico americano, dando a entender que a cena mudou. Agora ele é homem, agora ele é o pai.

As cenas iniciais da peça "Isso te Interessa", da Companhia Brasileira de Teatro, parecem meio confusas. O roteiro propõe uma interação entre ato, história e narrativa, o espetáculo parece turvo à primeira vista, mas passado o estranhamento, o expectador logo se envereda pela forma como a trama se passa. A história contada não é nada muito impressionante, aborda o universo familiar e seus dramas cotidianos entres três gerações sucessivas. O que realmente surpreende é o formato dos atores em cena. Todos permanecem pelados até o fim da peça assim como também passam pelo cachorro da família e falam as falas dos outros personagens, assumindo uma posição de narradores.
Foto: Divulgação

O ator Ranieri Gonzales, que dá um show de interpretação e cantoria, explica que isso foi uma imposição da autora, Noelle Renaude. "O espetáculo é bem técnico e todos temos que realizar quatro coisas no palco que é fazer a narrativa, contar a historia, viver os personagens e não colocá-los de maneira forte, apenas anuncia-los. A única coisa que a autora pediu foi isso, que fizessemos ao mesmo tempo cachorros, pais, mães e filhos”. Quando indagado sobre o nu, ele acrescenta, “nós, junto com o diretor Marcio Abreu, fizemos quatro figurinos para o espetáculo, mas percebemos que eles não levariam o texto e a família ao lugar que queríamos chegar. O nu não é algo novo no teatro, mas conseguimos alcançar as nossas expectativas através dele. Geralmente as pessoas que nos assistem se habituam ao não figurino, chegando até a nos ver de roupas”.

A Companhia Brasileira de Teatro nasceu em Curitiba, em 1999, através do diretor Márcio Abreu, que tem como base a pesquisa teatral, criação de espetáculos e formação de público. A peça "Isso te Interessa?" conta com os atores Giovana Soar, Nadja Naira, Ranieri Gonzalez e Rodrigo Ferrarini e tem uma duração de 45 minutos, embora pareça como dez tamanha genialidade do que é mostrado. 

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