segunda-feira, 11 de junho de 2012

Diário de Bordo: O pote de ouro atrás do arco-íris

Por Mariana Kaoos e Maria Eduarda Carvalho (que não se encontraram na Parada Gay)


Foto: Mariana Kaoos
11:00 horas. Minha parada começou bem antes: pós-tv, discussão de pauta, o caminho pelas ruas até o metrô e dele até o MASP foi um nada se comparado a essa trajetória. Poucas pessoas em vista da multidão que ainda iria chegar.

13:00 horas presumíveis. Credenciais e todo o aparato tecnológico na mão. A baiana aqui nunca tinha subido em trio elétrico. E que sensação louca foi a de subir e ver aquele mar de pessoas literalmente coloridas, estando ou não cobertas pela bandeira com os tons do arco-íris. Um tanto de  gente tão intenso que não foi loucura pensar em me jogar, mas uma jornalista tem uma pauta a cobrir.


A Avenida Paulista é uma das mais importantes da cidade de São Paulo, com seus enormes arranha-céus. Símbolo do poder econômico aglomerando seus enormes bancos, prédios comerciais e multi empresas, a avenida agregou no dia dez de junho militantes, festeiros e curiosos. O estandarte do dia era a bandeira gay. Dentre os discursos proferidos, podia-se ouvir muitas palavras de ordem a favor da aprovação da PLC 122, a lei federal que pretende classificar a homofobia como crime.

Em torno de catorze trios desfilaram por todo o trajeto, animando as três ou dois milhões de pessoas - como saber? - que acompanharam a parada. O trajeto seguiu da frente do Museu de Arte de São Paulo (Masp) na Avenida Paulista até a Praça Roosevelt, descendo a Rua da Consolação. Se São Paulo saísse às ruas no carnaval o resultado não seria muito diferente: pessoas extravasando seu (pouco) ritmo e sua sufocada sexualidade, embalados por uma trilha sonora 99% internacional. Sucessos do pop como Lady Gaga, Katy Perry, não me lembro de ter ouvido Madonna, mas ela deve ter estado presente, com certeza. Ah, é claro, Gloria Gaynor.

14:30 horas e a estação de metrô Consolação já estava lotada. Uma mulher negra com metade da cabeça raspada e a outra metade black power passa rápido por mim e ao mesmo tempo escuto um conjunto de vozes gritando: "Sapatão, sapatão sapatão!". Conglomerados de japoneses, emos, hipsters e indies sobem às pressas as escadarias que dão diretamente na avenida onde aconteceu a 16ª Parada do Orgulho LGBTT, com o tema “Homofobia tem cura: educação e criminalização!”.

Foto: Mariana Kaoos
O clima instaurado ultrapassava a mil os 24 graus que o termômetro marcara em meio a multidão fantasiada, pulando e secando garrafas e mais garrafas de vinho suave. A música "I Gotta Feeling" ecoou no espaço aberto e como num culto de louvor, todas as pessoas que minha visão alcançou levantaram os braços e começaram a cantar. Meu pai, para a minha surpresa, fez a mesma coisa, acompanhando em meio a multidão o refrão daquilo que mais parecia um hino. Era a sua primeira vez numa parada gay, vestia uma blusa amarela e um sorriso no rosto e inebriado pelas outras cores que cercavam o local, se deixou confessar como a diversidade do brasileiro era bonita.

A poucos metros de mim, uma senadora empolgada com seu casaco prata. Marta Suplicy se jogou, dançou, foi aclamada, aplaudida, tirou a tarde para se fazer de realeza. Com todo o respeito, vossa majestade. No chão um pouco menos glamuroso, mas tão requisitado quanto, o senador e ex-marido de Marta, Eduardo Suplicy, se restava às entrevistas e cumprimentos até que numa virada de olhos, sumiu. Assim como os políticos, muitos outros ilustres ou não passaram pelo trajeto como a... a... a... a Adriana Bombom, que provocou com a fúria dos seus cinco seguranças um quase pisoteamento ao final do evento. Mas afinal, quem são os Suplicy para andar cercados diante da importantíssima Bombom?

Avançando um pouco no tempo e perdendo a noção da hora, um grupo de punks e skinheads me chamou atenção. Devidamente caracterizados de preto, o grupo fez questão de manifestar seu apoio contra homofobia. Quando questionados sobre a ação, a resposta foi sensível: “eles são gente como a gente, não vejo diferença”.

16:00 horas. Nadando contra a corrente, uma pastora se colocava em frente a um dos trios elétricos com uma faixa não mão. Os dizeres se assemelhavam aos de sempre: "Jesus tem a cura, a salvação". Mas os perdidos daquela tarde estavam muito bem em sua condição. Não resisti - e nem poderia - à sua proposta perturbadora e me aproximei para conversar. Foi mais ou menos na hora em que ela falou que iriam todos para o inferno, que um empurrão veio dos cordeiros e virei também uma perdida. Perdida dos conhecidos, a solução era trançar sozinha a multidão que me cercava.

Foto: Mariana Kaoos
Um pouco mais afastado do mar de gente e cercado por aquela fita amarela e preta, um pastor de um programa televisivo blindava-se de seguranças para passar a mensagem do Senhor. Subjugando a causa e colocando a homossexualidade numa posição de doença, o pastor estava ali para oferecer a cura. Mas cura de que, afinal? Minha resposta veio imediata quando, no último trio, a desfilar, varias mães discursavam a favor dos seus filhos. Amor, constituição de família, dignidade, respeito, segurança e aceitação. Essas foram as palavras chaves do apelo daquelas mulheres, muitas heterossexuais, que estavam ali apoiando a causa e pedindo por algo tão nobre. Com o “sagrado” de um lado e  o “profano” do outro, olhei para o pastor e com olhar de piedade, me lembrei de uma frase de Jesus Cristo e mentalizei, olhando para ele e bem devagar, “perdoa Pai, eles não sabem o que fazem”. Mas nem tudo estava perdido (além de mim), logo mais a frente entre tropeços e esbarrões encontrei aquele que trouxe a verdadeira salvação. Nas mãos um cartaz com sábios dizeres: “Se cuida, se não, é igrejinha”. Amém.

Foto: Mariana Kaoos
Ainda não havia escurecido quando o público se dispersou seguindo a orientação dos trios. Uma tarde tranquila, poucos bêbados caídos, muita gente cansada, mas os sorrisos eram visíveis. Na estação da Luz, estranhando o vazio das plataformas indaguei em voz alta “Cadê todo mundo?”. A moça que olhou para trás respondeu: “Tá na Paulista”. Não mais, a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu. Na Bahia quando essas manifestações acontecem, elas não tem hora para acabar. Geralmente a comemoração continua em algum bar varando a madrugada, as ruas ficam fedidas de xixi e cheias de  latinhas, comidas, cigarros e papeis em geral. Por volta das 17 horas, em frente ao MASP, uma patrulha de policiais militares junto com profissionais da limpeza já estavam reunidos, trabalhando juntos pela higiene da avenida. Outro ponto forte da Parada foi o grande número de banheiros químicos distribuídos estrategicamente pelas esquinas. As autoridades públicas estão no mínimo de parabéns pelo trabalho de conscientização  e por esse cuidado de preservação com o meio, mesmo que esse meio seja uma selva de concreto. Horas mais tarde, ainda transitando pela Paulista, observando os carros circularem e os mais diferentes tipos de pessoas transitando, nem parecia que uma manifestação popular tinha acabado de ocorrer por ali.

Segundo as lendas populares que nos contavam as avós e de acordo com a música de Chico, “o menino que passar debaixo do arco íris vira moça e a moça vira menino". Apesar dos estereótipos das fábulas, consagrei minha noite ao passar pelo prédio da Gazeta, onde um saxofonista de terno e gravata, com um chapéu no chão, soprava aos transeuntes “Over the rainbow”, talvez, sobretudo, para nos lembrar que por trás do arco íris se esconda um pote de ouro chamado felicidade.

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