domingo, 17 de junho de 2012

A Moda Brasileira Quer Falar Com a Presidenta e Eu Continuo Sem Saber O que É Moda

Por Lucas Oliveira Dantas

O maior indicativo cultural brasileiro é a televisão, especialmente sua novela: apareceu na novela, está na boca do povo. Por exemplo, os maiores hits internacionais que figuram nas programações radiofônicas são trilhas-sonoras de alguma novela do momento – vide Adele que, em menos de um ano, teve três músicas de seu álbum mais recente, "21", presentes em três telenovelas diferentes, tornando canções como “Rolling In The Deep” (Morde & Assopra, 2011) e “Someone Like You” (Fina Estampa, 2011) onipresentes em todos os playlists de busão Brasil afora.

Da mesma forma, a indústria de moda brasileira se populariza midiaticamente, quando o glamour, os bastidores de seu cotidiano, grandes nomes do design e, naturalmente, seus maiores faróis – as supermodelos –, são retratados nas novelas, seja de maneira direta (a caricata “Ti-Ti-Ti” ou Helena e Luciana de “Viver a Vida”) ou indireta (cada vez mais roupas saem frescas da passarela para as araras de figurino das telenovelas da Rede Globo).


Protesto de Grife

Foto: ©Ag. Fotosite

De 11 a 16 de junho aconteceu o São Paulo Fashion Week (SPFW), parte final da temporada de moda brasileira do Verão 2012/2013, e dentre referências e direcionamentos de estilo, estrelas do design de moda do país e glamorosas celebridades, foi realizado ontem (16), após o desfile da grife Cavalera, um manifesto dos principais nomes da indústria de moda do Brasil.

Sem um texto formal ou carta de reivindicações, os manifestantes – dos quais estavam presentes profissionais como Alexandre Herchcovitch, Marcelo Sommer, Reinaldo Lourenço, Lino Villaventura – contaram apenas com suas caras, vozes e uma lindíssima camiseta [!!!] que, diante do batalhão de fotógrafos, dizia: “Presidenta Dilma, precisamos falar com você! A moda agradece”.

Segundo o portal FFW, que reproduziu algumas falas dos manifestantes, a proposta surgiu a partir de conversas e discussões internas, culminando na realização da necessidade de levar à presidenta Dilma Rousseff um movimento único. Dentre as pautas do manifesto, a ser escrito no próximo dia 26 em reunião entre Paulo Borges (CEO da Luminosidade, empresa organizadora do SPFW) e estilistas, estão políticas de incentivo fiscal, assim como qualificação de mão de obra e investimento em matéria-prima (indústria têxtil).

“Todo mundo entende de moda menos eu”

Sobre as intenções do movimento, ainda para o portal FFW, Paulo Borges declarou:
"Primeiro ouvir de todos as necessidades de inovação e transformação no mercado. Qualificação de mão de obra, investimento para que a gente possa ter matérias-primas mais competitivas, analisar as políticas de entrada de matérias-primas criativas para a moda, são várias coisas. Tem também todas as questões de tributos, de logística da moda no Brasil e de como você pode criar um plano de investimento para as empresas que produzem moda criativa. Como é que elas podem ser vistas no governo para que possam ter uma facilitação de investimentos, até para poder competir com o mercado global, que cada vez mais está dentro do Brasil."

Enquanto as reinvindicações dos manifestantes da SPFW são de primeira necessidade dos pontos de vista industrial e mercadológico, a primeira coisa que lembro ao analisar o manifesto desajeitado dos “figurões” da moda brasileira é o vídeo “Todo mundo entende de moda, menos eu!!!”, postado no site do apresentador de televisão, consultor de moda e stylist Arlindo Grund .


Na gravação de pouco mais de um minuto, a membro da segurança do SPFW, Eliana Santana, dá seu depoimento/desabafo sobre o que pensa da moda. Humilde e, muito provavelmente, sem se dar conta, ela faz uma crítica ferrenha e direta ao mundo e indústria da moda. Para Eliana, o que ela via ser dito como moda era uma coleção de coisas que, na sua realidade eram consideradas ridículas, mas, ali, são moda.

Em sua fala está explícita a falta de referências que a moda, assim como toda forma de expressão humana, necessita para o entendimento de sua existência, deixando claro que, para o brasileiro a moda não passa de: 1- aquilo que se vê na TV (e, consequentemente, se copia/imita sem senso crítico); 2- fonte de trabalho.

Ao ser contrastado com o depoimento de Eliana, o grande problema da manifestação realizada após o desfile da Cavalera, é que nada ela fez para aproximar a moda da sociedade em geral e superando, então, a ideia errônea e ingênua de que se está na novela o povo entende.

Muito pelo contrário, ao realizar um movimento dentro de sua zona de conforto, utilizando do aparato midiático disponível a seu favor, a moda brasileira simplesmente se mantém no alto de sua torre de marfim,  sites/blogs especializados e cadernos de fins-de-semana de periódicos, dos quais seus grandes nomes têm e devem exercer todo o direito de querer melhorias para suas atividades econômicas. Mas, é só.

“A moda” brasileira poderia ter feito uma pesquisa em como realizar mobilizações e manifestos públicos, com movimentos como o movimento estudantil, “A Marcha da Maconha” e a “Marcha das Vadias”. Apesar de conter – nas falas de seus membros, pois o texto em si não existe ainda – pontos importantes para o desenvolvimento do setor no país, da forma como ocorreu no dia 16 de junho, o movimento da moda brasileira pode ser comparado ao Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, o Cansei, realizado em 2007, no qual um pequeno grupo da sociedade faz reinvindicações que, dentro da grande e diversa figura social do país, soam como birra de quem já tem tudo nas mãos. Com certeza, suas posições sociais elevadas e grandes conexões com o alto escalão da cultura do país farão com que suas pautas cheguem à presidência, mas e a sociedade em geral?

De forma alguma estou aqui contestando a legitimidade do movimento. Como um dos setores que mais empregam e geram lucratividade ao país, a indústria da moda deve sim ter a atenção dos setores do governo, especialmente da presidência. Porém, em termos de manifestação sociocultural, moda, você está fazendo isso errado, porque eu, Eliana e quase toda a população brasileira não entendemos nada de moda.

Nota: O autor deste texto adora a moda e seu universo, mas não deixa de pensá-lo criticamente.

0 comentários:

Postar um comentário