Por Ana dos Anjos
Foto: Luiza Audaz |
Um dia em 2010, no meio de uma festa bem “do babado” – cheia de gente e
de meninos beijando meninos e meninas beijando meninas – já meio bêbada,
comecei a trocar uma ideia com uma amiga minha que, na época, era amiga recente
e eu não conhecia direito. Ela era super engajada, do movimento estudantil da
universidade, e começou a pregar todo um discurso baseado em "adoro os
homossexuais, só não curto o Gueto".
O que é gueto? Nesse caso, é aquele grupo de "viados", ou de
"sapatões" que vivem andando juntos em todos os lugares, acabam indo
sempre para o mesmo tipo de festa e, por consequência, convivendo mais com
gente que tem a sexualidade igual à sua do que com heterossexuais.
Confesso que até falando isso me vem toda aquela carga de pré-conceito,
que a gente encontra até no próprio meio gay, quando olhamos para aquele menino
mais afeminado e chamamos de "bichinha pão com ovo" ou para aquela
menina mais masculina e falamos "sapatão caminhoneira"… mas a verdade
é que eu realmente deixei meus preconceitos de lado nessa troca de ideias e,
querendo defender os meus amigos e a mim mesma na hora, já que minhas amigas
que ficavam mais com meninos sempre diziam "esse monte de sapatão que você
anda", "você tá falando que nem travesti..." sem maldade
nenhuma, mas eu conseguia identificar certos erros nessas colocações que me
incomodavam muito. E então comecei a bebadamente filosofar sobre o “Gueto”.
O Gueto, até onde eu sei, nesse caso, é o aglomerado de pessoas que
curtem o mesmo sexo e se identificam por isso, né? Por uma visão geral do ser
humano, a sexualidade é só um dos pilares que movem a gente, mas, de verdade, é
um dos mais importantes. Parece até um motivo meio besta pra se agregar pessoas
ou ser amigo de alguém, mas como sendo um pilar tão importante, as pessoas,
principalmente adolescentes, que estão se descobrindo nesse ponto, nessa fase,
se aglomeram em volta dele. Não, não os héteros. São as outras pessoas, aquelas
que geralmente não têm coragem de contar para os amigos de infância de quem
estão afim, que mentem nome e gênero da pessoa com quem estão se enrolando, que
mentem em casa e não podem levar quem estão namorando para conhecer seus pais,
que vão pra uma festa com esses amigos e ficam de canto, ficam com alguém do
sexo oposto sem ter a mínima vontade, para ser mais bem visto pelos amigos ou
até para provar algo para si mesmo (algo como uma identidade de pertencer
àquele grupo que, por excelência, são seus melhores amigos de anos... Por que
logo EU tenho que ser “o diferente”?) ou, corajosamente, para ser quem é
de verdade e ser tachado de "a bichinha" ou "a sapatão".
Rótulos são para geleias. Nós não precisamos disso. Mas o fazemos por
ser uma maneira de facilitar o entendimento do outro. Acabamos engavetando
tanto as pessoas que, às vezes, esquecemos o quão plural e linda é a
diversidade, e que chatice seria se todo mundo fosse igual. Quando começa a
bater o tesão, aquela vontade de ter alguém, alguém que você realmente queira
do seu lado e se sinta bem, que tenha química, e que pareça só certo estar
junto, a gente começa a se agrupar no Gueto. O Gueto é a nossa proteção, sabe?
A gente pode falar de quem gosta, de quem ficou, pode sair junto para festas
que não seremos olhados de lado ou vamos nos sentir por fora do que está
rolando com todo mundo – uma diferença tão bizarra que a gente acaba se
escondendo. A gente pode dançar, paquerar, falar o que quiser sem o julgamento
de quem não está passando por isso. É como uma libertação, sabe?
O Gueto é uma aglomeração de pessoas em busca de um dos desejos mais
primordiais que todo mundo tem: amar e ser amado. O Gueto nem sempre aglomera
pessoas que gostem dos mesmos livros, músicas, criação ou infância em comum.
Mas tem o poder de nos tornar mais fortes, pois numa sociedade primordialmente
patriarcal, machista e homofóbica, temos que ter escudo suficiente pra sermos
quem somos sem muitos machucados e dor no caminho maluco e delicioso que é a
sexualidade e a sua vivência plena.
Amo meus amigos héteros. Não deixaria nunca de andar com eles porque
ando no Gueto também. Muitos, inclusive, já andaram comigo lá e adoraram A
liberdade, o descaramento e a cabeça aberta que o Gueto muitas vezes tem. Uma
vez no gueto, a gente se olha num espelho e vê todo o mundo nele. A gente
percebe que qualquer tipo de discriminação é, no mínimo, ridícula, porque
estamos no limbo de qualquer tipo de opressão, e oprimir outra pessoa por
qualquer tipo de coisa é proibido. No gueto, a gente percebe que as diferenças
são lindas e que, no fundo no fundo, é tudo uma questão de amor. Esse, pra mim,
é o argumento mais irrefutável no debate com alguém que não compreende uma
sexualidade fora da heteronormatividade. AMOR. Foi tudo o que Jesus Cristo
falou, e mesmo assim muita gente ainda não entendeu!
Foto: Luiza Audaz |
Mais do que tudo, politicamente, o Gueto é uma forma de auto-organização
da nossa luta para podermos garantir direitos iguais, que é o que conseguimos
com o avanço sensacional que foi a aprovação, pelo STJ, da união estável
homossexual e vários casos de adoções Brasil afora. Mas ainda é preciso muito
mais. Na verdade, eu não gosto de ser do Gueto. Eu quero, como ser humano, ser
do mundo! Mas, para isso preciso amar o Gueto. Preciso que ele seja igual,
perante a lei, ao Gueto heterossexual, ao Gueto evangélico, a tantos outros
milhares de guetos por aí, que viram um só. Preciso que meu Gueto seja parte
desse um só.
Enquanto isso, assim como na música O Mistério do Planeta, dos Novos
Baianos, "vou mostrando como sou, e vou sendo como posso… andando por
todos os cantos, e pela lei natural dos encontros eu deixo e recebo um tanto, e
passo aos olhos nus, passado, presente, participo sendo o mistério do
planeta…"
Gostei mto do texto, é um tema realmente complexo, envolve tbm a discussão entre sexo e gênero... Ao meu ver as coisas não são tão complicadas, a gnt é que complica. Somos apenas pessoas, os nossos dedos são uns diferentes dos outros pq então td mundo tem que ser igual? ter os msmos gostos? Se homossexualidade, bi ou hetero é uma questão de gosto, imposição cultural, genética ou opção... entraremos em outra questão. Acho que quanto mais vc se fecha ao seu mundo, cria o seu próprio mundo, mais fora do mundo geral vc fica! ;***
ResponderExcluir