domingo, 3 de junho de 2012

Estamos vendo alguma coisa acontecer

Por Mariana Kaoos


Foto: Luiza Audaz

Auditório cheio, luzes acesas. O primeiro sinal apita. O “pãaa” se faz ouvido por todos, causando certo ar de ansiedade no ambiente. As cortinas vermelhas ainda estão fechadas, mas algumas luzes começam a apagar. Olhando para o lado é possível avistar crianças de todos os tipos, com pipocas e chicletes nas mãos. A maioria com casacos, pois no teatro sempre faz um pouco de frio. “Pãa pãa”.  O segundo sinal ecoa pelo espaço, as luzes apagam um pouco mais, só que ainda se consegue observar olhos alheios cheios de brilho.  A gritaria aos poucos vai diminuindo. Como um chiclete nunca basta, colocam-se logo três de uma só vez na boca, de preferência daqueles que deixam a língua azul e dormente, impossibilitando de falarmos direito. E, como um estampido, o “pãa pãa pãa” finalmente apareceu. Todas as luzes se apagam, o silêncio é absoluto, as cortinas vermelhas aos poucos vão se abrindo. Nervosa, suando, com os olhos esbugalhados pego na mão de meu pai e aperto bem forte, feliz e impaciente para ver o que vai acontecer diante dos meus olhos.

Essa é a primeira memória que vem à cabeça quando penso na minha relação com o teatro. A peça era dos “Três Porquinhos” e provavelmente eu tinha entre cinco ou seis anos de idade. Na época, Ilhéus ainda fervia culturalmente e todos os fins de semana eu ia com meu pai assistir a algum espetáculo. Migrando para Vitória da Conquista, percebi que a cidade não oferece muitas opções para o público infantil. Somente agora, aos 22 anos de idade, é que pude assistir pela primeira vez um musical destinado às crianças. A Bela e a Fera teve sua estreia na cidade no dia 31 de junho e conseguiu abarcar além de crianças de todas as idades um grande numero de pais, mães, jovens e até idosos.

Com Billy Bond na direção, a peça conta com diversos cenários muito bem montados e efeitos visuais que realmente impressionam. O elenco, vindo de São Paulo, parece estar muito conectado, interagindo dentro da peça o tempo inteiro. Alguns passos de ballet e jazz são arriscados, mas sem muita autoridade. Enquanto a maioria dos protagonistas pareciam não ter muita segurança em seus papéis, o corpo de baile, por sua vez, cumpre de forma precisa seu objetivo.

O personagem de Bela (interpretado por Andressa Andreatto) aparece loira, numa atuação que deixa a desejar. É de se levar em consideração a acústica ruim do Centro de Convenções Divaldo Franco, porém as músicas cantadas por Bela vieram num tom muito agudo, chegando a desafinar em determinados momentos. Em contrapartida, o ator Thiago Lemmos, que interpreta o egocêntrico e narcisista Gaston e o personagem Ulisses, vivido por Carlos Eduardo Rocha, são o ponto alto do espetáculo. Gaston, tanto no musical quanto no filme do Walt Disney, assume o lugar do mau, do inculto, que não tem o hábito da leitura e se vangloria o tempo inteiro pela sua beleza e força. Ele vem como o antagônico, o que não deve ser tomado como exemplo, no entanto, Gaston e Ulisses nesse musical aparecem como em simbiose, levando o público a dar boas gargalhadas e acabar se divertindo com as trapalhadas dos dois.

O espetáculo não sai do lugar comum, a mensagem que ele deixa é a do amor, do conceito de beleza como algo interior e que ultrapassa qualquer forma física externa. O hábito da leitura é muito falado também e o sentimento de fé e esperança é pautado durante quase toda a apresentação. No entanto, não é A Bela e a Fera e nem nada dentro da peça que compõe a grandiosidade do evento, mas sim a tentativa de incitar o hábito pela arte do teatro e a recuperação dessas fábulas e narrativas que vêm se perdendo.

Os óculos 3D, bem como os efeitos de iluminação e sonorização contribuíram para que as crianças presentes vibrassem com o musical, mas foi a história em si, mesmo se diferenciando em vários pontos com a original, que causou o efeito de beleza em todos os presentes. Em Vitória da Conquista pouquíssimas peças são destinados ao público infantil, o que acaba não formando uma massa crítica de plateia. Por mais que existam iniciativas, como a da Cia Mary Marrie de Teatro, em oferecer aulas de teatro para crianças carentes, ainda não é o suficiente para suprir a necessidade que a cidade tem em relação a espetáculos.

Foto: Divulgação
A Bela e a Fera foi uma apresentação engraçada, surpreedente em efeitos visuais, mas que poderia ser muito mais para a cidade. Partindo da perspectiva da satisfação do rosto das crianças quando a peça acabou, o musical pode ser o primeiro dos que estão a vir por ai. Formação de um olhar crítico, de cultura e compreensão cognitiva vem muito pelo que o teatro causa individualmente. A peça teve seus defeitos, sua história deixa muito a desejar se comparada a original, mas a iniciativa é louvável. Assistir A Bela e a Fera foi mais que analisar criticamente o processo, é saber relaxar, colocar o óculos 3D e se permitir a observar através dele com olhos esbugalhados de criança.

1 comentários:

  1. Adorei a sua análise, sua crítica e a recordação sempre presente da sua infância em Ilhéus. beijos, Vó Dircéa

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