domingo, 25 de novembro de 2012

Pulsado


Por Mariana Kaoos


Primeiro você respira.  Abre os olhos e instantaneamente, ainda com a cara inchada de tanto dormir, pensa nela. Você olha para o lado e sente a falta. O despertador apita, você o desliga. Vira para o outro lado, embrulha todo o seu corpo com o cobertor. Fecha os olhos, respira. Aos poucos, em um profundo estado de sonolência e vazio, você mergulha na sua própria solidão. Já não consegue mais dormir. Com a boca seca, tateia, ainda com olhos fechados, onde está sua bolsa. Sua mente grita, seu corpo pára, suas mãos encontram o maço de cigarros comprado na noite passada. Ele já está por acabar. Nesses últimos dias você anda fumando demais. Seus dentes, fodidos, estão demasiadamente amarelados. Seus dedos, que comportam essas unhas grandes e sujas, seguram o cigarro. Com a outra mão você o acende. Abre os olhos, a claridade do dia cinza te retrai. A casa está vazia, nenhum barulho a não ser aquela rondando a sua mente. Seu coração se contrai. Na verdade são seus sentimentos. Seu coração está batendo no mesmo ritmo acelerado de sempre. A fome se vai, o desejo de levantar se vai. Você se prostra, encarando o teto branco, enquanto a fumaça do cigarro invade seu nariz. Em seu pensamento, meio que como num filme, você relembra todas as palavras ditas. Em forma de espirais, elas dão voltas de 360 graus ao redor da sua cabeça. As ditas. As ditas aos poucos diminuem, dando voz as não ditas. Você pensa no que poderia ser e não foi. Você se aprisiona em um futuro do pretérito instaurado em si mesmo que te acompanha em todos os lugares. Você novamente pensa nela, mas se perde. O que poderia ser ela, talvez seja você. Na verdade, pode ser que ela seja apenas um desejo da sua mente e que, por isso, ninguém mais a vê da forma como você a vê. As paredes do quarto se pintam de angustia. Você já não consegue pensar em outra coisa se não aquilo. Se lembra do Ginsberg, tenta uma cantoria qualquer. Não é suficiente. Essa tosse de cachorro se torna insuportável. Aos poucos você levanta. Olha para a sua perna cheia de pelos. Seus olhos tem remelas. O cigarro te causa mal hálito. Você segue pelo corredor escuro e vazio até o banheiro.  Lava o rosto. Começa  a perceber as rugas na sua face.  Seus cabelos, quebrados e oleosos, parecem pintados de neve tamanha a brancura que o consumiu nesses últimos tempos. Você seca o rosto. Procura a escova e a pasta de dentes. Lembra que há muito já não tem um puto na carteira e, por isso, não tem mais pasta de dentes. Molha a escova com a água. Coloca na boca. Durante a fricção entre seus dentes amarelos e a escova, você olha imóvel o ralo do banheiro. Várias formigas estão em volta de uma barata morta. Parecem querer leva-la para algum lugar. Você olha o movimento das formigas. Você olha as patas da barata, seu tamanho, sua cor, sua imobilidade. Ela está morta. Assim como parte de você. Morto para a vida, para os dias, para as cores. Você deixa a escova na pia e se aproxima do ralo com passos lentos, até parar exatamente onde as formigas e as baratas estão. A angustia ainda te toma. O vazio ainda te toma. Ela ainda te toma. Você vê algumas formigas subindo em seus pés descalços.  Seu corpo todo pulsa. Você precisa sentir algo que não seja a angustia, o vazio ou ela. Seus olhos brilham. Aos poucos você se abaixa. Seu pulso aumenta. O cinza do céu invade a janela do banheiro. Caem lagrimas dos seus olhos.  Você sente o desespero tomar todo o seu corpo. Você precisa sair disso. Totalmente abaixado, olhando as formigas de perto, a barata de perto, surge uma ideia em sua mente, que talvez te tire de tudo isso. Você se deita no chão, com a cabeça no ralo e coloca todas as formigas em cima de você. Você come a barata.

0 comentários:

Postar um comentário