Por Lucas Oliveira Dantas
Sonia Rangel/ Foto: Divulgação |
O espetáculo Protocolo
Lunar surge a partir da pesquisa científica e trabalho do Grupo Os
Imaginários, sediado na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia
(Ufba), e orientado pela Prof. Doutora em Artes Cênicas pela Ufba Sonia
Rangel.No auge de seus
quase 40 anos em cena, Sonia – acompanhada de seus colegas de produção Enjolras
Matos [pronuncia-se “Anjorrá”] (co-diretor) e Yarassarath Lyra
(atriz) – nos concedeu uma entrevista que transbordava a tranquilidade de quem
tem mais experiência de vida e, portanto, muito a ensinar.
Esta lógica,
inclusive, é a coluna vertebral da trama do espetáculo que, depois de uma bem
sucedida turnê por diversas cidades do Brasil, se encerra em Vitória da
Conquista. Desenvolvida a partir do intercâmbio de experiências de todo
encontro entre jovem e velho, “Protocolo Lunar” é fruto de um intenso trabalho
de ensino, pesquisa e extensão, passando pelas maravilhas e instabilidades do
trabalho acadêmico, mas culminando no contato com diversos públicos e reações –
todas tendo a emoção pela curiosidade do mundo como ponto comum.
O Rebucetê:
O espetáculo “Protocolo Lunar” é descrito como “poesia de imagens” e o trabalho
do grupo “Os Imaginários” é fruto de uma pesquisa teórica que recai justamente
no universo da poesia e da ciência; fale-nos um pouco sobre esse processo de
criação, como tais pesquisas sobre sonho, imaginação e criação se traduzem na
peça.
Sonia
Rangel: Esse campo ligado a imaginário, sonho e poesia, é um campo estético
– parte da filosofia da arte, a Estética – que está muito vinculado às minhas
preocupações de professora, artista. Então, isso chega até a sala de aula e de
lá esse processo criativo, [Protocolo Lunar] especificamente, ganhou uma
qualidade e visibilidade dentro do contexto de Salvador, e fora, e estamos até
hoje nisso. É uma costura de muitos olhares e muitas demandas.
Tem um vínculo
também que é interessante porque um poema que está usado na dramaturgia, faz
parte do último livro que publiquei, no final do ano de 2009, chamado “O
Olho Desarmado – Objeto Poético e Trajeto Criativo”. Este espetáculo, os
temas que a gente trata nele – essa relação poesia, ciência, olhar o céu e ter
curiosidade sobre as coisas do mundo – deriva, um pouco, desse livro. Então, é
um ciclo que, além de agregar muitos criadores, é essa conjugação de pessoas,
lugares, desejos que faz com que o espetáculo [seja] uma arte que quando
dá certo é uma beleza, mas não é fácil de dar certo.
OR: Você
diz isso por conta dos meandros da pesquisa e os direcionamentos que podem se
tomar?
SR: Nem
é tanto pelos meandros da pesquisa, mas é por essa instabilidade de você não
ter a certeza de que você vai ter o financiamento. [...] Você lida com
essas circunstâncias contingenciais da vida das pessoas e da vida cultural, da
cidade, do país. Então, às vezes uma série de fatores, magicamente – entre
aspas porque tem muito trabalho por traz! –, se junta e dá certo alguma coisa.
Então, esse “dar certo” é sempre um jogo no escuro, é sempre um passo sobre o
abismo. Às vezes, você cai num lugar muito bonito como é esse momento que a
gente tá atravessando agora: não é o primeiro espetáculo do grupo e, também,
este [grupo] não é o mesmo, nesses anos de conjugação, estabilidade e
instabilidade que estão conectadas nesse lugar que a gente atua.
Protocolo Luna/ Foto: Divulgação |
OR: A história
de “Protocolo Lunar” se desenvolve a partir do encontro entre uma menina – e
sua sede de conhecimento – e uma velha – com sua bagagem de vida. Por que este
encontro de gerações é o ponto inicial da trama?
SR:
Talvez porque a senhora – mais jovem – que está aqui na sua frente [risos]…
quando a gente vai chegando numa certa idade, vai ficando mais menino, vai se
interessando por isso; talvez porque essa temática da criança é retomada, ela
já fez parte dos meus escritos, da minha pintura e outros meios expressivos que
trabalho, mas isso reapareceu forte no livro “O Olho Desarmado” […] e é
um pouco também… a maior parte dos meninos que estão no grupo vem da
licenciatura, então tem esse vínculo com a arte enquanto processo educativo.
Quer dizer, o arquétipo mais comum de conhecimento é essa conversa entre quem
está terminando a vida e começando a vida.
OR: Mesmo
com uma linha de trama que abrange todos os públicos, a peça é destinada ao
público infanto-juvenil? Por que ele, qual a importância de fomentar o teatro
neste nicho específico?
SR: É
engraçado porque a gente se viu trabalhando com esse público, porque a questão
do teatro de animação e boneco tem esse vínculo muito próximo, mas o texto não
faz concessão. Em nenhum momento a gente pensou “vamos fazer uma coisa dessa
forma para que a criança perceba, entenda.” Tem coisas no texto, inclusive, que
são adultas – que são palavras, sentimentos, relações para um adulto entender
–, mas que para a criança, também, cria uma curiosidade, ela vai atrás disso. Quer
dizer, o texto não subestima nem a inteligência, nem a sensibilidade da
criança. Então, ele cai num lugar que é aberto. É o tema da infância e da
velhice em qualquer idade e momento da vida.
OR: A
senhora acha que é importante, as produções voltadas para o público infantil
terem essa perspectiva de não fazer concessões?
SR: Não
sei… essa é a opção da gente, a que a gente está afirmando. A gente não
pensou “vamos pesquisar uma linguagem para tratar do universo da criança”. Eu
acho que, às vezes, o adulto subestima muito a criança; o entendimento dela, a
lógica, o que ela sente – criança não tem problema, não pensa, não sabe das
coisas; participa pouco, às vezes, de um universo que ela já entende. Eu acho
que há um lugar de subestimar.
Eu penso que a
medida dessa relação com a criança deve ser também por temas da vida, do geral
das coisas, o brincar com o conhecimento do mundo, o ter curiosidade pelo
mundo… é algo que é a vida toda, não é só a criança. E ela, às vezes, é
subestimada – no sentido da sua própria inteligência – em determinadas
produções. Agora, existem formas e formas de se fazer – não estou dizendo que a
minha é a melhor e nem é a única. De alguma forma, é o lugar que a gente acabou
chegando como forma de trabalho.
Boa arte em
qualquer lugar, ela pega você! Uma coisa boa de ouvir, de ver. Não precisa ser
datado.
OR: A peça
também é descrita como “uma aventura compartilhada entre palco e plateia” e a
temporada passou por diversos lugares do Brasil. Como, ao longo da turnê, se
desenvolve esta “aventura”; conte-nos histórias sobre esta relação.
Protocolo Lunar/ Foto: Divulgação |
Yarassarath:
É interessante que uma coisa comum é o
encantamento que a plateia tem com a linguagem, com a atmosfera que o
espetáculo promove. [...] O interessante
também é como chega, nas crianças, a curiosidade que a criança tem de saber
como se move... a parte técnica. Teve uma pergunta fantástica de uma menina:
“como foi que nasceu essa história?” Quer dizer, ela acompanhou [a trama].
E outro “que espécie de música é essa?”… quer dizer, é um espetáculo que
provoca.
Enjolras: E
teve um espetáculo que um menino, de uns 12 anos, chorou o espetáculo todo e,
no final, ele pediu se podia abraçar, fazer foto com a atriz. Mas ele se
emocionou com espetáculo; é um trabalho que encanta muito os adultos também.
OR: Qual o
sentimentos de vocês, enquanto equipe, de estar em contato com essas reações do
público?
Y: É
maravilhoso! Você está terminando o espetáculo, fazendo os agradecimentos, e a
pessoa ali na plateia louca pra falar com você, pulando de lá, querendo falar
com você. É muito bom você ter essa recepção. Isso é muito interessante porque
provoca!
SR: Muitas
pessoas depois mandam mensagens, contando suas reações ao espetáculo, dizendo
porque foi importante, ou se reconhecendo em circunstâncias, reativando a
criança – dando vontade também de fazer poesia.
E: Também
tem muito da nostalgia, quando o velho vê a história causa essa nostalgia.
OR: Por
fim, na Bahia e no Brasil há uma evidente disparidade na circulação da produção
artística; a música acaba sendo mais facilmente disseminada, não somente pela
iniciativa privada, mas também pela participação do incentivo público nos eventos
fomentados no estado. Como a senhora pensa, analisa, as políticas públicas para
a cultura na Bahia, especialmente para a circulação teatral?
SR: Olha,
eu não posso me queixar. Estou exatamente usufruindo de uma política pública.
Esse grupo não teria a menor condição de fazer o que está fazendo se não fosse
ao âmbito desse acordo. Todos no grupo temos a sobrevivência garantida por
outras fontes; ninguém sobrevive do teatro, mas faz teatro – esse
profissionalismo que é mais pela paixão do que ser remunerado por aquilo. E
então, acho que há [necessidade] desse lugar de apoiar o artista que
está em formação e egresso de escola, tentando se firmar.
Eu penso que
na hora em que muitas coisas se multiplicam, como se ampliaram as extensões,
atingindo lugares e regiões e grupos que antes não se atingia, quando você
amplia, possivelmente, ocorre o percentual de que, em algum momento, aquilo
falhe. Mas, no teatro – especialmente lá em Salvador – você vê um movimento dos
grupos se organizando, se cooperativando, se firmando e multiplicando
profissionalmente; como você vê também políticas públicas tentando atingir
esses grupos. É impossível num país como o nosso, a cultura em qualquer ramo,
sobreviver sem a presença do Estado.
***
Protocolo
Lunar está em cartaz hoje [24] e amanhã [25] no Centro de Cultura Camilo de
Jesus Lima – com duas sessões diárias: às 16h e depois às 20h. Ingressos podem
ser comprados na Sede do Coletivo Suíça Bahiana, no Viela Sebo-Café. Hoje às
17h30 bate-papo com a autora, Sonia Rangel. Amanhã – das 9h às 13h – haverá
oficina de teatro de animação. Ambos os eventos no Centro de Cultura.
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