segunda-feira, 30 de julho de 2012

“Não me arrependo de nada” - O Rebucetê Entrevista Márcio Meirelles

Márcio Meirelles fala sobre sua carreira teatral e a experiência na secretária de cultura

Por Jessica Lemos* e Susana Rebouças

Márcio Meirelles [Foto: Divulgação]
Marcio Meirelles é diretor teatral, cenógrafo e figurinista. Trabalha com Teatro desde 1972 e é um dos diretores mais atuantes do país. Nasceu em Salvador-BA em 26 de maio de 1954 e é responsável pela revitalização do tradicional Teatro Vila Velha, em Salvador. Também criou, em 1990, juntamente com Chica Carelli, o Bando de Teatro Olodum.
Além de fundador do grupo Avelãz y Avestruz (1976-1989) e criador/diretor do espaço cultural A Fábrica (1982), durante os anos de 1985 e 1986, Márcio assumiu a chefia dos núcleos de cenografia e figurino e de direção e elenco da TV Educativa da Bahia. Paralelamente, criou o Projeto Teatro para a Fundação Gregório de Mattos (1986). Foi também diretor de um dos maiores centros culturais do Brasil, o Teatro Castro Alves, em Salvador, de 1987 a 1991, durante o governo Waldir Pires.
Marcio foi Secretário de Cultura da Bahia (Secult- Ba). Em entrevista, ele fala sobre formação, carreira e sobre a gestão na Secult-Ba, e entre uma pergunta e outra, expressa seu amor pelo teatro.


Qual a sua formação?

Minha formação é de palco. Comecei a fazer teatro universitário em 72, quando vivíamos uma ditadura muito brava. Depois fiz teatro com duas pessoas, Jurema Pena e José Wilker. Fazia artes visuais, depois fiz um ano e meio de arquitetura. Tudo isso me levou a criar um grupo chamado Avelãz y Avestruz, e com esse grupo a gente trabalhou 8 anos, de 76 a 83. Depois a gente fez mais um espetáculo, em 89 e foi meu aprendizado, com um grupo de atores no qual a maioria deles estavam começando ou nem era ator. Foi uma coisa longa e duradoura, esse aprendizado. Depois fui aprendendo com o mundo, fui aprendendo no palco.  Acho que teatro a gente aprende na vida. A gente vai se formando a cada espetáculo, a cada projeto. Eu tenho ideia do que quero dizer com aquilo, de quem quero atingir com aquilo e porque que vou fazer aquilo naquele momento. Mas como chegar ao resultado, é um aprendizado em cada projeto.

Quais foram as dificuldades encontradas em sua gestão como secretário de Cultura?

Foram basicamente três. A primeira foi o entendimento do governo. Apesar de eu ter tido muito apoio, por exemplo, da Secretaria da Fazenda. A gente acha que tudo na cultura é excepcional. Não é verdade. Tudo pode ser usado, pensado, agido, planejado, como qualquer atividade social, comercial, industrial, educacional, etc. Quando o estado entender isso vai ter mais investimento em cultura. E aí vem a outra questão, a sociedade e os produtores culturais não entendem isso, ou não querem entender, porque é mais fácil ser mantido pelo estado ou por alguém, e é mais fácil chorar, queixar, esbravejar e fazer campanha contra porque tem microfone aberto, porque durante anos construiu uma imagem, construiu, talvez, uma importância simbólica para a sociedade. E o outro grande problema é a questão do pacto federativo. Porque a gente sabe: em saúde e educação, por exemplo, que é o papel do estado e do município e do governo federal, e em cultura é uma confusão. O estado tem que fazer políticas de apoio, não apoiar diretamente com o dinheiro, necessariamente, mas com políticas que façam com que aquilo permaneça, avance, evolua e gere resultados para a sociedade. Mas, um país, como diz Milton Santos, onde não temos cidadãos, porque as elites não querem ser cidadãos, querem privilégios, e os pobres nunca tiveram condições de ser cidadãos, é um país complicado. Embora eu ache que isso tem mudado. Com todas as críticas que se possa fazer ao governo Lula e ao governo Dilma, acho que tem um avanço, inclusive essa própria onda de denúncia e de abertura de inquéritos e de percepção da corrupção, como um câncer no país, é parte de resultado de uma politização da sociedade.

Faça uma crítica à atual gestão da Secretaria de Cultura e compare com a sua.

Não. Não posso. Porque, primeiro é muito cedo. São dois anos apenas. Acho que não posso fazer nem uma reflexão de fato da minha própria gestão, porque muitas consequências veem depois. Há uma continuidade de muitas coisas, há um desvio em outras, há um repensamento. Mas eu sinto que tem um caminho também. É estranho comparar, porque é outro momento. Quatro anos se passaram e muitas coisas aconteceram. Teve coisas que a gente conseguiu, que a Secretaria de Cultura no governo Wagner conseguiu avançar em termos de políticas da cultura. E outras, que a gente não conseguiu, principalmente nesses fatores que assinalei. Outras coisas conseguimos avançar e está sendo aperfeiçoado. Por exemplo, fizemos um estudo sobre as manchas culturais do estado e isso só ficou pronto agora e só foi publicado agora. No entanto, começou na minha gestão. A lei orgânica foi construída nos primeiros quatro anos e aprovada no quinto. Agora, o estado tem uma lei que o organiza. Eu acho que daqui a cinco anos ou seis a gente pode avaliar o resultado do que está acontecendo.

Quais eram os tipos de cobranças e como a Secretária lidava durante a sua gestão?

Em várias ordens e de vários lugares. Tinha a cobrança do próprio governo, dos artistas e da população. E eu preferia atender e equilibrar as demandas da população com as demandas do governo, de uma política desse governo, que era uma política que eu seguia e acreditava. Por isso aceitei ser secretário de cultura por quatro anos e não quis mais do que quatro anos. Eu me preparei para quatro anos e em quatro anos plantei o que achei que podia plantar. A partir daí, não queria mais, não gostaria de continuar, ao menos que não houvesse jeito. Mas uma coisa fundamental é essa coisa republicana que o governador sempre falou para nós, secretários, que a gente deveria tratar todos os municípios igual e independentemente do partido político que estava no poder naquele momento.

Você é filiado a algum partido político?

Não sou, nem nunca fui de partido algum. Sempre tratei todos os governos republicanamente. Nunca troquei favores. Todo mundo sabe que não sou simpatizante de partido algum. Só aceitei ser secretário e emprestar naquela época meus 35 anos de história pública à aquela gestão, porque acreditava no projeto. Não foi pelo partido. Evidentemente, o pensamento de esquerda influencia, pois a sociedade pensa o ser humano mais do que o desenvolvimento econômico, o desenvolvimentismo. Às vezes acho que o próprio governo da Bahia ou do Brasil avançam perigosamente nesse sentido de ignorar questões ambientais, questões culturais em prol de um fictício desenvolvimento econômico ou industrial. Me incomoda, eu critico e criticarei sempre.

Um gestor sempre precisa tomar decisões imediatas. Você se arrepende de alguma decisão que tenha tomado. Sofreu retaliação por algo?

Não me arrependo de nada, pois tudo foi pensado dentro de uma lógica, de um princípio, de valores que continuo mantendo. Tomaria de novo. Te digo sinceramente: em minha vida pessoal foi mais complicado e mais difícil lidar com isso do que publicamente, como gestor, porque as pessoas que são afetadas de alguma forma pela política ou por algum encaminhamento tentam atingir você de alguma forma na sua vida pessoal acusando pessoas de sua família. É difícil de lidar, pois eu gosto muito de justiça.

Defina Márcio Meirelles diretor, artista e produtor cultural.

Não sei. O dia que eu souber isso serei um artista realizado e paro de fazer qualquer coisa. Sou uma construção. Eu sou uma construção coletiva. Cada momento é um momento novo pra mim, uma descoberta nova. Como político e gestor, como tudo, eu vou sendo construído. E me deixo construir pela história, pelas competências, pelos resultados, pelas demandas e pelas colaborações, que são muitas.

*Jessica Lemos é estudante de Comunicação Social na Universidade Federal da Bahia (Ufba) e nova colaboradora d'O Rebucetê.

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