segunda-feira, 16 de julho de 2012

Diário de Bordo: É domingo no trole do bonde

Por Mariana Kaoos

“Eis o sol, eis o sol apelidado astro rei. Eis que achei o grande culpado desse meu viver destrambelhado”...

Arthur, morador de Telebrasília/ Foto: Luiza Audaz
Foi justamente com essa frase do poema de Décio Pignatari que, me equilibrando para passar entre as inúmeras barracas amontoadas no corredor do alojamento na UNB, sorri para mais um dia que nascia entre a secura e as belezas do planalto central. 

Coloquei os óculos escuros na vã tentativa de esconder a farra da cultural da noite anterior e fui tomar café. Era o terceiro dia do Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação, que esse ano acontece na Universidade de Brasilia, Distrito Federal. Para surpresa e alegria dos dinossauros militantes*, o Enecom 2012 trouxe consigo um contingente muito alto de calouros além da reaparição de delegações dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Norte. 

Na manhã domingada,  as cores do céu e do lago Paranoá estavam reluzentes, cheias de brilho e intensidade. O dia parecia condizente com a proposta que a comissão organizadora elaborou.  A atividade esperada pela grande maioria dos estudantes: Núcleos de Vivências. 

Os NVs têm como principal objetivo oferecer aos encontristas uma experiência prática com os movimentos sociais e as ideologias ligadas à Executiva. Proporcionar essa aproximação dos estudantes com órgãos e comunidades locais é importante para mostrar novos olhares sobre diferentes realidades reunidas dentro de um mesmo país. Se tratando do Brasil, esse gigante de proporções continentais, a proposta tem um tempero ainda mais ousado.

Na grade, as opções eram muitas e abordavam temáticas bem diferentes entre si, indo desde a visita à cidade satélite de São Sebastião que se destaca pela promoção e fomento a cultura até focos mais específicos como a visita ao Movimento dos Sem Terra e a comunidade religiosa Vale do Amanhecer. Em dúvida sobre qual escolher, optei pela Vila TeleBrasilia, muito influenciada, é claro, pela sister alagoana Camila Guimarães que me sorriu e disse “acho que lá tem cultura e sambão”. Passei perfume, penteei os cabelos e logo me apressei para entrar no ônibus que nos levaria ao espaço.

Vinte minutos depois, chegamos na comunidade desejada. O Sol estava a pino e já era meio dia, pegamos as marmitas do almoço trazidas no ônibus e fomos comer sentados no chão de uma casa que oferecia uma sombra agradável. Trocando informações entre nós, a respeito dos cursos de comunicação social do país, veio um morador em nossa direção. Era negro, usava um chinelo havaianas, uma blusa e uma bermuda qualquer. Falava muito baixo. Estendeu a mão com uma garrafa de água e um copo de vidro, disse que tinha nos visto almoçando ali e resolveu nos levar algo para beber. No momento em que ele sorriu e foi embora ficamos impressionados com tamanha delicadeza e cuidado conosco, mesmo sendo nós meros desconhecidos.

Saciada a fome, logo percebi que ali não era um lugar qualquer. Entre muitos arbustos de árvores e mercadinhos na esquina, chegamos na pracinha principal, com um campo de futebol e dois bares vendendo almoço e cerveja. Sentamos todos na graminha, embaixo de uma sombra e esperamos pelo bate papo. 
Quem nos recebeu foi Arthur, morador da vila há dois anos. Ele, muito simpático, traçou para nós um panorama econômico e espacial da cidade de Brasília, famosa pela sua discrepância social, onde poucos detém muito poder e muitos não possuem nada. A comunidade de Telebrasilia é um retrato que se repete em muitas cidades satélites do Distrito Federal e já passou por maus bocados. Desde a sua criação, em 1956, moradores lutam por mais segurança e qualidade de vida. Um exemplo disso é outro (antigo) morador, seu Antônio. Presidente da associação dos moradores, ele mora lá praticamente desde que o espaço foi ocupado.
Seu Antônio/ Foto: Luiza Audaz

Seu Antônio é um senhor baixinho, de cabelos já grisalhos e óculos de grau. Olhando-o pela primeira vez, dá-se a impressão de um vovô bem sereno e tranquilo. Ouvindo o que ele diz, compreende-se que ele é um batalhador comunitário pelo direito de conquista daquelas terras (isso só veio a ocorrer em 2008) e de melhorias para a população. “Agora nós estamos correndo atrás da implantação de um posto de saúde, de uma escola e de uma creche”. deixou-se confessar.

A comunidade que agrega em torno de 350 famílias, carrega esse nome porque na época era ocupada por trabalhadores que vieram construir Brasilia como tambem a Telebrasília, empresa de companhia telefonica. Ao longo desses mais de cinquenta anos de existencia, vários episódios já ocorreram a fim de deturpar ou denegrir a comunidade. “Teve uma vez, que um jornalista dessas grandes mídias veio aqui fazer uma matéria sobre a gente e entrevistou um morador que falou das nossas deficiencias, mas tambem das nossas conquistas. Um tempo depois, quando fomos ler o texto, vimos que ele deturpou toda a história. Ou seja, é uma imagem errada que sempre estão passando da gente”.

A tarde se deu de maneira agradável. Seu Antônio, Arthur e todos os outros moradores, muito educados, nos recepcionaram de maneira calorosa e aconchegante. Por questões de falta de assistencia à comunidade, pudemos perceber como as manifestações culturais ainda são limitadas por conta da estrutura fisica, mas que o espirito de união entre os moradores permanece vivo. Antes de compartilhar tantas outras vivencias pelas asas do avião, finalizei minha tarde vendo as cores do domingo “na moça e na praça”**, tomando uma cerveja e me sentindo pertencente àquele lugar.

* Pessoas que já estão há muito tempo dentro da universidade e do movimento estudantil
** Referente ao poema Domingou, do piauiense Torquato Neto.

0 comentários:

Postar um comentário