sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Pátria amada, o que oferece a teus filhos?


Por Mariana Kaoos

Dom Pedro, moço que viveu pra mais de séculos; bonito, de estirpe, carregava em si os nomes Alcântara de Bragança, tinha linhagem real, sabia uns fados portugueses e encantava as moçoilas por onde passava. Conviveu muito tempo com sua avó paterna, Dona Maria I (ou dona Maria, a Louca, como é comumente conhecida), teve pouca atenção da sua mãe, Carlota Joaquina e, aos nove anos de idade, foi enviado ao Brasil. Dizem que na juventude era namorador que só e que também se disfarçava para poder ir às tavernas do Rio de Janeiro. Aos 19 anos casou-se com dona Leopoldina. Pode-se dizer que esse português galanteador teve uma vida relativamente boa, alcançando êxitos, entrando para a história.

Para quem não lembra, foi esse mesmo Dom Pedro que, em 1822, mais precisamente no dia sete de setembro, resolveu dar um passeio pelas margens do rio Ipiranga, levantar sua então espada e soltar um fino e delicado, mas ainda assim, grito. Da sua boca portuguesa, que a essa época já se tornara muito mais abrasileirada, saíram um substantivo feminino, uma conjunção e outro substantivo feminino. Tudo formava a então frase: “Independência ou morte!”.  Tais palavras, simples e objetivas ecoam até os dias de hoje, não só pelos seus significados, mas, principalmente, pelas suas consequências.  

Como o grito inicial parece ter saído fino, sem muita convicção do que estava sendo dito, a história também se pôs dessa maneira. Ao longo dos anos, a meu ver, parece que a palavra “morte” resplandeceu muito mais que a “independência”. Diversos “Dom Pedros” surgiram por aí, a fim de libertar esse lugar em inúmeros aspectos. Seja de maneira econômica, cultural, política, ideológica, identitária. Alguns deram certo, outros falharam feio, mas acredito que a maioria tenha deixado um legado importante para as gerações que hoje, finalmente, se caracterizam como juventude: o legado da reflexão.

Povo heróico, brado retumbante...

O dia nasceu cedo nas Terras do Sem Fim*. Uma chuva rápida veio junto com o sol, molhando a areia, aumentando aquele cheiro de maresia em toda a Avenida Soares Lopes.  Às seis horas o pelotão do exercito já se encontrava concentrado, marchando em frente ao Cine Santa Clara**, esperando a hora para que finalmente pudesse desfilar. O coronel Aureliano Buendía apareceu montado num cavalo preto, sorrindo, como quem faz a premissa de uma forte manhã que se anuncia.

Aos poucos, o público também veio chegando. Por conta do calor, todos com roupas coloridas, chinelo de dedo e bermuda. Era possível observar vários vendedores de cerveja, água, refrigerante (na mega promoção de dois por cinco, bem geladinho, e ai, vai querer?) cantando e sorrindo “se o penhor dessa igualdade conseguimos conquistar com braço forte” de uma maneira tão intensa que transparecia a crença, a fé de mudança.

Assim como no Festival Amar Amado, as ruas ilheenses ainda não estão preparadas para receber o povo. Com as calçadas esburacadas fica difícil acompanhar o desfile. Sem arquibancadas para o descanso das pessoas, chega um momento em que elas também cansam. Pela mentalidade da região, Ilhéus parece ainda se prender à cultura coronelista e cacaueira, mas a vassoura de bruxa avassalou a região desde o início da década de 1990. Hoje em dia a “província” sobrevive de outras fontes economicas que não só o cacau e respondem pelo aparente movimento da cidade. Se o tempo é outro, o povo é outro e a economia também, fica a reflexão do por quê dessa dependência de histórias passadas? Será que por mais um ano, nesse sete de setembro, a vontade de emancipação não irá fincar na cabeça das pessoas, ou ela passará rapidamente pela avenida junto com o Grito Dos Excluídos e, quando chegar ao fim do percurso será esquecida?

Ilhéus reconhece, respeita e admira, mas há muito já não é mais a terra de Gabriela, cravo e canela e muito menos dos magnatas do cacau. Existe uma nova roupagem nos diversos setores da cidade como a maravilhosa escola educativa Villa Verde e grupos de teatro de altíssima qualidade como o “Teatro Popular de Ilhéus”. Por que não nomear a região com esses novos rostos, com esses novos nomes? Muito provavelmente foi por isso que Dom Pedro, há 190 anos, também num dia de calor e exaltação, deu aquele grito.

Pindorama, país do futuro...

Apesar das inúmeras especificidades de cada região, a frase da independência ainda se faz viva em muita gente e em todo o país. O setor agrário, o setor oprimido como grupos LGBTTT, negros, pobres e vários outros, o setor educacional, o setor artístico, a juventude; todos já refletem acerca dessa atual conjuntura de mais “morte” do que “independência” e encontram de uma forma ou outra, a melhor maneira de sobreviver, de lutar, de pensar no outro e, finalmente, de se libertar de todas essas amarras sociais que nos prendem.

O povo junto é bonito e colorido. O povo emancipado pode ser ainda mais. Por hoje, a ode não vai a Dom Pedro e nem às lindas normalistas que desfilaram na avenida, mas ao povo, espremido em pé, que é a força motora da beleza do Brasil. Saudação aos que lutam.

Salve a rapaziada!

*Nome de um romance de Jorge Amado. “Terras do sem fim” se refere a Ilhéus
**Cinema que fica  na Avenida Soares Lopes. Faz parte do percurso da marcha.

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