segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Literatura de Cordel discute política no palco


por Vinicius Carvalho

Foto: Vinicius Carvalho
Acostumados a abrir ou fechar festivais, o grupo ‘Teatro Popular de Ilhéus’ não se intimidou, deu inicio ao Filte com duas apresentações da peça “O Inspetor Geral”, uma no sábado (01) e outra no domingo (02). Mostraram que o teatro do interior da Bahia está muito bem representado em um evento internacional. O espetáculo apresentado diverte e faz pensar. Não explica o mundo ou o Brasil, mas se dispõe a transformá-los. Na tentativa de afirmação identitária, o grupo trouxe ao palco diversas referências da cultura nordestina. A literatura de cordel, a música, o sotaque característico e as artes visuais, como a xilogravura se fazem presentes. 


“O Inspetor Geral” não foge da linha teatral em que o grupo se fundamenta e desenvolve pesquisas. A peça mostrou muito do teatro épico de Bertolt Brecht*, muitas vezes ambientado na idade média, mas que não deixa de ser atemporal. O espetáculo, no caso, retrata a década de 1970, com um Brasil inserido no contexto de ditadura militar. 

A história se passa na metafórica Ilha Bela, uma típica cidade interiorana, com a infeliz realidade política de um país onde a corrupção, de tão noticiada, vem se tornando algo banal. O curioso em Ilha Bela é que seu até então prefeito, Teodorico Majestade, é expulso da cidade. O vice-prefeito é quem assume o cargo, porém o clima de festa foi interrompido quando uma carta anuncia a vinda de um ‘tal inspetor’. Tensos, os políticos da região temem a perda de seus cargos, e em uma reunião extraordinária, decidem agradar o forasteiro que se instalara na única pensão da cidade.

A história se desenrola no ritmo típico dos cordéis, com rimas descontraídas e linguagem popular, arrancando boas risadas do público. Tanto o horário (16h) quanto o festival, que proporciona um preço mais acessível, deram uma revolucionada na platéia, composta, em grande parte, por uma caravana. Duas professoras da rede municipal de ensino acompanharam cerca de 20 alunos. Possivelmente foi a primeira vez de muitos que ali estiveram presentes em uma sala de teatro para assistir a uma peça. 

Embora a classificação tenha sido livre, o espetáculo contém um texto que minuciosamente aplica diversas críticas a realidade política atual. O público poucas vezes acompanhou a sátira, a excitação e o clímax vinham nos momentos cômicos. Ao final senti a necessidade de uma contextualização ou moral da história. Fui contemplado com uma fala de um dos protagonistas que se desfez da personagem e quase batendo no peito contestou a atual situação política no país e o conformismo que se instalou na população.

Fundado pelo ator e diretor Équio Reis, em 1995, o grupo “Teatro Popular de Ilhéus”, desde o início de suas atividades, faz questão de se afirmar como popular. O teatro como mecanismo de transformação social sempre esteve presente nas dezenas de montagens e intervenções artísticas do grupo. Em 2001, Équio veio a falecer e Romualdo Lisboa deu continuidade ao trabalho, assumindo a direção e roteiro dos principais espetáculos. O Grupo foi indicado ao Prêmio Shell de Teatro 2012 – SP, na Categoria Especial, pela sátira em Cordel “O Inspetor Geral”.

*Bertholt Brecht foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Seus trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo.

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