domingo, 16 de setembro de 2012

Crônica do Ovo

Por Mariana Kaoos


Imagem: Google
É uma clara manhã de domingo. Ainda com a maquiagem borrada da noite anterior, fui ate a cozinha, peguei pão, manteiga, queijo, carne. Olhei para o presunto, ainda cheguei a tira-lo da geladeira, mas desisti e coloquei-o na gaveta novamente. Presunto só serve se for novinho, do dia, sem aquelas partes brancas, que é o pior do pior. Passei a manteiga no pão, esquentei o pão, tirei o pão, coloquei mais manteiga na panela. Nesse momento subiu fumaça, a manteiga derreteu logo. A manteiga tem um cheiro gostoso. Peguei dois pedaços de carne, coloquei em cima dela, subiu mais fumaça. Quando isso aconteceu, imediatamente eu pensei: “o que você acha de colocar um ovo no meio?”. Sempre falo comigo na terceira pessoa e há muito tempo não como ovo. Ovo fede. Ovo quase não tem gosto. O que tem gosto é o sal. Sempre tive essa lembrança de que numa escola em Ilhéus, chamada Afonso de Carvalho, a professora de ciências pedia para os meninos cozinharem o ovo e levar para a aula. O ovo era a terra. Eles tinham que descasca-lo para conhecer suas camadas. Sempre tive muito nojo disso. O fedor pairando sobre toda a sala de aula. Os alunos com os dedos sujos de casca de ovo. Ovo não é terra e eu nunca estudei no Afonso de carvalho, tampouco sei de onde tirei essa história, mas, de fato, me atormento com essa lembrança nunca vivida por mim. Por muito tempo eu comi ovo. Existem várias formas de fazer ovo, mas no fim todas geram o mesmo sabor. Ovo no micro-ondas, ovo frito, cozido, mexido, com queijo e presunto, com a gema mole, com a gema dura. Em todas essas situações é preciso quebrar o ovo direito para que pedaços de sua casca não caiam e passem despercebidos. Outro dos meus motivos de parar de comer ovo foi justamente esses pedaços que eu n identificava no conjunto final e me davam gastura quando eu mordia. Eles são péssimos. Se misturado com a clara do ovo mal frita então...é gosmento, nojento. Onde já se viu comer coisa gosmenta e ainda por cima incolor? Sim, a gema do ovo é linda. Seu amarelo lhe garante uma personalidade própria, parece que tem vida. Já a clara não. É apagada, sem cor, murcha para as coisas. Se o ovo fosse gente, diria que a clara seria uma daquelas pessoas mais ou menos, que acorda todas as manhãs com cara de bunda e permanece assim a vida toda.  Trazendo para a real posição dele, diria que no reino comestível o ovo é quase uma “maria vai com as outras”. Muita gente come só ele, claro. Mas na maioria das vezes ele serve como acompanhante. É ovo com cuscuz, ovo com pão, ovo com salada, ovo no sanduiche, na pizza “portuguesa”. Ovo com farinha. Esse, sem sobra de dúvidas, era meu jeito preferido de comer ovo. E de preferencia, com suco de maracujá do lado. Era. Durante esses dois últimos anos o ovo se tornou cada vez mais agoniante para mim. Para completar, uma vez me falaram que comer ovo quando se está menstruada é algo péssimo a se fazer, pois ele altera o cheiro da menstruação. Se está nesse período já é péssimo, com cheiro de ovo é ainda pior. Não dá. Vez em quando eu como ovo de codorna, e esse em especial é algo de que gosto muito, mas quando me vem todas essas histórias em mente, eu logo o repudio. Só que hoje, justamente hoje, pensei diferente e resolvi me arriscar. Poderia ser gostoso. Quem sabe o ovo daria um sabor ao meu dia que já se iniciou cheio de cobranças, de cansaço, de chatice, de saudades. Por um lapso de segundo, entre a fritura da manteiga e a consistência da carne, optei por revisitar o meu passado, enfrentar os perigos e quem sabe me surpreender. Coloquei a colher na pia, dei dois passos, abri a geladeira com precisão e olhei para o guardador de ovos. Estava vazio. Ainda fiquei por algum tempo olhando para ele, ali, sem nenhum ovo. Essa foi então a minha maior surpresa. Não sabia como e nem porquê, mas, em minha memória, em meu corpo e meu ser, tive consciência de que eu já não sabia dizer há quanto tempo não se tem ovo nesta casa.

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