sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Nessa terra a dor é grande, a ambição pequena

Por Mariana Kaoos

Foto: Mayana Morbeck
Em Ilhéus as coisas parecem não funcionar. De fato, a impressão que o Festival Amar Amado vem causando é de que o descaso da própria cidade, bem como da produção do evento, superam qualquer tentativa de fomentar a cultura popular local e de exaltar o centenário do escritor grapiúna.

A programação do Festival se divide entre dois locais principais: o centro histórico, que compreende a Casa Jorge Amado, a Casa dos Artistas e o Teatro Municipal e o outro ponto, Centro de Convenções, que fica mais afastado, localizado precisamente no fim da Avenida Soares Lopes (orla e principal avenida da cidade). Sim, há espaços interessantes que começam no período matutino e se estendem até as 22h, quando ocorre o encerramento com shows de bandas da terra e uma atração principal a nível nacional, mas, pela distância dos locais escolhidos para sediar o evento, torna-se difícil poder acompanhar os atrativos que acontecem um seguido do outro. O Cabaré Literário (parte da programação de cunho voltado para a literatura), tampouco foi divulgado nas escolas e ambientes acadêmicos. Ele ficou inserido no Centro de Convenções, o que acabou atraindo pouquíssimo público para a grandiosidade das mesas, debates e rodas de conversa propostos. Por que não tê-lo colocado no Bataclan, localizado na 2 de julho e mais próximo ao centro histórico?

A produção do Amar Amado falha em diversos quesitos, principalmente no que se refere à divulgação. Antes de a semana começar, houve rumores por todo o estado de que as atrações tão esperadas como Caetano Veloso, Margareth Menezes e a família Caymmi não participariam mais do festival por conta do não cumprimento financeiro do governo estadual. O orçamento geral circula por volta de R$2 milhões e uma parte dele foi destinada a ser suprida pelo governo. De fato, a quantia estabelecida foi paga e o festival ainda acontece. No entanto, poucas pessoas estão comparecendo aos espaços sugeridos e até mesmo aos shows noturnos. Na tarde de quinta feira, o centro comercial e logístico de Ilhéus estava mais movimentado do que os locais de circulação do evento. Para um transeunte qualquer, nem parece que na cidade está ocorrendo algo.

Nada pode prosperar...

Na tarde de quinta feira, por volta das 17h, a Casa Jorge Amado, um dos principais pontos do evento, estava em obras. O cartaz na porta indicava a entrada pela lateral, que, por sua vez, abrigava um monte de entulhos da então reforma e deixava feia a paisagem para quem passava. A produção da casa também não sabia dar informações do horário de funcionamento. “Confira a programação, talvez você ache por lá”, assim me foi sugerido por uma das organizadoras. O suporte dado ao ambiente também deixava a desejar. O local tinha cheiro de mofo e as paredes úmidas. Por fim, era possível observar algumas roupas e fotos de Jorge, além de seus livros, com nova edição, postos à venda.

Para além disso e me causando uma enorme surpresa, no andar de cima há (até domingo) uma apresentação do artista popular ilheense José Delmo, abordando as histórias de Amado mescladas com a da própria cidade e da região cacaueira. A maneira como o “espetáculo” se deu, unindo muita poesia às lendas daqui e exaltando os “coronéis da cultura”, que sempre se preocuparam em estimular e difundir essas histórias que compõem uma identidade local, são de uma delicadeza extrema, evidenciando assim um cuidado e amor para com o legado de Jorge, para com a região.

Margareth Menezes fechando a noite de quinta (09)
do Festival Amar Amado
Foto: Mayana Morbeck
Finalizando o dia, às 22h, Margareth Menezes subiu ao palco para um público mediano, visivelmente discrepante. Quem tinha dinheiro assistia ao show do bar Vesúvio (a consumação mínima era R$100,00) ou do camarote que ficava em cima dele (R$60,00 a entrada, porém era open bar) e quem não tinha ficava na praça, dançando junto. Margareth, linda, de vestido vermelho e flor no cabelo, fez uma apresentação especial, cantando musicas relacionadas à obra de Amado e ao estado da Bahia. Dentre o vasto repertório estavam “Vatapá”, de Dorival Caymmi, e sambas de roda do recôncavo baiano.  

Quem ama Amado?

Foto: Mayana Morbeck
Enquanto a iniciativa de oferecer ao público uma semana em homenagem ao centenário de Jorge Amado na sua cidade natal é louvável e de extrema importância, a forma como ela foi organizada e a estruturada tem sido uma vergonha. Não existe suporte para imprensa alternativa, não existe informação necessária sobre o que e como está acontecendo e, tampouco, uma real importância com o centenário do escritor.

Ilhéus é uma cidade linda que guarda em si uma infinidade de histórias míticas sobre o cacau, sobre paixões, sobre as pessoas, porém anda feia, mal cuidada. Seus principais pontos turísticos estão pintados, bonitos, mas, além deles, nada mais brilha na cidade. O descaso da prefeitura é enorme, com ruas esburacadas, a precarização da educação e o fechamento da biblioteca municipal, dentre vários outros agravantes. As pessoas, absortas nos seus dia a dia, mal sabem quem é Jorge e a leitura de seus romances aqui parece ser cada vez mais escassa. Fica evidente que a cidade e a maioria das pessoas não estavam preparadas para sediar um evento do porte do Festival Amar Amado, por problemas estruturais bem como ideológicos.

No entanto, há ressalvas. Em meio a tanta desorganização, encontrar pessoas que realmente conhecem os romances de Jorge, como José Delmo, e presenciar shows de altíssima qualidade, com um foco voltado para o legado do artista, como o de Margareth Menezes, é de uma nobreza tamanha. Comemorar o centenário dele perpassa por questões como a de fazer ressurgir suas palavras, deixando-as vivas e mostrando-as para as novas gerações. Ainda há quem ame Ilhéus, ainda há quem ame Amado e quer perpetuar a sua importância e cuidar de sua obra. Salve Jorge!

1 comentários:

  1. no espaço da Feira Literária, além do citado cabaré literário estava aconetecendo o Terreiro da Poesia... um espaço que DE FATO conseguiu movimentar o espaço da Feira Literária ao fazer um versão em menor escala do rock e poesia, onde 1 banda e 1 poeta se apresentavam, sempre as 18 horas, num espetáculo de som e de poesia.
    No domingo, dia 05/08 a abertura se deu com Banda MANZUÁ e a poeta DANIELA GALDINO, ambos de Itabuna.
    Segunda, dia 06, foi dia de MENDIGOS BLUES de Ilhéus e a poeta MÁRCIA TUDE, de Salvador. Na terça, foi a vez do grunge da banda INFECTED MINDS com o poeta RUBEM GARCIA, de Ilhéus. Na quarta o grupo CHORINHO BRASIL, de Ilhéus, com o poeta HEITOR BRASILEIRO, radicado em Ilhéus. Na quinta-feira o grupo ilheense IMPROVISO NORDESTINO e o itabunense PILIGRA deram conta da "ODISSÉIA DE JORGE AMADO". Sexta-feira tivemos a ilheense ENTTROPIA e o poeta GUSTAVO FELICÍSSIMO, curador do Terreiro de Poesia. Fechando com chave de ouro, na noite do sábado, dia 11/08, tivemos a poeta RITA SANTANA e o grupo afro DILAZENZE, de Ilhéus, além de TINA TUDE, de Salvador e os violeiros PAULO MORÃO e SÉRGIO DIAS.

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