sábado, 25 de agosto de 2012

Se botar na vitrine nem vai valer 1,99


Por Mariana Kaoos

Foto: Divulgação
Nunca tive o hábito de acompanhar uma telenovela do início ao fim. Ao contrário de seriados ou até mesmo filmes, as novelas exigem uma dedicação cotidiana, já que a sua estrutura é de ser exibida diariamente. Geralmente sua proposta é sempre igual, com suas fórmulas velhas e desgastadas. Seu núcleo melodramático gira em torno de uma história de amor, uma mocinha e uma vilã, que sabota o relacionamento da mocinha protagonista durante toda a trama. Depois de uma média de sete meses de sofrimento, finalmente o bem vence o mal, a vilã paga por todas as suas sabotagens(ou é presa ou morre) e a mocinha fica com o amado. Os fins de novela também são muito parecidos: é sempre um dia claro de sol e céu azul, todo o elenco que interpreta os personagens “bonzinhos” estão reunidos num grande almoço ou festa, brindando com champanhe e sorrindo bastante. A palavra, geralmente escrita com letras brancas, “FIM” aparece, os atores batem palmas e a novela se finda para ser ocupada por outra em seu lugar. É um ciclo vicioso.

Apesar da narrativa ser a mesma, a forma como ela é contada se diferencia de maneira abrupta a depender do horário em que a novela é apresentada. Seguindo a linha da Rede Globo (maior emissora que produz e exporta telenovelas no país) às 17h30min é exibida a eterna e cansativa Malhação, voltada para um público jovem, em sua maioria pré adolescente. Malhação além de entreter, parece querer educar. Em cada temporada ela aborda temas diferentes que surgem na vida dos jovens como drogas, homossexualidade, problemas familiares, sexo, dentre vários outros.  Logo em seguida, às 18horas, o foco parece ser “destinado” ao público feminino. Geralmente as tramas são de época e, visivelmente, o romance impera em todas. Nos últimos dois anos, a Globo inovou nesse horário, exibindo a novela “Cordel Encantado” que, como nenhuma outra, conseguiu prender o telespectador através da magia e da fantasia, com histórias de reis e princesas e a atual Amor Eterno Amor, de cunho espírita. Apesar de seguir uma doutrina religiosa, ela é bem aceita pelos diversos segmentos de público.

Na trama das 19h30min as novelas seguem tendenciosas pelo gênero da comédia. O romance ainda está presente, assim como a vilã, a mocinha e o galã, mas as estórias são mais leves e distraem o público de maneira descontraída. Nesse horário e no que é exibido nele, sempre há um personagem atrapalhado ou malandro, que se mete em diversas enrascadas e nunca consegue se “endireitar” (até o fim da novela, claro). Por fim, existem as novelas exibidas as 21h00min. Essas procuram ser mais diferenciadas. Geralmente impróprias para menores de 14/16 anos, as “novelas das nove” sempre contém um toque de erotismo e/ou violência. Nesse horário o núcleo principal é de classe média rica, o primeiro capitulo geralmente é gravado em algum outro país e o cenário, ao longo dos episódios , são exuberantes. A maioria das novelas se passam no eixo Rio-São Paulo. Sim, existe a presença de classes mais baixas e imagens de favelas e lugares não tão exuberantes assim, mas esse lado da trama sempre vem carregado de estereótipos e muitas vezes são taxados como ruins, perversos e perigosos. Para esse horário são escalados autores conceituados para escrever as tramas como Manoel Carlos, com sua forte característica de buscar retratar de forma real o cotidiano das pessoas (ricas?) como em Laços de Família, História de Amor, Mulheres Apaixonadas e Viver a Vida, e Gilberto Braga que sempre abusa do suspense em suas estórias como em Paraíso Tropical, Celebridade e Insensato Coração.

“mas a telenovela é a educação sentimental da classe média nacional...”*

Se as telenovelas perduram até hoje com elevados pontos no IBOPE é porque, de fato, elas buscam uma aproximação com o público e este de alguma forma se identifica com elas. Nesse ano de 2012, a Rede Globo, vem exibindo em horários de pico duas novelas em que, visivelmente, é abordado o cotidiano e ascensão de classes antes não exploradas na tevê, as classes D e E. Com Avenida Brasil às 21 horas e Cheias de Charme às 19h30min, a Globo vem garantindo publico através de investimento em estórias que vão desde o lixão e o dia a dia de bairros mais populares do Rio de Janeiro à vida de empregadas domésticas. Enquanto Avenida Brasil alcança elevadíssimos índices de audiência, mas expõe-se de maneira tensa e violenta a cada capítulo, Cheias de Charme também é sucesso nacional tendo no seu enredo a descontração como princípio e se tornando popular com o telespectador por ter como foco algo que provavelmente mova a maioria dos seres humanos: o alcance, a conquista dos sonhos e da celebridade.

Foto: Divulgação
Cheias de Charme possui como trama principal a história de três empregadas domésticas batalhadoras que acabam se conhecendo na delegacia, formando um grupo (as Empreguetes) e fazendo sucesso. Maria do Rosário, Maria da Penha e Maria Aparecida, interpretadas por Leandra Leal, Thaís Araújo e Isabelle Drummond, respectivamente, tem suas especificidades, características muito peculiares a cada uma, mas compactuam do mesmo principio: realizar seus sonhos, resolverem suas vidas amorosas e ajudar a todos que amam. Outros personagens significativos surgem causando forte impacto na novela como a cantora de eletroforró Chayenne (interpretada pela maravilhosa Cláudia Abreu) que se apresenta como a principal vilã de Cheias de Charme, mas acabou se tornando a personagem mais engraçada e popular. Trazendo uma visão do artista superficial e “fake” aparece Fabian (quem assume o papel é o ator Ricardo Tozzi), galanteador, de olhos azuis e pele bronzeada artificialmente. É cantor na novela, cheio de fãs, as quais ele chama de “bonitas” e apaixonado por Rosário.

Com a mínima, mas ainda assim, ascensão econômica das classes D e E, não só as telenovelas como também diversos outros programas da Rede Globo parecem vir se apropriando e conquistando esse segmento de público. Antes, em novelas exibidas nos três horários, empregado doméstico geralmente era negro, pobre e estático na sua condição social. Quando tinham ambição de conquistar algo a mais e “subir” de vida, se aliavam a algum vilão da trama e em seguida, também se davam mal. Quando não, eram bons, apaixonados e servis a seus patrões. A participação dessa classe na dramaturgia brasileira findava-se ai. Agora, a emissora parece ter enxergado o novo filão para alcançar audiência e novos públicos e, a meu ver, daqui por diante, vai explora-lo até ele também se desgastar.

Apesar de inserida numa emissora que manipula, se apropria e cria os gostos populares, Cheias de Charme acerta na narrativa, tornando as noites semanais engraçadas, como também reflexivas. É a comédia pastelão que agrada a família como um todo e que talvez devolva para ela o que a própria Globo, ao longo dos anos, tirou: essa coragem de sair da letargia e da posição social em que se está inserido e lutar pelos próprios sonhos.
  
*frase de jorge mautner na sua música Vida Cotidiana.


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