sexta-feira, 24 de agosto de 2012

“Boa arte em qualquer lugar, ela pega você!” - O Rebucetê Entrevista: Sonia Rangel

Por Lucas Oliveira Dantas


Sonia Rangel/ Foto: Divulgação
O espetáculo Protocolo Lunar surge a partir da pesquisa científica e trabalho do Grupo Os Imaginários, sediado na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (Ufba), e orientado pela Prof. Doutora em Artes Cênicas pela Ufba Sonia Rangel.No auge de seus quase 40 anos em cena, Sonia – acompanhada de seus colegas de produção Enjolras Matos [pronuncia-se “Anjorrá”] (co-diretor) e Yarassarath Lyra (atriz) – nos concedeu uma entrevista que transbordava a tranquilidade de quem tem mais experiência de vida e, portanto, muito a ensinar.

Esta lógica, inclusive, é a coluna vertebral da trama do espetáculo que, depois de uma bem sucedida turnê por diversas cidades do Brasil, se encerra em Vitória da Conquista. Desenvolvida a partir do intercâmbio de experiências de todo encontro entre jovem e velho, “Protocolo Lunar” é fruto de um intenso trabalho de ensino, pesquisa e extensão, passando pelas maravilhas e instabilidades do trabalho acadêmico, mas culminando no contato com diversos públicos e reações – todas tendo a emoção pela curiosidade do mundo como ponto comum.

O Rebucetê: O espetáculo “Protocolo Lunar” é descrito como “poesia de imagens” e o trabalho do grupo “Os Imaginários” é fruto de uma pesquisa teórica que recai justamente no universo da poesia e da ciência; fale-nos um pouco sobre esse processo de criação, como tais pesquisas sobre sonho, imaginação e criação se traduzem na peça.

Sonia Rangel: Esse campo ligado a imaginário, sonho e poesia, é um campo estético – parte da filosofia da arte, a Estética – que está muito vinculado às minhas preocupações de professora, artista. Então, isso chega até a sala de aula e de lá esse processo criativo, [Protocolo Lunar] especificamente, ganhou uma qualidade e visibilidade dentro do contexto de Salvador, e fora, e estamos até hoje nisso. É uma costura de muitos olhares e muitas demandas.

Tem um vínculo também que é interessante porque um poema que está usado na dramaturgia, faz parte do último livro que publiquei, no final do ano de 2009, chamado “O Olho Desarmado – Objeto Poético e Trajeto Criativo”. Este espetáculo, os temas que a gente trata nele – essa relação poesia, ciência, olhar o céu e ter curiosidade sobre as coisas do mundo – deriva, um pouco, desse livro. Então, é um ciclo que, além de agregar muitos criadores, é essa conjugação de pessoas, lugares, desejos que faz com que o espetáculo [seja] uma arte que quando dá certo é uma beleza, mas não é fácil de dar certo.

OR: Você diz isso por conta dos meandros da pesquisa e os direcionamentos que podem se tomar?

SR: Nem é tanto pelos meandros da pesquisa, mas é por essa instabilidade de você não ter a certeza de que você vai ter o financiamento. [...] Você lida com essas circunstâncias contingenciais da vida das pessoas e da vida cultural, da cidade, do país. Então, às vezes uma série de fatores, magicamente – entre aspas porque tem muito trabalho por traz! –, se junta e dá certo alguma coisa. Então, esse “dar certo” é sempre um jogo no escuro, é sempre um passo sobre o abismo. Às vezes, você cai num lugar muito bonito como é esse momento que a gente tá atravessando agora: não é o primeiro espetáculo do grupo e, também, este [grupo] não é o mesmo, nesses anos de conjugação, estabilidade e instabilidade que estão conectadas nesse lugar que a gente atua.

Protocolo Luna/ Foto: Divulgação
OR: A história de “Protocolo Lunar” se desenvolve a partir do encontro entre uma menina – e sua sede de conhecimento – e uma velha – com sua bagagem de vida. Por que este encontro de gerações é o ponto inicial da trama?

SR: Talvez porque a senhora – mais jovem – que está aqui na sua frente [risos]… quando a gente vai chegando numa certa idade, vai ficando mais menino, vai se interessando por isso; talvez porque essa temática da criança é retomada, ela já fez parte dos meus escritos, da minha pintura e outros meios expressivos que trabalho, mas isso reapareceu forte no livro “O Olho Desarmado” […] e é um pouco também… a maior parte dos meninos que estão no grupo vem da licenciatura, então tem esse vínculo com a arte enquanto processo educativo. Quer dizer, o arquétipo mais comum de conhecimento é essa conversa entre quem está terminando a vida e começando a vida.

OR: Mesmo com uma linha de trama que abrange todos os públicos, a peça é destinada ao público infanto-juvenil? Por que ele, qual a importância de fomentar o teatro neste nicho específico?

SR: É engraçado porque a gente se viu trabalhando com esse público, porque a questão do teatro de animação e boneco tem esse vínculo muito próximo, mas o texto não faz concessão. Em nenhum momento a gente pensou “vamos fazer uma coisa dessa forma para que a criança perceba, entenda.” Tem coisas no texto, inclusive, que são adultas – que são palavras, sentimentos, relações para um adulto entender –, mas que para a criança, também, cria uma curiosidade, ela vai atrás disso. Quer dizer, o texto não subestima nem a inteligência, nem a sensibilidade da criança. Então, ele cai num lugar que é aberto. É o tema da infância e da velhice em qualquer idade e momento da vida.

OR: A senhora acha que é importante, as produções voltadas para o público infantil terem essa perspectiva de não fazer concessões?

SR: Não sei… essa é a opção da gente, a que a gente está afirmando. A gente não pensou “vamos pesquisar uma linguagem para tratar do universo da criança”. Eu acho que, às vezes, o adulto subestima muito a criança; o entendimento dela, a lógica, o que ela sente – criança não tem problema, não pensa, não sabe das coisas; participa pouco, às vezes, de um universo que ela já entende. Eu acho que há um lugar de subestimar.
Eu penso que a medida dessa relação com a criança deve ser também por temas da vida, do geral das coisas, o brincar com o conhecimento do mundo, o ter curiosidade pelo mundo… é algo que é a vida toda, não é só a criança. E ela, às vezes, é subestimada – no sentido da sua própria inteligência – em determinadas produções. Agora, existem formas e formas de se fazer – não estou dizendo que a minha é a melhor e nem é a única. De alguma forma, é o lugar que a gente acabou chegando como forma de trabalho.
Boa arte em qualquer lugar, ela pega você! Uma coisa boa de ouvir, de ver. Não precisa ser datado.

OR: A peça também é descrita como “uma aventura compartilhada entre palco e plateia” e a temporada passou por diversos lugares do Brasil. Como, ao longo da turnê, se desenvolve esta “aventura”; conte-nos histórias sobre esta relação.

Protocolo Lunar/ Foto: Divulgação
Yarassarath: É interessante que uma coisa comum é o encantamento que a plateia tem com a linguagem, com a atmosfera que o espetáculo promove. [...]  O interessante também é como chega, nas crianças, a curiosidade que a criança tem de saber como se move... a parte técnica. Teve uma pergunta fantástica de uma menina: “como foi que nasceu essa história?” Quer dizer, ela acompanhou [a trama]. E outro “que espécie de música é essa?”… quer dizer, é um espetáculo que provoca.

Enjolras: E teve um espetáculo que um menino, de uns 12 anos, chorou o espetáculo todo e, no final, ele pediu se podia abraçar, fazer foto com a atriz. Mas ele se emocionou com espetáculo; é um trabalho que encanta muito os adultos também.

OR: Qual o sentimentos de vocês, enquanto equipe, de estar em contato com essas reações do público?

Y: É maravilhoso! Você está terminando o espetáculo, fazendo os agradecimentos, e a pessoa ali na plateia louca pra falar com você, pulando de lá, querendo falar com você. É muito bom você ter essa recepção. Isso é muito interessante porque provoca!

SR: Muitas pessoas depois mandam mensagens, contando suas reações ao espetáculo, dizendo porque foi importante, ou se reconhecendo em circunstâncias, reativando a criança – dando vontade também de fazer poesia.

E: Também tem muito da nostalgia, quando o velho vê a história causa essa nostalgia.

OR: Por fim, na Bahia e no Brasil há uma evidente disparidade na circulação da produção artística; a música acaba sendo mais facilmente disseminada, não somente pela iniciativa privada, mas também pela participação do incentivo público nos eventos fomentados no estado. Como a senhora pensa, analisa, as políticas públicas para a cultura na Bahia, especialmente para a circulação teatral?

SR: Olha, eu não posso me queixar. Estou exatamente usufruindo de uma política pública. Esse grupo não teria a menor condição de fazer o que está fazendo se não fosse ao âmbito desse acordo. Todos no grupo temos a sobrevivência garantida por outras fontes; ninguém sobrevive do teatro, mas faz teatro – esse profissionalismo que é mais pela paixão do que ser remunerado por aquilo. E então, acho que há [necessidade] desse lugar de apoiar o artista que está em formação e egresso de escola, tentando se firmar.

Eu penso que na hora em que muitas coisas se multiplicam, como se ampliaram as extensões, atingindo lugares e regiões e grupos que antes não se atingia, quando você amplia, possivelmente, ocorre o percentual de que, em algum momento, aquilo falhe. Mas, no teatro – especialmente lá em Salvador – você vê um movimento dos grupos se organizando, se cooperativando, se firmando e multiplicando profissionalmente; como você vê também políticas públicas tentando atingir esses grupos. É impossível num país como o nosso, a cultura em qualquer ramo, sobreviver sem a presença do Estado.

***
Protocolo Lunar está em cartaz hoje [24] e amanhã [25] no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima – com duas sessões diárias: às 16h e depois às 20h. Ingressos podem ser comprados na Sede do Coletivo Suíça Bahiana, no Viela Sebo-Café. Hoje às 17h30 bate-papo com a autora, Sonia Rangel. Amanhã – das 9h às 13h – haverá oficina de teatro de animação. Ambos os eventos no Centro de Cultura.

0 comentários:

Postar um comentário