quinta-feira, 16 de agosto de 2012

“Contra infames com dentes a rir e fazer o matuto chorar” – O Rebucetê entrevista: Banda Mucambo

Por Thaís Pimenta


Foto: Divulgação
Encontrar local para ensaiar, para eles sempre foi uma “pedra no sapato”. Um bando de estudantes sem dinheiro, “sem moral”, mas com muita vontade de tocar.  Um dia o ensaio era na casa de um, outro dia na casa de outro, testando a fusão de ritmos diferentes e a paciência dos vizinhos. Foi assim que se deram os primeiros passos da banda Mucambo, formada por Beto (vocal), Junior Figueiredo (guitarra), Maurício Chaves (contra-baixo), Binho (bateria), Márcio (percussão), Lucas Ribas (sopro-madeira). Da cidade de Macaúbas no interior da Bahia e juntos desde 2005, a banda traz um rock pesado, que lembra Nação Zumbi, mas se torna original e singular ao agregar elementos do Baião e Maracatu, com a Alfaia, a Caixa e o Agogô, e ainda elementos dos reisados, com a introdução da flauta, gaita e pífano.


As letras de suas músicas, cantadas pelo grave seco e áspero do vocalista Beto, buscam expressar “a insatisfação e indignação de um povo, uma reflexão sobre o homem do nordeste e sua intensa luta transformadora no espaço”, como afirmam a própria banda. Os “mascotes” da banda, a ossada de uma vaca e um urubu, que compõe o cenário de seus shows, também traz essa simbologia ligada à seca, ao agreste, à resistência, à morte.  Em dias de ensaio, a ossada e o urubu compõe a decoração da “sede” improvisada da banda, que conta também como adereço uma espécie de filtro dos sonhos de couro e um berimbau. Pendurados lado a lado, dividem espaço com as caixas de ovo que espalhadas pelas paredes, são usadas para isolar o som, na tentativa de evitar as reclamações da vizinhança.

A cidade natal da banda Mucambo, Macaúbas, traz uma forte tradição musical, porém bastante atrelada ao forró, fato esse que lhe concedeu adjetivo de capital deste ritmo. Por ser uma banda que rompe com padrões e expectativas locais, a Mucambo quase não realiza apresentações em sua própria cidade. Por outro lado, tem grande aceitação nas cidades do centro-oeste e sudoeste da Bahia. Em Vitória da Conquista, por exemplo, a banda já contabiliza cinco apresentações. Recentemente, Mucambo teve uma mostra dessa repercussão em outras cidades, inscrita no concurso de banda de garagem do Festival de Inverno Bahia (FIB), ficaram na segunda colocação, totalizando 16.818 votos, superada apenas pela Quasarium com 18.124 votos. Classificada para segunda fase, esperam a audição final, quando será escolhida a banda que se apresentará no palco principal do FIB.

Mucambo abriu as portas de sua sede a'O Rebucetê. E, durante um dos seus ensaios, entre uma música e outra, contaram um pouco de sua história, projetos, a repercussão do concurso do FIB e, aproveitando o ano eleitoral, falou sobre as políticas públicas para cultura em Macaúbas.

O Rebucetê: Macaúbas traz uma forte tradição musical ligada ao forró, mas a Banda Mucambo rompe com isso cantando rock. Como vocês tiveram contato com influências de outros ritmos? Como é enfrentar essa tradição cultural da cidade?

Banda Mucambo: A primeira ideia de Rock’n Roll que tivemos foi com as fitinhas cassetes, um vinilzinho aqui, outro ali. Aqui na cidade não tínhamos acesso a nada, em uma época que eram poucos que tinham acesso a internet. Nossos colegas que vinham de fora traziam pra gente uma fita, saímos reproduzindo-a e aos poucos foi se formado uma espécie de grupo que gostava de rock.  E enfrentar essa tradição toda de forró foi um desafio muito grande, tanto é que quase não fazemos apresentações (na cidade). São quase dez anos na resistência pra não virar uma banda de baile. Vamos nos aperfeiçoando, é claro,  mas sem perder nossa característica, não vamos mudar pra ser uma banda de “tchá, tchá, tchá”. Nosso objetivo é segurar essa bola, temos a cabeça muito boa, somos bem esclarecidos musicalmente, então seguramos ao máximo pra não deixar cair nessa de modismo.

Foto: Divulgação
OR: Agora conta para mim como foi que a vaca e o urubu entraram pra banda? (risos)

Beto, vocalista: A vaca entrou primeiro do que todo mundo! (risos) Ela faz parte de um trabalho que expus em uma galeria em Salvador. E foi o próprio Mamá (Maurício Chaves, baixista) que processou ela. Depois da exposição, nos apropriamos dela como símbolo da banda. Nada mais rasteiro do que esse esqueleto, símbolo da morte, da necessidade.

Mamá: E agora temos o urubu também. Ele não tem a mesma estética da vaca, ela é original, foi catada peça a peça, eu e o Beto fomos à roça buscamos todas as peças, teve todo processo de limpeza, esterilização. Com o passar do tempo surgiu a necessidade de criar um diálogo da vaca com outro ser do sertão, e nada melhor do que a figura do urubu.  Há aquele velho ditado que o cavalo morreu para o bem do urubu, então, nós temos aqui uma vaca morta e um urubu vivo. A vaca simboliza a morte e o urubu também, porque se não existir algo morto ele não vive, e assim vai a filosofia do Mucambo... ( risos)

OR: Vocês trazem forte influência também de Luiz Gonzaga, e esse ano em comemoração ao seu centenário, vocês estão ensaiando para uma apresentação, ainda sem data definida, que mescla músicas do Rei do Baião com as músicas do Mucambo. Qual a relação da banda com as músicas de Gonzaga? Qual o grande desafio dessa apresentação?

Mamá: É difícil encontrar aqui algum de nós que não tenha a discografia de Gonzaga em casa, ele sempre foi uma influência muito presente pra gente...

Beto: Lembro-me que quando frequentávamos a praça da cidade sem intenção de bebida, namoro, íamos lá só pra curtir e escutar Luiz Gonzaga. Hoje é que o negocio tá meio perdido, forró eletrônico e tal, mas nossa criação foi escutar Gonzaga na praça, na rua, em casa.

Mamá: E trabalhar com música de Luiz Gonzaga é um responsabilidade muito grande. Quando você começa a tocar uma musica dele não há um filho de Deus que não conheça. Então você vai lá fazer um trabalho de Gonzaga mal feito, isso vai ter uma repercussão extremamente negativa. Suas músicas têm uma métrica muito voltada pro forró, é o que estamos discutindo com Binho, o baterista, ele está sentido dificuldade de transformar novas levadas, se reproduzirmos igual fica aquela coisa de pura e simples reprodução e o queremos fazer é uma releitura. Não é homenagear por homenagear, “ Ah, vou tocar Gonzaga porque tá na moda!”. Queremos tocar suas músicas porque é esse universo que vivemos, Gonzaga representa muito bem nossos anseios e suas letras representam nossa vontade.

OR: No concurso banda de garagem do FIB,  Mucambo ficou na segunda colocação. Vocês esperavam essa mobilização dos fãs? E se passarem pela fase de audição, o que esperam dessa apresentação?

Mamá: Foi bastante surpreendente. Quando fizemos a inscrição não tínhamos noção da proporção que isso podia ter. E foi aos poucos, 10 votos, 100 votos, 1.000 votos, e foi ganhando uma dimensão que começamos a perceber a abrangência que o nosso som tem em outras cidades.

Beto: E assim, se caso passarmos vamos tentar aproveitar ao máximo e, a partir de então, procurar cada vez mais, porque queira ou não todos os olhares estarão voltados pra lá. Apesar de ser apenas 40 minutos de apresentação, vamos procurar fazer muito bem feito e fazer disso um divisor de águas na história da banda.

OR: Quero que vocês, enquanto artistas da cidade, façam uma pequena avaliação das políticas públicas para cultura em Macaúbas.

Mamá: Em minha opinião, eu acho muito pouco o incentivo e políticas voltadas pra isso. Não só na questão musical, mas para as manifestações artísticas como um todo. A cidade é muito carente nesse aspecto. A cidade tem muitos artesões, escultores, e não há um espaço cultural onde possam divulgar e/ou vender esse trabalho. E vale lembrar que o macaubense em si não busca frequentar os movimentos artísticos, quando há alguns desses eventos por aqui, eles são pouco visitados. Há uma resistência muito grande do próprio cidadão e, por isso, não podemos apontar só o poder público.

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