terça-feira, 21 de agosto de 2012

Canto somente o que não pode mais se calar - O Rebucetê Entrevista: Ramanaia

Por Mariana Kaoos/


Ramanaia/ Foto: Luiza Audaz
Logo quando vim morar aqui na cidade de Vitória da Conquista, em 2003, sempre observava pelas ruas inúmeras pessoas vestidas com uma blusa preta com a foto de Janis Joplin estampada e logo acima, em vermelho, os escritos “Agosto de Rock”*. Essas pessoas, em sua maioria, tinham outros traços em comum. Usavam tênis all star, fumavam cigarro, eram cabeludos, transitavam por lugares como a “praça da normal” **, o bar Paraki, a “rinha de galo” onde se jogava sinuca e o bar Encontro que na época vendia uma cachaça chamada Cearense a R$1,00. Essas pessoas, muitas vezes, tinham em comum o mesmo gosto musical e compunham o então chamado cenário alternativo da cidade.

Festivais de música alternativa (agregando o rock, reggae, música eletrônica) como o Fest Rock, Agosto de Rock e Rock Vertente aconteciam com certa frequência na cidade. Aos domingos, também era comum encontrar milhares de pessoas reunidas na porta da concha acústica do Centro de Cultura esperando os seguranças abrirem as grades para os shows que sempre aconteciam por lá. Bandas como Sorrow's Embrace, Paralips, Ardefeto, Ganga Zumba, Adarrum, Seres do Reggae, 0800, eram grandes conhecidas na cidade. Explosões de produções artísticas eram constante também em outros segmentos como o teatro. Conquista fervia. A cultura local era consumida dentro da própria cidade e o cenário alternativo, entre trancos e barrancos, parecia sobreviver de si mesmo e do seu público.

Os anos se passaram, os espaços que sediavam esses shows foram fechando e, os ainda existentes se tornando cada vez mais precários. Os músicos que tocavam nas bandas locais precisaram procurar outras formas de sobrevivência, trabalhando fora e tendo menos tempo para o som. Várias bandas acabaram, festivais alternativos cessaram e por certo tempo, o cenário pareceu estar morto.

Em janeiro de 2010, surgiu então o Coletivo Suíça Baiana, atrelado a rede Fora do Eixo, que existe em todo o Brasil. Com o intuito de oferecer opções culturais dentro da cidade, o Suíça vem promovendo desde então alguns festivais, bem como noites fora do eixo, que acontecem nas quintas e sextas feiras, no Viela Sebo Café. Nessa ultima sexta, 17 de agosto, foi a vez das bandas Scambo e Ramanaia se apresentarem.

Sobrevivendo ao longo de seis anos em meio a todas as dificuldades que Conquista vem oferecendo, a banda Ramanaia, composta pelos músicos mais conhecidos como Marcelão, Moura Brown, Melch, Uiá e Felipão, oferece ao publico um som autoral como tambem novas versões de artistas como Bob Marley, Luiz Melodia e S.O.J.A. Em entrevista para O Rebucetê, os meninos falaram um pouco das dificuldades de se manterem sobrevivendo artisticamente e de politicas publicas voltadas para a cultura. Confiram.

Mariana Kaoos: Sabe-se que Vitória da Conquista sempre teve um cenário alternativo muito intenso mas que isso vem morrendo de alguns anos para cá. Queria que vocês traçassem um panorama desse cenário, já que estão inseridos nele há mais ou menos dez anos.

Ramanaia/ Foto: Luiza Audaz
Felipe: Aqui em Vitória da Conquista temos “o cenário alternativo” que começou no final da década de 90 com o “Agosto de Rock*”. Naquela época as bandas eram muitas e o público acompanhava todos os shows. De repente o rock subiu, chegou no estopim e deu uma defasada. Foi quando iniciou-se o período do xote-reggae. As mesmas bandas de rock começaram a formar outras bandas. Em seguida veio apenas o reggae com as bandas Impisa Roots, Ganga Zumba, Malanas, Adarrum, Seres do Reggae, etc. Tivemos umas seis bandas e todas acabaram. Logo depois veio a cena rave ainda do mesmo grupo. Quem curtiu o rock, o xote reggae, o  reggae, foi pra curtir a rave. A policia federal veio, deu uma pegada por conta das drogas. Então acabou-se a rave e ficou um buraco por um tempo. Por fim, veio o ragga, que é o que vem tomando as noites conquistenses. Os meninos do Complexo Ragga e todos os outros mc’s tem feito um trabalho muito bom e acho que o Ramanaia entra ai também, porque na verdade nós não morremos. Das bandas antigas, as únicas que permaneceram ao longo desse tempo todo foi a Cinco Contra Um, Cama de Jornal e a gente, só que com outro nome. A cena alternativa na cidade hoje está fraca, precária. Você toca no viela porque é o único lugar que temos no momento, mas acabou. O cenário alternativo de Conquista é tão fraco que se resume ao Fora do Eixo, que nem é mais tão alternativo assim. Eles viraram completamente comerciais e pouco limitados. A cena alternativa de conquista acabou. Só o som continua alternativo e olhe lá.

Marcelão: Existe a questão de apoio e tudo mais. O termo “alternativo” sugere que é o que anda com as próprias pernas, é a cena que não tem apoio, que está paralela a cultura de massa, dos eventos de massa com apoio financeiro e etc. Há dois ou três anos, existiam espaços que eram cedidos para a cultura alternativa. Hoje, todos esses espaços fecharam.

Mariana Kaoos: Como a Ramanaia faz pra sobreviver aqui e difundir a cultura do reggae na cidade?

Marcelão: Acredito que em nós existe muito presente a questão da amizade. Convivemos há anos, isso faz com que a gente sobreviva. Investimos na banda, mesmo que não seja grande, há um investimento que tiramos do nosso bolso. A gente sobrevive por conta do gostar, do querer, da nossa vontade. E a resposta do público também contribui, a gente vê que o pessoal gosta e isso nos estimula a seguir em frente mesmo com todas essas dificuldades de espaço, investimento e etc.

Felipão: Quando você pergunta como a Ramanaia faz para sobreviver, a resposta é básica e simples: não sobrevive. A gente não sobrevive de musica. A Ramanaia está tocando pela primeira vez esse ano em Conquista, dia 17 de agosto, com Scambo. Uma banda que era para estar tocando aqui uma vez ao mês pelo menos. É questão de espaço mesmo. A Ramanaia poderia tocar no viela, mas olha a concorrência para tocar aqui. Todas as bandas de Conquista tem que tocar aqui porque não tem mais lugar. Não é mais uma opção tocar aqui, é a única. A gente sempre vai tocar porque gostamos. Está mais do que claro em nossa mente que pode passar 30 anos e estaremos tocando. Se um dia a banda der certo e entrar mesmo no mercado, ótimo! Largamos tudo pra sobreviver disso, se não, fico feliz também por aqui.

Mariana Kaoos: Esse ano é um ano eleitoral e tempo de reflexões a respeito das políticas da cidade. Vocês enquanto artistas acreditam que o que é necessário para se implantar dentro das políticas publicas para cultura?

Uiá: Eu acho que a gente precisa primeiro descentralizar. Há muito tempo não existe interior, a questão da hierarquia urbana tem que cair por terra. Primeiramente descentralizar as politicas públicas. A Funceb, que são os fomentadores da cultura na Bahia, centraliza muito a cultura a partir de Salvador. Isso é questão histórica, secular. Desde as capitanias da Bahia, tudo o que está em torno dela, o que é interior, depende dela. Desde o sec XVIII e reflete até hoje. A maioria do fomento vai pra capital, isso é a primeira coisa que precisa se quebrar. É preciso fazer o poder público entender que o interior também produz cultura e depende de nós cobrar, ocupar espaços. Politicamente não existem espaços vazios, existem espaços que devem ser ocupados. Aqui em Vitória da Conquista já tem uma iniciativa boa que é o Suíça Bahiana, o Fora do Eixo. Os meninos estavam falando que é uma questão capitalista, mas pra além disso é um núcleo de ocupação de espaço, de ver os projetos, pleitear e acabou. Não importa se esses projetos são feitos num ambiente que da pra 100, 300 pessoas, se é cobrado 20 reais pra entrar. Não é a historia que eu queria ver, mas há dez anos a gente não tinha essa abertura. Ninguém pensava em pleitear um projeto na Funceb, em pedir financiamento da Conexão Vivo ou qualquer empresa que seja. O que importa é a iniciativa, é uma coisa que pra mim é básica, fundamental e tem mudado aos pouquinhos. A gente também tem que conseguir dar continuidade a isso, sobreviver. A nossa conversa foi em torno da sobrevivência e não da existência. Existir a gente vai existir sempre, é uma questão natural das coisas, mas a gente tem que conseguir permanecer.  Estávamos há mais de seis meses sem ensaiar e eu vim e Felipe também por uma questão de sobrevivência no espaço. É isso que temos que pensar, temos essa possibilidade, é viável.

Mariana Kaoos: Além de músicos vocês são artistas que influenciam na cultura de Vitória da  Conquista. O que vocês, enquanto tais, pretendem fazer para que o cenário alternativo sobreviva na cidade?

Felipão: É complicado falar assim porque é a coisa da formiguinha, de cada um fazer sua parte. É pouco, mas é isso por enquanto, não desaparecer, continuar existindo, tocando, fazer o que for possível e expandir. A gente tinha um objetivo grande de sair da Bahia esse ano, tentar outros mercados pra ver ate que ponto a gente consegue ir. E temos a convicção plena de que quando uma banda daqui alavancar, todas as outras também sobem. Achei que isso fosse acontecer com Antonio Brother. Não é querer pongar em ninguém, é subir todo mundo junto. O olhar do povo muda, do público, do empresário, dos investidores.

Marcelão: Não adianta fazer trabalho individual. Tem que ser partes integradas, elas que vão formar um todo muito maior. Tem tantas potencialidades aqui em Conquista, tanto no Blues, como no Reggae, Rock, Ragga, Chorinho. Eu vejo uma riqueza enorme aqui dentro, mas falta essas partes se integrarem pra subir, junto a gente vai muito mais LONGE. O pessoal do Blues faz um ótimo trabalho, mas essa junção é precisa. Faltam projetos que fortaleçam isso. A qualidade é demais. Tem o Distintivo Blues também com um som muito bom, muita gente aqui com trabalhos autorais incríveis. Tem que expandir, não ser só Conquista, mas a região sudoeste como um todo. Eu vejo o Fora do Eixo como positivo, importante, mas não era SÓ isso que eu queria ver, mas eu vejo sim com bons olhos, ate porque é melhor acontecer alguma coisa do que não acontecer nada. Mas eles ainda limitam essa busca, dá pra ampliar. Essa coisa, integrar, isso é importante. Por exemplo, a gente poderia produzir um belo DVD das riquezas musicais de conquista com seus estilos diferenciados. Mas não existe isso. Um pensa, outro com certeza está pensando também, mas falta chegar e fazer um projeto e correr atrás. Os empresários tem grana para investir, falta realmente ideias que se unam e não sejam projetos só para valorizar determinado grupo, mas a cultura como um todo.

*Festival de banda alternativa que teve três edições na cidade.
**Praça Guadalajara

1 comentários:

  1. Fiz algumas reflexões em cima do que foi levantado por Mariana Kaoos e pelos integrantes da banda:

    1)"A cena de Vitória da Conquista está morrendo"

    Qual cena está morta? Vejo bandas gravando seus EP's e álbuns, fazendo tournê pelo Nordeste e pelo Brasil. Bandas que correm atrás, que circulam, que tocam na cidade e na região e não ficam senta esperando uma cena ideal se configurar. Como disse Rogério Big Bross pra esse mesmo blog: "Banda que não circula,não forma público".

    No entanto, concordo que o espaço físico para shows seja escasso, o Viela não é suficiente, nem pro público (antes pequeno) que procura uma alternativa diferente. Isso dificulta a circulação da banda dentro da própria cidade, a formação de público local fica comprometida. Mas o fato de ter fila de bandas para tocar no bar só nos mostra que existe uma cena muito forte sim.

    2) "Alternativa é a cena que não tem apoio"
    Porque quando entra grana a coisa é sempre demonizada? Deixa-se de ser alternativo quando
    o dinheiro começa a entrar e circular na cena? Apoios culturais e inscrições em editais descaracterizam o perfil da banda/coletivo/circuito?

    E outra, festivais gratuítos ou com preços acessíveis acontecendo a todo momento em Vitória da Conquista, como o da Juventude, Grito Rock, Rock Cordel (os que abraçaram a produção local só nesse ano).

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