Por
Mariana Kaoos
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Nunca
tive o hábito de acompanhar uma telenovela do início ao fim. Ao contrário de
seriados ou até mesmo filmes, as novelas exigem uma dedicação cotidiana, já que
a sua estrutura é de ser exibida diariamente. Geralmente sua proposta é sempre
igual, com suas fórmulas velhas e desgastadas.
Seu núcleo melodramático gira em torno de uma história de amor, uma mocinha e
uma vilã, que sabota o relacionamento da mocinha protagonista durante toda a
trama. Depois de uma média de sete meses de sofrimento, finalmente o bem vence
o mal, a vilã paga por todas as suas sabotagens(ou é presa ou morre) e a
mocinha fica com o amado. Os fins de novela também são muito parecidos: é
sempre um dia claro de sol e céu azul, todo o elenco que interpreta os personagens
“bonzinhos” estão reunidos num grande almoço ou festa, brindando com champanhe
e sorrindo bastante. A palavra, geralmente escrita com letras brancas, “FIM”
aparece, os atores batem palmas e a novela se finda para ser ocupada por outra
em seu lugar. É um ciclo vicioso.
Apesar
da narrativa ser a mesma, a forma como ela é contada se diferencia de maneira
abrupta a depender do horário em que a novela é apresentada. Seguindo a linha
da Rede Globo (maior emissora que produz e exporta telenovelas no país) às
17h30min é exibida a eterna e cansativa Malhação, voltada para um público
jovem, em sua maioria pré adolescente. Malhação além de entreter, parece querer
educar. Em cada temporada ela aborda temas diferentes que surgem na vida dos
jovens como drogas, homossexualidade, problemas familiares, sexo, dentre vários
outros. Logo em seguida, às 18horas, o
foco parece ser “destinado” ao público feminino. Geralmente as tramas são de
época e, visivelmente, o romance impera em todas. Nos últimos dois anos, a
Globo inovou nesse horário, exibindo a novela “Cordel Encantado” que, como
nenhuma outra, conseguiu prender o telespectador através da magia e da
fantasia, com histórias de reis e princesas e a atual Amor Eterno Amor, de
cunho espírita. Apesar de seguir uma doutrina religiosa, ela é bem aceita pelos
diversos segmentos de público.
Na
trama das 19h30min as novelas seguem tendenciosas pelo gênero da comédia. O
romance ainda está presente, assim como a vilã, a mocinha e o galã, mas as
estórias são mais leves e distraem o público de maneira descontraída. Nesse
horário e no que é exibido nele, sempre há um personagem atrapalhado ou
malandro, que se mete em diversas enrascadas e nunca consegue se “endireitar”
(até o fim da novela, claro). Por fim, existem as novelas exibidas as 21h00min.
Essas procuram ser mais diferenciadas. Geralmente impróprias para menores de
14/16 anos, as “novelas das nove” sempre contém um toque de erotismo e/ou
violência. Nesse horário o núcleo principal é de classe média rica, o primeiro
capitulo geralmente é gravado em algum outro país e o cenário, ao longo dos
episódios , são exuberantes. A maioria das novelas se passam no eixo Rio-São
Paulo. Sim, existe a presença de classes mais baixas e imagens de favelas e
lugares não tão exuberantes assim, mas esse lado da trama sempre vem carregado
de estereótipos e muitas vezes são taxados como ruins, perversos e perigosos.
Para esse horário são escalados autores conceituados para escrever as tramas
como Manoel Carlos, com sua forte característica de buscar retratar de forma
real o cotidiano das pessoas (ricas?) como em Laços de Família, História de
Amor, Mulheres Apaixonadas e Viver a Vida, e Gilberto Braga que sempre abusa do
suspense em suas estórias como em Paraíso Tropical, Celebridade e Insensato Coração.
“mas
a telenovela é a educação sentimental da classe média nacional...”*
Se
as telenovelas perduram até hoje com elevados pontos no IBOPE é porque, de
fato, elas buscam uma aproximação com o público e este de alguma forma se
identifica com elas. Nesse ano de 2012, a Rede Globo, vem exibindo em horários
de pico duas novelas em que, visivelmente, é abordado o cotidiano e ascensão de
classes antes não exploradas na tevê, as classes D e E. Com Avenida Brasil às
21 horas e Cheias de Charme às 19h30min, a Globo vem garantindo publico através
de investimento em estórias que vão desde o lixão e o dia a dia de bairros mais
populares do Rio de Janeiro à vida de empregadas domésticas. Enquanto Avenida
Brasil alcança elevadíssimos índices de audiência, mas expõe-se de maneira
tensa e violenta a cada capítulo, Cheias de Charme também é sucesso nacional
tendo no seu enredo a descontração como princípio e se tornando popular com o
telespectador por ter como foco algo que provavelmente mova a maioria dos seres
humanos: o alcance, a conquista dos sonhos e da celebridade.
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Cheias
de Charme possui como trama principal a história de três empregadas domésticas
batalhadoras que acabam se conhecendo na delegacia, formando um grupo (as
Empreguetes) e fazendo sucesso. Maria do Rosário, Maria da Penha e Maria
Aparecida, interpretadas por Leandra Leal, Thaís Araújo e Isabelle Drummond,
respectivamente, tem suas especificidades, características muito peculiares a
cada uma, mas compactuam do mesmo principio: realizar seus sonhos, resolverem
suas vidas amorosas e ajudar a todos que amam. Outros personagens
significativos surgem causando forte impacto na novela como a cantora de
eletroforró Chayenne (interpretada pela maravilhosa Cláudia Abreu) que se
apresenta como a principal vilã de Cheias de Charme, mas acabou se tornando a
personagem mais engraçada e popular. Trazendo uma visão do artista superficial
e “fake” aparece Fabian (quem assume o papel é o ator Ricardo Tozzi),
galanteador, de olhos azuis e pele bronzeada artificialmente. É cantor na
novela, cheio de fãs, as quais ele chama de “bonitas” e apaixonado por Rosário.
Com
a mínima, mas ainda assim, ascensão econômica das classes D e E, não só as
telenovelas como também diversos outros programas da Rede Globo parecem vir se
apropriando e conquistando esse segmento de público. Antes, em novelas exibidas
nos três horários, empregado doméstico geralmente era negro, pobre e estático
na sua condição social. Quando tinham ambição de conquistar algo a mais e
“subir” de vida, se aliavam a algum vilão da trama e em seguida, também se
davam mal. Quando não, eram bons, apaixonados e servis a seus patrões. A
participação dessa classe na dramaturgia brasileira findava-se ai. Agora, a
emissora parece ter enxergado o novo filão para alcançar audiência e novos
públicos e, a meu ver, daqui por diante, vai explora-lo até ele também se
desgastar.
Apesar
de inserida numa emissora que manipula, se apropria e cria os gostos populares,
Cheias de Charme acerta na narrativa, tornando as noites semanais engraçadas,
como também reflexivas. É a comédia pastelão que agrada a família como um todo
e que talvez devolva para ela o que a própria Globo, ao longo dos anos, tirou:
essa coragem de sair da letargia e da posição social em que se está inserido e
lutar pelos próprios sonhos.
*frase de jorge mautner na sua
música Vida Cotidiana.
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