Da Redação
Marcos Mitidiero. Foto: Arquivo Pessoal |
A sétima arte como instrumento de transformação social encontra-se distante das grandes telas comerciais, mas se mantém viva em festivais, mostras e eventos afins como o Festival do Rio, Festival de Cinema Latino-Amerciano de São Paulo, por exemplo. Em Vitória da Conquista, o evento intitulado “1º de maio no cinema”, ocorrido recentemente, trouxe a exibição de filmes e documentários como “Terra e Liberdade”;“A Revolução dos Cocos”; “O Dia em que Dorival Encarou o Guarda” e “O Carteiro”. Os chamados “filmes militantes”, por vezes produzidos de forma independente, buscam trazer roteiros bem elaborados, engajados politicamente, utilizando da arte para um fim social, participando da construção da consciência do povo.
Produções relativamente afastadas dos modelos comerciais - diferente dos modelos americanos - causam estranhamento ao grande público. Mas por que isso acontece? O cinema pode ser instrumento de transformação social? Em entrevista ao O Rebucetê, Marcos Mitidiero, Prof Dr. da Universidade Federal da Paraíba (UFPA) e pesquisador das relações do estado e capital, respondeu tais questionamentos, falou sobre o resgate histórico que o cinema faz, e ainda comentou sobre o momento transformação das ações de contestação, protesto e revolução que estamos vivendo. O resultado desse bate-papo você confere agora:
O Rebucetê: Você acredita que o cinema consiga transformar a mentalidade social? Caso consiga, por quê?
Marcos Mitidiero: Acredito sim, embora seja muito difícil influenciar grandes transformações em uma realidade cultural como a brasileira. Penso que as pessoas estão se afastando cada vez mais da possibilidade de ter contato com filmes bem elaborados do ponto de vista do conteúdo e da linguagem. Um exemplo é: o quão pouco os documentários são vistos ou vinculados pela mídia brasileira. Tudo que sai fora do padrão americanizado de cinema é visto com restrições pelos telespectadores brasileiros. Em outras palavras: quanto mais um filme se aproxima de uma obra de arte, quanto mais o roteiro é elaborado e quanto mais à linguagem e o tempo fílmico não se encaixa na velocidade dos filmes de "ação", mais distante fica o público de massa. As causas desse distanciamento podem ser infinitas e não cabe discuti-las aqui. O desafio é reverter a situação atual e fazer com que os filmes sirvam para alguma coisa na vida do sujeito, pois os filmes bem elaborados e, principalmente, os filmes engajados ilustram, analisam e criticam bem, e profundamente, realidades que muitas vezes o mundo acadêmico e o mundo político estão com os olhos tapados.
OR: A América latina viveu fortes movimentos operários no meio do século passado, os quais foram suprimidos pelos regimes ditatórios. Por que só agora o cinema que retrata este momento ganha certa visibilidade?
MM: Porque agora os movimentos operários não metem medo em mais ninguém (risos), por isso é "permitido" fazer filmes que, até certo ponto, vangloriam as lutas sociais. Na verdade, os movimentos operários urbanos, resultante da união dos operários de fabricas, nunca foram fortes na América Latina, ao contrário dos movimentos rurais. Os camponeses foram sim protagonistas da luta política nessa parte do planeta Terra. Hoje o cinema passa a resgatar essa história e a mensagem que fica é que eles, os homens do passado, tentaram mudar alguma coisa, diferente do contexto político atual.
OR: O espírito de contestação era muito intenso entre as décadas de 1960 e 1970, mas, com a queda dos regimes militares e as nova abertura para capital, as pessoas se desiludiram e o espírito de revolução, antes latente, foi minguando. O senhor acredita que é possível retomar esse espírito e fazer uma revolução? E que revolução seria essa?
MM: Não, não é possível voltar ao passado! O espírito revolucionário das décadas de 1960 e 1970 estavam engajados em derrubar uma forma de capitalismo. Hoje, embora a essência do capitalismo seja a mesma, o estágio de desenvolvimento desse modo de produção e dessa forma de organização social é outro. A supremacia do capital financeiro tomou conta das estratégias de lucro. Antes o revolucionário sonhava em derrubar o governo e as fábricas das multinacionais, ele via algo que você poderia olhar materialmente. Hoje o capital financeiro é sem pátria e meramente especulativo, de difícil materialização, o que faz a gente ficar sem referência, embora saibamos quem são os inimigos. O recente filme francês "As Neves de Kilimanjaro" trata bem tesse tema.
Estamos justamente em um momento histórico de transformação das ações de contestação, protesto e revolução. A internet se tornou um veículo de protesto, há o aumento no número de ONG's, associações e organizações, mas há a diminuição do número dos movimentos sociais radicais e dos sindicatos combativos. Protesto pela internet e ONG's não ameaçam a ordem estabelecida. Há também, como resultado do que comentei na primeira questão (sobre a pobreza do interesse por objetos culturais mais elaborados), um empobrecimento da sociedade civil na possibilidade de contestar o mundo em que vive, e tenho certeza de que grande parte dessa sociedade não esta feliz nesse mundo. Este empobrecimento deriva de uma má educação formal (escolar), mas sobretudo política. No caso brasileiro, política é um tema averso, e por vezes odiado. Isso faz com que a possibilidade de que a sociedade civil se levante e tome as rédeas do poder fique para um futuro incerto e bem distante.
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