sábado, 4 de agosto de 2012

O Rebucetê Entrevista: Fábio Cascadura

Por Ana Paula Marques e Rafael Flores

Banda Cascadura/ Foto: Rafael Flores
Vitória da Conquista foi a primeira cidade fora de Salvador a receber a turnê “Aleluia”, fruto do homônimo novo álbum da banda Cascadura e que marca os vinte anos do grupo. Além de Fábio Cascadura (voz e guitarra) e Thiago Trad (bateria), dupla fixada na banda há dez anos, a formação conta ainda com Du Txai nas guitarras e Cadinho no baixo.

Abraços e fortes apertos de mão precederam a entrada no palco quente do Viela-Sebo Café, os integrantes da banda fizeram questão de emanar boas vibrações entre si para o início da nova empreitada. Feira de Santana, Camaçari e Brasília já são alguns dos destinos programados para a continuidade da turnê.

Após a agitação dos fãs, maravilhados com a apresentação, ter diminuido um pouco, conversamos com Fábio Cascadura. O papo teve como principal tema o processo de composição do recém-nascido “Aleluia”. O disco, que tem como principal fonte de inspiração a cidade e os personagens de Salvador, foi indicado como melhor álbum em um dos mais badalados prêmios de música brasileira, o Video Music Brasil – VMB, antes mesmo de ter um formato físico (foi disponibilizado para escuta em stream e download no blog da banda). Confiram:

O Rebucetê: O release de “Aleluia” nos diz que “o disco traz novas possibilidades sonoras, novos timbres, novos temas e abordagens, tanto líricas quanto rítmicas, melódicas e harmônicas”, que novas possibilidades são essas?

Fábio Cascadura: A preocupação dentro do “Aleluia” foi a de fazer uma coisa diferente do que já havíamos feito. A gente evita tá se repetindo, sobretudo dentro desse panorama de disco, desse universo que a gente gosta de fazer. Quando fomos pensar no conceito, fomos em busca de referenciais e sonoridades que viessem de Salvador, já que o disco é todo voltado para a cidade, fala do contexto dela, colocando a nossa música de uma outra forma. É isso, a gente foi e pesquisou, trouxe um pouco do som da rua para o nosso, trouxe música de terreiro de candomblé, música de bloco afro. Trouxe também heranças e referências européias que existem na Bahia, questionamentos sobre o contexto em que a cidade está vivendo atualmente, fala sobre violência e fala sobre amor, relacionamento e sobre amor à cidade também. Enfim, eu acho que o que o Cascadura vem fazendo ao longo de sua carreira é, através do rock e da sua afirmação musical, contar histórias.

Fábio Cascadura/ Foto: Rafael Flores
O Rebucetê: Um comentário seu no blog do Luciano Matos ressalta a valorização da música negra e conta que houve uma imersão forte na música afro-baiana. Houve uma pesquisa para isso? Como ela foi configurada e por quê?

Fábio Cascadura: Na verdade a gente criou alguns núcleos de desenvolvimento de referências de músicas de candomblé, toques de candomblé, sempre procurando tratar com muito respeito, porque é um legado cultural importante que a gente deve respeitar e procuramos contextualizar isso dentro de cada música. Não é a toa que aquele toque está ali, não é só pra compor como alegoria, ele se comunica com o que é desenvolvido em termos de letra e história dentro da música. “Uma Lenda do Fogo”, por exemplo, se trata de uma lenda relacionada a Xangô. O toque que é usado para casar com aquele riff, composto em cima desse toque, é o alujá que é o toque do orixá. “Lá Ele”, da mesma forma, é uma abertura pra se falar de um tema que é muito espinhoso, mas que precisávamos tratar que é a questão do crack. Ali estão citados de forma bastante poética, as divindades que lidam com o elemento da morte que são Omolu e Iansã nos seus elementos que são terra e vento. E assim por diante, como outras abordagens, a gente estabeleceu no disco alguns núcleos de desenvolvimento e pesquisa. Um deles foi a partir dos toques de candomblé, outro a partir da percussão desenvolvida na Bahia, mais relacionada ao samba e ao samba-reggae e outro núcleo onde a gente desenvolve nossa vontade de estabelecer na nossa música uma relação com a Soul Music.

OR: E o rock n’ roll nasceu da música negra, importante lembrar disso com estas abordagens musicais...



FC: Sim, a gente acabou combinando elementos que aparentemente estavam ou são dispersos, ou naturalmente são de sítios geográficos distintos, mas que tem a mesma origem, que vem da mesma matriz e se desenvolvem a partir disso: o rock, a soul music, o jazz, o bolero, o samba, tudo isso tem uma mesma nascente. A gente procurou utilizar cada coisa com muito respeito e carinho, mas também com muita atenção para poder dar o devido valor a cada elemento, não fazendo apenas como alegoria.

OR: A participação de Letieres Leite e a Orquestra Rumpilezz influenciou no desenvolvimento dessas experiências?

FC: A Orquestra também não está ali à toa, pois a música já foi construída com o objetivo de ter essa abordagem, que pudesse congregar essas duas possibilidades: o que o Cascadura é capaz de fazer e o que a Orquestra Rumpilezz é capaz de fazer também. Então, nós juntamos essas duas formas de pensar, de estar na música, combinando-as pra discorrer sobre aquela música. Para que o disco tivesse um funcionamento orgânico, a gente precisou espalhar as músicas. Mas se vocês observarem, dá pra  captar que tem quatro ou cinco musicas com toque de candomblé mesmo, a música do Letieres, “Uma Lenda do Fogo”, “Lá Ele” e “O Cordeiro”. Tem as músicas mais relacionadas aos blocos, “Soteropolitana”, “Dava Pra Ver” e “Cabeça de Nego”. E tem outro núcleo onde a gente desenvolveu alternativas, que passa pela Rumpilezz também. 

Banda Cascadura/ Foto: Rafael Flores
OR: O “Aleluia” se configura claramente como uma crônica da cidade de Salvador. E nesses últimos dois anos, que coincidiu com a produção do disco, os baianos, principalmente os soteropolitanos têm discutido muito sobre a ocupação da cidade pela sociedade, do uso consciente do espaço urbano, etc. Isso interferiu em algum grau no processo de produção?

FC: Acho que a cidade precisa que as pessoas falem sobre isso, porque o Brasil está passando por um momento de transformação muito forte e a Bahia sente necessidade de se transformar também, de começar efetivamente a agir de uma outra forma, principalmente pelo seu povo. Salvador é uma cidade completamente desestruturada hoje. E isso é uma coisa natural do processo histórico, outros artistas, outras figuras e veículos tem falado isso. Não é a toa que as coisas estão acontecendo no mesmo momento, porque realmente as pessoas estão precisando e com vontade de entrar nesse debate.

OR: São 6 anos depois do último disco e a repercussão do Aleluia foi muito grande e rápida, afinal em pouco tempo o álbum já é um dos indicados para concorrer ao VMB. A que você atribui isso?

FC: Temos muita fé no disco, a gente acha que ele tem valor, além de ser um álbum com músicas bacanas e tal, ele tem um valor em si. Acho que como nós respeitamos o fato do disco ter sido financiado por um edital público, devolver isso pra sociedade disponibilzando pra download tornou o disco bastante visível. E nesses dois anos a gente teve em constante comunicação com as pessoas, sobre o que estávamos fazendo, deixando tudo muito claro, através do nosso blog A Ponte, então isso gerou uma certa expectativa nas pessoas. Quando o disco foi disponibilzado livremente na internet, não racionalizando muito no que isso ia resultar, a gente queria somente que as pessoas o ouvissem. Isso trouxe uma resposta muito positiva, acho que além de estarmos bem resolvidos com o disco e o disco conosco, as pessoas tem tomado posse, tomado o disco pra si e aos poucos o Aleluia vai se tornando um disco feito pelo Cascadura, mas das pessoas, como o Bogary* acabou assumindo um pouco isso também. Então isso acaba repercutindo em outras estancias. Quando a gente faz uma coisa com carinho, compaixão, com a possibilidade de falar nossa verdade, isso fica evidente. E acho que essa indicação da MTV que é um premio que tá ladeado com discos muito bem lançados, realizados de grandes nomes da música brasileira, artistas que têm apostado na inovação e na coragem. Então tá ali no meio daqueles artistas todos que a gente admira já é um grande prêmio, acho que é a resposta pra essa entrega da gente.

*Segundo álbum do Cascadura, lançado em 2006

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