Por Ana Paula Marques e Rafael Flores
Banda Cascadura/ Foto: Rafael Flores |
Abraços e fortes apertos de mão precederam a entrada no
palco quente do Viela-Sebo Café, os integrantes da banda fizeram questão de emanar boas
vibrações entre si para o início da nova empreitada. Feira de Santana, Camaçari e Brasília já são alguns dos destinos programados para a continuidade da turnê.
Após a agitação dos fãs, maravilhados com a apresentação, ter
diminuido um pouco, conversamos com Fábio Cascadura. O papo teve como principal
tema o processo de composição do recém-nascido “Aleluia”. O disco, que tem como
principal fonte de inspiração a cidade e os personagens de Salvador, foi
indicado como melhor álbum em um dos mais badalados prêmios de música
brasileira, o Video Music Brasil – VMB, antes mesmo de ter um formato físico
(foi disponibilizado para escuta em stream e download no blog da banda). Confiram:
O Rebucetê: O release de “Aleluia” nos diz que “o disco traz novas possibilidades sonoras, novos timbres, novos temas e abordagens, tanto líricas quanto rítmicas, melódicas e harmônicas”, que novas possibilidades são essas?
Fábio Cascadura: A preocupação dentro do “Aleluia” foi a de
fazer uma coisa diferente do que já havíamos feito. A gente evita tá se
repetindo, sobretudo dentro desse panorama de disco, desse universo que a gente
gosta de fazer. Quando fomos pensar no conceito, fomos em busca de referenciais
e sonoridades que viessem de Salvador, já que o disco é todo voltado para a
cidade, fala do contexto dela, colocando a nossa música de uma outra forma. É
isso, a gente foi e pesquisou, trouxe um pouco do som da rua para o nosso,
trouxe música de terreiro de candomblé, música de bloco afro. Trouxe também
heranças e referências européias que existem na Bahia, questionamentos sobre o
contexto em que a cidade está vivendo atualmente, fala sobre violência e fala
sobre amor, relacionamento e sobre amor à cidade também. Enfim, eu acho que o
que o Cascadura vem fazendo ao longo de sua carreira é, através do rock e da
sua afirmação musical, contar histórias.
Fábio Cascadura/ Foto: Rafael Flores |
Fábio Cascadura: Na verdade a gente criou alguns núcleos de
desenvolvimento de referências de músicas de candomblé, toques de candomblé,
sempre procurando tratar com muito respeito, porque é um legado cultural importante que a gente deve respeitar e procuramos contextualizar isso dentro de
cada música. Não é a toa que aquele toque está ali, não é só pra compor como
alegoria, ele se comunica com o que é desenvolvido em termos de letra e
história dentro da música. “Uma Lenda do Fogo”, por exemplo, se trata de uma
lenda relacionada a Xangô. O toque que é usado para casar com aquele riff,
composto em cima desse toque, é o alujá que é o toque do orixá. “Lá Ele”, da
mesma forma, é uma abertura pra se falar de um tema que é muito espinhoso, mas
que precisávamos tratar que é a questão do crack. Ali estão citados de forma
bastante poética, as divindades que lidam com o elemento da morte que são Omolu
e Iansã nos seus elementos que são terra e vento. E assim por diante, como
outras abordagens, a gente estabeleceu no disco alguns núcleos de
desenvolvimento e pesquisa. Um deles foi a partir dos toques de candomblé,
outro a partir da percussão desenvolvida na Bahia, mais relacionada ao samba e
ao samba-reggae e outro núcleo onde a gente desenvolve nossa vontade de estabelecer
na nossa música uma relação com a Soul Music.
OR: E o rock n’ roll nasceu da música negra, importante
lembrar disso com estas abordagens musicais...
FC: Sim, a gente acabou combinando elementos que aparentemente estavam ou são dispersos, ou naturalmente são de sítios geográficos distintos, mas que tem a mesma origem, que vem da mesma matriz e se desenvolvem a partir disso: o rock, a soul music, o jazz, o bolero, o samba, tudo isso tem uma mesma nascente. A gente procurou utilizar cada coisa com muito respeito e carinho, mas também com muita atenção para poder dar o devido valor a cada elemento, não fazendo apenas como alegoria.
OR: A participação de Letieres Leite e a Orquestra Rumpilezz
influenciou no desenvolvimento dessas experiências?
FC: A Orquestra também não está ali à toa, pois a música já foi
construída com o objetivo de ter essa abordagem, que pudesse congregar essas
duas possibilidades: o que o Cascadura é capaz de fazer e o que a Orquestra
Rumpilezz é capaz de fazer também. Então, nós juntamos essas duas formas de
pensar, de estar na música, combinando-as pra discorrer sobre aquela música. Para
que o disco tivesse um funcionamento orgânico, a gente precisou espalhar as
músicas. Mas se vocês observarem, dá pra
captar que tem quatro ou cinco musicas com toque de candomblé mesmo, a
música do Letieres, “Uma Lenda do Fogo”, “Lá Ele” e “O Cordeiro”. Tem as
músicas mais relacionadas aos blocos, “Soteropolitana”, “Dava Pra Ver” e
“Cabeça de Nego”. E tem outro núcleo onde a gente desenvolveu alternativas, que
passa pela Rumpilezz também.
Banda Cascadura/ Foto: Rafael Flores |
FC: Acho que a cidade precisa que as pessoas falem sobre
isso, porque o Brasil está passando por um momento de
transformação muito forte e a Bahia sente necessidade de se transformar também,
de começar efetivamente a agir de uma outra forma, principalmente pelo seu
povo. Salvador é uma cidade completamente desestruturada hoje. E isso é uma
coisa natural do processo histórico, outros artistas, outras figuras e veículos
tem falado isso. Não é a toa que as coisas estão acontecendo no mesmo momento,
porque realmente as pessoas estão precisando e com vontade de entrar nesse
debate.
OR: São 6 anos depois do último disco e a repercussão do
Aleluia foi muito grande e rápida, afinal em pouco tempo o álbum já é um dos
indicados para concorrer ao VMB. A que você atribui isso?
FC: Temos muita fé no disco, a gente acha que ele tem valor,
além de ser um álbum com músicas bacanas e tal, ele tem um valor em si. Acho
que como nós respeitamos o fato do disco ter sido financiado por um edital
público, devolver isso pra sociedade disponibilzando pra download tornou o
disco bastante visível. E nesses dois anos a gente teve em constante
comunicação com as pessoas, sobre o que estávamos fazendo, deixando tudo muito
claro, através do nosso blog A Ponte, então isso gerou uma certa expectativa
nas pessoas. Quando o disco foi disponibilzado livremente na internet, não
racionalizando muito no que isso ia resultar, a gente queria somente que as
pessoas o ouvissem. Isso trouxe uma resposta muito positiva, acho que além de
estarmos bem resolvidos com o disco e o disco conosco, as pessoas tem tomado
posse, tomado o disco pra si e aos poucos o Aleluia vai se tornando um disco
feito pelo Cascadura, mas das pessoas, como o Bogary* acabou assumindo um pouco
isso também. Então isso acaba repercutindo em outras estancias. Quando a gente
faz uma coisa com carinho, compaixão, com a possibilidade de falar nossa
verdade, isso fica evidente. E acho que essa indicação da MTV que é um premio
que tá ladeado com discos muito bem lançados, realizados de grandes nomes da
música brasileira, artistas que têm apostado na inovação e na coragem. Então tá
ali no meio daqueles artistas todos que a gente admira já é um grande prêmio,
acho que é a resposta pra essa entrega da gente.
*Segundo álbum do Cascadura, lançado em 2006
Onde acho mais fotos do Rafael Flores ?
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