Por Lucas Oliveira Dantas
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Desde a entrevista com Sonia Rangel, eu sentia que minha “crítica” sobre o “Protocolo Lunar” não poderia ser, senão, sobre a experiência do espetáculo e não sua técnica. No momento em que se iniciou o espetáculo, pensei em meu pai, Flavio Dantas.
“Quem diabos é seu pai e que cacetas eu tenho a ver com ele?”, talvez se pergunte. Explicarei.
A peça “Protocolo Lunar” trata, especialmente, da relação e transmissão de conhecimento(s) entre o velho e o jovem [leia mais sobre o processo construtivo do espetáculo aqui]. É a eterna lida e simbiose entre conhecimento e ignorância. Enquanto, o primeiro não pode viver sem a segunda (no pressuposto de que a falta de conhecimento é o início da busca por ele), esta, nos tempos de hoje, tem sido a escolha geral e imediata da humanidade.
O espetáculo do grupo soteropolitano “Os Imaginários”, ao passo que reaviva a ânsia e amor pelo conhecimento, o desconstrói de forma bem sutil e irônica. Não só o grupo como o espetáculo surgiram dentro da academia – local socialmente designado para a produção de conhecimento; e, ironicamente, na trama do “Protocolo Lunar”, não apenas o conhecimento científico, mas também o fictício, o lúdico, o fantasioso – e todos os outros que quaisquer existam – são louvados de maneira emocionante.
Flavio Dantas é professor do curso de Ciências Contábeis em duas faculdades conquistenses e grande entusiasta do conhecimento científico/acadêmico – com ele aprendi a respeitar a academia, mesmo eu não tendo vocação para tal. Só que meu pai não é apenas um acadêmico e, desde pequeno, aprendi por tabela que tudo é conhecimento, já que seus exemplos e histórias de vida e família sempre estiveram presentes na minha formação.
Enquanto filho de Flavio, eu cresci ouvindo histórias ora hilárias ora dramáticas e tristes sobre seus pais, família, juventude. O grande sucesso da peça está justamente em dialogar com o público sobre essas histórias particulares de cada um, nos dizendo que tudo é conhecimento e a beleza dele é a poesia!
Ao me acordar na manhã de domingo e relatar sua experiência sobre o espetáculo, me emocionei ao ouvi-lo. Enquanto filhos, é normal subestimarmos a humanidade dos nossos pais: eles sempre estão aqui para nos dar suporte emocional, moral e econômico; são sempre nossos heróis e, algumas vezes, deuses (sim, tem gente que coloca os pais neste lugar). Mas, antes de tudo, eles são seres humanos que se alegram, emocionam, sofrem e vivem como a gente. Durante nossa vida, esquecemos ou sequer sabemos dos detalhes das histórias que formaram nossos pais e, naturalmente, nos formam.
De forma onírica “Protocolo Lunar” nos faz reviver, nas estórias que a velha conta para a menina, a poesia de todos esses processos de formação e transformação que passamos e que geram conhecimentos – aquilo que no turbilhão da vida classificamos como “inútil”. Numa das falas mais marcantes da velha, ela diz que a poesia é tudo que é inútil na vida – não serve para nada, mas é onde reside toda a beleza.
Ela mostra à menina sua biblioteca e seus livros fantásticos, malas cheias de cacarecos engenhosos que contém todas as histórias e conceitos sobre tudo no mundo. “Mas eu e meu irmão gêmeo estivemos lá!”, ela sempre declara ao falar sobre qualquer coisa. Quando meu pai me diz que a velha da peça lembra-lhe os “malucos” com quem conversava na infância, eu entendo melhor sobre “Protocolo Lunar” e sua ode à busca de conhecimento.
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Com o tempo e maturidade, você seleciona seu conhecimento. Mas tudo está armazenado em malas cheias de cacarecos inúteis que, vez ou outra, são acessadas e te fazem lembrar quem é você, de onde você vem. A peça apertou este interruptor em mim e, simplesmente, não poderia me ater às tecnicalidades do espetáculo; da mesma forma, ela apertou o mesmo interruptor em meu pai, e então, meu coração falou mais alto sobre o espetáculo.
Tudo isso é poesia e conhecimento, tudo é emocionante. Da mesma forma que a menina experimenta mundos e vidas através das histórias da velha, eu sentia e me emocionava ao relembrar minha própria vida, ao relembrar meus pais; ao pensar em meu pai e suas histórias que o fazem orgulhoso de ser quem é, que me fazem orgulhoso de ser quem sou e de onde vim.
Que, lindo, Lucas!!! Amei o texto, a forma que você nos conta sobre o espetáculo e as reflexões que ele induz.
ResponderExcluirMuito bom. "Tudo é conhecimento, e a beleza dele é a poesia!" :D
Lucas querido, seu sensível falou mais alto, você foi invadido pela poesia, sendo assim a técnica pouco importava. Fico feliz!
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