Por Verônica Alcântara
Há pouco tempo tive contato com “Who You Are”, álbum da cantora britânica, Jessie J. Passei um mês ouvindo-o e uma semana escutando. Durante meu período de escuta, uma música chamou minha atenção: “Do it Like a Dude”, single de estréia da artista no mercado pop. Logo que escutei a canção de J., lembrei imediatamente da música “I kissed a girl” da americana Katy Perry e foi inevitável não relacioná-las.
Há pouco tempo tive contato com “Who You Are”, álbum da cantora britânica, Jessie J. Passei um mês ouvindo-o e uma semana escutando. Durante meu período de escuta, uma música chamou minha atenção: “Do it Like a Dude”, single de estréia da artista no mercado pop. Logo que escutei a canção de J., lembrei imediatamente da música “I kissed a girl” da americana Katy Perry e foi inevitável não relacioná-las.
Número um na Billboard Hot 100 e disco de Platina no Brasil, “I Kissed a Girl”, debut de Perry na indústria fonográfica, foi e continua sendo apontada como um hino lésbico:
“I Kissed a Girl” está muito longe de ser um hino lésbico. A melhor definição para o conjunto da obra (música e videoclipe) é a de mais um produto subjetivador da homossexualidade feminina.
Mais um produto, porque desde sempre a sociedade destrói, inibe e persegue quaisquer referências à vida lésbica, através, principalmente, do processo de invisibilização. Uma das práticas mais comuns é a associação da relação sexual entre duas mulheres ao fetiche hétero masculino, reforçando cada vez mais a ordem heterossexista social predominante.
No videoclipe de “I Kissed a Girl”, um fator interessante, mas não muito relevante, é ausência de imagens que retratem o tema principal do vídeo: o beijo ocorrido entre duas mulheres. O clipe consiste somente em garotas vestidas com trajes íntimos, exaltando a feminilidade, se tocando e posando sensualmente para as câmeras. É um choque socialmente consentido, ou seja, subverter, desde que não perturbe por demais a ordem do discurso social dominante, para não correr o risco de criar algo repulsivo e não rentável.
Predominância do rosa, branco e vermelho, no clipe, reforça a fragilidade feminina, que também pode ser percebida na letra:
Us girls we are so magical Nós garotas somos tão mágicas
Soft skin, red lips, so kissable Pele macia, lábios vermelhos, tão bom de beijar
Hard to resist, so touchable Difícil de resistir, tão gostosos de tocar Too good to deny it Bom demais para ser negado
Ain't no big deal, it's innocent Não é grande coisa, é inocente
Ain't no big deal, it's innocent Não é grande coisa, é inocente
A música reproduz o discurso da relação homossexual como ato imoral, a fim de apontá-la como rebeldia e não algo verdadeiro, natural de se ocorrer.
It's not what good girls do Não é o que boas garotas fazem
Not how they should behave Não é como elas devem se comportar
My head gets so confused Minha cabeça fica tão confusa
Hard to obey Difícil de obedecer
[…]
It felt so wrong, it felt so right Pareceu tão errado, pareceu tão certo
Don't mean I'm in love tonight Não significa que estou apaixonada essa noite
Diferente de Perry, a britânica Jessie J. fugiu um pouco dessa pseudo-subversão, quando surgiu em novembro de 2010, com “Do it Like a Dude”. Soando mais agressiva do que “I Kissed a Girl”, a música de J. tem uma harmonia pesada, tanto na parte instrumental quanto na sonoridade vocal. As cores utilizadas no videoclipe, preto, azul e vermelho, contribuem na composição carregada de um comportamento feminino repulsivo no que tange as normas sociais.
Ao se apresentar, logo na segunda estrofe, como um ser estranho, um alienígena -possível imagem atribuída aos adeptos da multiplicidade das relações humanas pelos defensores da heteronormatividade – há uma proposta de findar a diferenciação entre comportamento masculino e feminino pré-estabelecidos pela organização patriarcal.
Flyin' flyin' flyin' flyin' through the sky Voando voando voando voando pelo céu
In my spaceship Na minha nave espacial
I'm an alien tonight Eu sou uma alienígena essa noite
É importante ressaltar a ambiguidade na composição de “Do It like a Dude”. A música pode ser interpretada tanto como um produto machista que define o feminino baseando-se no masculino quanto algo que desconstrói a formatação social da mulher como “o outro sexo” ou “sexo frágil”.
I can do it like a brother Posso fazer isso como um mano
Do it like a dude Fazer isso como um cara
Grab my crotch, Segurar meu saco,
wear my hat low like you usar meu boné pra baixo como você
[…]
Boom Boom, pull me a beer Boom Boom, manda uma cerveja
No pretty drinks, I'm a guy out here Sem bebidas com frescura, sou um cara aqui
Ao retratar mulheres com comportamento masculino, compreendo muito mais a intenção de causar estranhamento do que reproduzir a subordinação da mulher ao homem. Isso, porque a primeira reação do indivíduo ao se deparar com algo que desconhece é tentar associá-lo a algo com que esteja familiarizado a fim de chegar a uma compreensão. O desconhecido, no caso de J., seria a destruição da formatação social masculina e feminina para o surgimento da liberdade de definição, ou seja, o homem e a mulher cedem lugar ao sujeito. Por isso a obra de J. me parecer muito mais um hino lésbico pop do que a de Perry.
Assim como “I Kissed a Girl”, as mulheres de “Do it Like a Dude” posam para a câmera e dançam, entretanto seus movimentos são bruscos e duros, continuam eróticas, mas não para a lógica heterossexual. Estão suadas, fumam charutos, usam roupas folgadas, bonés e cabelos com corte moicano, afastam-se do erotismo feminino construído pelas normas sociais e da mulher como objeto disponível ao prazer masculino.
Considero a presença do beijo lésbico em “Do it Like a Dude” muito mais falha do que a ausência dele em “I Kissed a Girl”. Neste, a cena não é necessária, porque a narrativa ocorre após acontecido o beijo, seria uma tomada descartável. Já no vídeo de Jessie J. o beijo surge completamente desconexo a proposta do videoclipe. São três minutos de dykes, butchers e truckers em cena, no entanto o beijo acontece entre duas femmes loiras, que aparecem no vídeo somente para essa função. Ainda assim, “Do it Like a Dude” consegue superar “I Kissed a Girl” ao retratar a homossexualidade feminina.
Enquanto Katy Perry se preocupa com o que irão pensar por ter transgredido normas, Jessie J. age como melhor lhe convier. As mulheres de “I Kissed a Girl” estão preocupadas em cumprir com o comportamento esperado delas pela sociedade, já as de “Do it Like a Dude” recusam a se definirem em relação aos homens, daí a razão para considerá-la um hino pop lésbico.
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