domingo, 18 de dezembro de 2011

Ativistas: das cores de guerra do urucum ao conforto do sofá

Por Mariana Kaoos

Depois que voltei da viagem à Belém do Pará, em julho desse ano, onde fui com o rosto pintado de urucum participar de uma manifestação contra a implantação da Hidrelétrica de Belo Monte, notei que, nesses últimos meses, virou moda nas redes sociais, leia-se Faceboook e Twitter, as pessoas compartilharem fotos, piadas ou tiranias a respeito de estereótipos ou padrões de comportamentos que a grande massa deve seguir.

Além das postagens de causas “nobres” como um basta à corrupção ou contra as vilanias comerciais incluídas no Código Florestal, nas últimas semanas tenho visto muitas fotos estimulando o padrão de beleza imposto pela indústria da moda e fabricantes de cosméticos através da publicidade veiculada nos grandes veículos de comunicação (porque, sim, eu acredito que a mídia é responsável pela construção e imposição de tendências culturais) entre os mais diversos tipos de pessoas.



A minha preocupação inicial foi saber até que ponto o interesse pelas causas sociais é verdadeiro ou apenas moda. Todas essas pessoas, compartilhando o vídeo lançado pelos globais, intitulado “A gota d’água”, sabem o que Belo Monte realmente significa para as populações ribeirinhas que moram próximas ao Rio Xingu? Será que se observado de outro ângulo, elas também se perguntariam sobre as razões do governo Dilma em querer criar a hidrelétrica a todo e qualquer custo? Ou esses “posts” foram distribuídos nas redes sociais simplesmente porque alguém acha que está na moda ser politicamente correto, alem de que se preocupar com questões ambientais passou a ser fashion? Em uma disciplina do curso de Comunicação Social da UESB, eu ouvi pela primeira vez o termo sofativistas, referente àquelas pessoas que se consideram ativistas, mas que fazem a “revolução” ou reformas, como preferirem, sentadas num sofá, diante de um computador, muitas vezes escondidas por detrás de personagens criadas especialmente para navegar incógnitas pelo mundo virtual.

Assim, sentada num sofá ou deitada em minha cama, tenho “o mundo em minhas mãos” através das conexões digitais de um computador. Se quiser, posso ouvir bandas australianas, conversar com algum poeta escondido numa cidadezinha do interior da Espanha ou até mesmo passar à tarde inteira varejando as esquinas, ruas e vielas de Moscou através do Google Maps, para “vivenciar” de forma insípida e inodora o clamor da população russa contra as eleições fraudulentas promovidas pelo partido político de Vladmir Putin. Portanto, se tenho o poder de “transitar” por onde quiser, por que não escolher em me transformar também num intrépido “revolucionário” com um simples clique no “mouse” ou um toque na tela de cristal líquido do mais recente brinquedinho tecnológico criado pela indústria midiática de consumo massivo?


Realmente é muito fácil se indignar com as lutas e os problemas acerca da realidade do seu país, se auto-intitular ativista e não sair de casa para “brigar” pelo que se acredita. Sim, militando há menos de seis meses, hoje, e a cada dia mais, creio que é necessária uma transformação ou mudança presencial a partir do micro (sua realidade local) para atingir o macro e assim as coisas começarem a se acertar ou ficarem menos erradas. Não é intolerância contra os “sofativistas”, mas como se processarão as trocas de experiências, quais vivências se aprofundarão, que contatos com outros seres humanos serão de fato reais se forem monitorados e vividos apenas pelo mundo digital? E mais, quais dessas pessoas sabem, de fato, pelo que militam e estão dispostas a crer e levar isso ate o fim?

É fácil fazer discursos sobre como a corrupção assola o país, é instigante (conversas e pessoas inteligentes são naturalmente interessantes e charmosas) ver a indignação a respeito do massacre que o capitalismo submete a todos nós, é de se admirar aquelas conversas intermináveis sobre a dialética de Marx, mas pra mim esses atributos teóricos sempre serão vazios de sentido se não aliados à práxis do cotidiano. Então, conclui-se que definir padrões de comportamento e de identidade estética através de redes sociais é algo muito delicado e superficial e que nem sempre postar coisas do tipo quer dizer que a pessoa que postou, de fato, entenda o que diz.

 Outras questões de corpo

Seguindo a linha de imagens compartilhadas nas redes sociais esses dias, deparei-me com homílias a favor do conteúdo visual e escrito dessa foto.

A minha primeira reação ao olhar a imagem e o discurso estabelecido foi de indignação. Indignação por não concordar com esse padrão de beleza, de conduta, de moral e assim sucessivamente, imposto por uma parte privilegiada da sociedade que visa aferir lucros incomensuráveis apenas para uma elite, que tenta nos interpor a ditadura do padrão estético daquilo que momentaneamente elege como o belo e o que foge a ele. Defendo este ponto de vista porque acredito no sujeito não apenas como o indivíduo retroalimentado pelo consumismo irrefreável e pelas frivolidades do mundo pós-moderno, denunciado nas reflexões culturalistas de Stuart Hall.

 Quanto às interações simbólicas tecidas em meio às coxias, que delineiam as fronteiras difusas entre os bastidores e o palco desta sociedade do espetáculo, valho-me da filosofia do canadense Irving Goffman, para indagar até que ponto as idéias ou o gosto estético apregoados pelos arautos dos costumes no “palco” são definidos democraticamente com ampla participação comunitária nos “bastidores” ou se são só idéias construídas e sistematizadas por um grupo restrito de atores de outros “palcos” mais poderosos e hegemônicos, dos quais simplesmente incorporamos ilusoriamente como nossa a ideologia defendida por eles?

Se fizermos um estudo histórico acerca do padrão de beleza ao longo dos séculos, podemos observar que em momentos de grande fervor intelectual e artístico o foco era outro. No período da Renascença, por exemplo, podem-se encontrar quadros de pintores famosos como “O Nascimento de Vênus” do italiano Sandro Botticelli, onde formas mais “rechonchudas” eram exaltadas. A partir do inicio do século XX os padrões de beleza voltaram-se mais para o estilo greco-romano, elegendo o equilíbrio das formas como algo a ser alcançado.

E foi a partir de meados da década de 60, com o “boom” das modelos americanas e européias, como a londrina Twiggy, que se elegeu a constituição corporal magra como o padrão estético de beleza que se dá ate os dias de hoje.

Obsessivas com esses padrões de beleza regidos pela mídia hegemônica e reproduzidos por grande parte da população, muitas pessoas entram em crise de identidade e ate mesmo psicológicas para alcançar o que é dito belo. Um caso que chocou a todos, em dezembro do ano passado, foi a morte da atriz e modelo francesa Isabelle Caro  por anorexia. Fato interessante, é que a mesma chegou a fazer uma campanha intitulada “No Anorexia” contra a doença.

O que me choca, é que ao mesmo tempo em que campanhas contra anorexia, bulimia e outras doenças físicas ou emocionais assolam os maiores meios de comunicação, os próprios ainda estimulam a cultura do embelezamento pela magreza. Isso se dá de maneira tão sutil e já está tão incutido nas pessoas, que quem vê essas imagens postadas no facebook e twitter nem se dão conta de que uma coisa está diretamente ligada à outra.

Talvez uma das principais palavras da nossa atual conjuntura seja intolerância. Intolerância ao outro, ao que foge de determinados padrões, intolerância ao diferente e ate mesmo ao bem estar alheio. Tudo que deixa de ser uma extensão de mim e do meu corpo passa a ser avesso aos meus olhos e com isso, passa-se a oprimir o distinto. Concordo que o ser humano é em parte fruto do meio e nascer numa sociedade muitas vezes superficial em que se exaltam determinados tipos de padrão é, ate certo ponto, ser condescendente com eles, ou pelo menos crescer tendo-os como bases sólidas e verdadeiras. Porém, cabe-nos também, como seres pensantes e reflexivos, questionarmo-nos a respeito desses mesmos padrões e tentar mudá-los de acordo com nossas crenças para que, além de uma maior tolerância para com o outro, o oprimido não acabe, um dia, virando opressor.

1 comentários:

  1. Há um tempo eu era um sofativista, agora sou só um sofá...

    Deve ser lindo quando te perguntam: "E você, por acaso tá fazendo o que pra mudar o mundo, hein???"

    Não que tenha me perguntado, mas meu padrão de beleza é garotas que dizem coisas como:"A placa de vídeo do meu pc é onboard" ou que escrevem ideia com acento agudo no e.

    Sou seu fã

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