Por Mariana Kaoos
Orlando Senna/ Foto: Thaminy Gomes |
Em meados do século XVI, mais precisamente em 1516, o escritor e poeta
italiano Ludovico Ariosto lançou para o mundo seu clássico Orlando Furioso,
poema épico que conta uma história de amor e loucura, na qual o guerreiro
Orlando deixa o exército cristão de Carlos Magno a procura de Angélica, bela
princesa oriental (se você também notou uma pequena semelhança com Dom Quixote,
saiba que Orlando Furioso era uma das obras preferidas de Miguel de Cervantes).
Nessa busca que o enlouquecerá, ocorrem diversas situações não só com ele, mas
com todos os personagens do poema, que estão sempre à procura de miragens.
Já em meados do século XX, outro protagonista chamado Orlando, só que
dessa vez em vida real, “nasce” para a cultura do país. Dessa vez sem princesas
ou histórias de cavalaria, mas com os mesmos contratempos que qualquer
guerreiro acaba encontrando no meio do caminho. Orlando Senna é um cineasta baiano
que já rodou filmes como “Diamante Bruto” e “Giritana”, trabalhou em roteiros
como "Ópera do Malandro", “Quincas Berro D’água” e "Coronel
Delmiro Gouveia", dirigiu a Escola de Cinema em Cuba e se destaca como um dos
maiores pensadores vivos do país. Ao vir a Vitória da Conquista para apadrinhar
o curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(Uesb), Orlando bateu um papo com O Rebucetê, falando um pouco dos contratempos
da contemporaneidade.
O Rebucetê: Todo mundo sabe que as instâncias de poder do país influenciam diretamente na distribuição da cultura no Brasil. Na última segunda-feira, 19 de março, vários artistas e intelectuais escreveram um documento pedindo a saída da ministra Ana de Holanda do Ministério da Cultura e sua substituição pelo diretor do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, ou pela atriz e cineasta Carla Camurati. Qual o posicionamento do senhor em relação a isso?
Orlando Senna: O Ministério da Cultura no governo
Dilma está passando por dificuldades evidentes, que vai desde ter uma oposição
muito forte por parte dos trabalhadores culturais, até uma oposição politica
partidária contra a permanência de Ana de Holanda no MinC. Por outro lado,
também fica cada dia mais claro que a presidenta Dilma Rousseff não tem muita
disposição de fazer alguma mudança no momento. Então, se isso é uma realidade,
acredito que o caminho seja outro que não apresentar candidatos ao Ministério,
mas sim encontrar formas em que haja uma militância coletiva, que a própria
sociedade faça ou promova algum tipo de reencaminhamento na política cultural.
As maiores críticas que são dirigidas a Ana de Holanda e por tabela ao governo
Dilma é exatamente o fato de haver indícios de que o grande projeto cultural de
Lula foi interrompido ou que está sofrendo mudanças que a sociedade ainda não
sabem quais são. Acredito que os anseios passem por aí, se o projeto cultural
de Lula, incluindo a questão audiovisual que passou a ser admirada e seguida em
toda a América Latina, irá ter procedimento ou não.
OR: Então o senhor acredita que a sociedade
brasileira está consumindo mais cultura?
OS: A sociedade brasileira é uma sociedade em
evolução econômica e cultural. Logo, a necessidade de ter mais cultura à
disposição, de possuir um maior acesso às manifestações culturais que aumentam
dia a dia.
OR: De alguns anos para cá, o cinema argentino tem
se sobressaído com alguns filmes como “O segredo dos teus olhos” e “A menina
santa”, histórias que trazem uma maior reflexão ao público. O senhor acredita
que os filmes comerciais brasileiros também trazem ao público reflexões ou são
instrumentos meramente de entretenimento?
OS: Eu tenho muita dificuldade em fazer essa divisão
de filmes comerciais e não comerciais, meu entendimento é curto sobre isso.
Acredito que todo filme é uma expressão cultural. Ele pode ter mais ou menos
dinheiro na sua feitura, pode ter mais ou menos inspiração, pode ter melhores
intenções ou intenções não tão maravilhosas assim, mas essa divisão de filmes
comerciais e não comerciais sempre atrapalhou os nossos cinemas e quando me
refiro aos nossos cinemas quero dizer aos que estão abaixo do Equador, o cinema
do hemisfério sul. Você mencionou “A Menina Santa”, da diretora Lucrécia
Martel, e eu pergunto, é um filme comercial ou não? É um filme de autoria, com
uma reflexão profunda, mas que foi um dos maiores êxitos de bilheteria na
Argentina. Então, acredito que na verdade o que existe sempre em relação a isso
é o que o autor, o artistas, o cineasta quer passar, quer dizer à sociedade.
OR: O senhor, em meados da década de 1970, começou
a rodar um filme chamado “69- A Construção da Morte”, que foi destruído por
questões da ditadura, mas também devido à perda do copião. Com as novas
tecnologias de hoje se tornou mais fácil produzir e preservar filmes?
OS: Sim, evidentemente. O grande salto, a grande
revolução foi a digitalização, a leitura eletrônica. Com isso, além de
democratizar a realização audiovisual e baratear, digamos essa produção e essa
atividade, também democratizou no sentido do consumo. Hoje é muito mais fácil
ver filmes do que era há 10 anos. Eu acho que estamos vivendo uma nova história
do audiovisual e isso dará resultados no que se refere à própria tecnologia,
bem como às próprias linguagens audiovisuais. Há algum tempo seria até pecado
falar em linguagens audiovisuais no plural porque existia apenas uma linguagem.
Existia isso de querer separar linguagem cinematográfica da televisiva e assim
por diante, mas era tudo uma coisa só. Com o advento da digitalização do
cinema, da televisão, das músicas, é possível, sem heresia, falar da
multiplicidade de linguagens audiovisuais e isso é algo que os velhos cineastas
nem imaginavam.
OR: Vitória da Conquista é a terra de Glauber
Rocha, um dos maiores cineastas que o país e talvez o mundo já teve, mas só
agora, com mais de 30 anos após a sua morte é que a cidade está caminhando para
se tornar um polo cinematográfico. Na opinião do senhor, qual a importância
disso para a cidade?
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