Com a licença poética, Mariana Kaoos e Maria Eduarda Carvalho
Foto: Lucas Dantas |
O causo
que eu vou contar não é daqui, dali e nem de qualquer lugar. É de uma noite no
Centro de Cultura, que, em meio à barulheira, espera e gritaria, aconteceu uma
mágica que ninguém previa. A mágica veio através do chapéu de boiadeiro, da
viola nos braços e das meias coloridas - que por pouco não passaram
despercebidas. Com 640 pessoas, o teatro ficou pequeno, mas também, Eugênio
Avelino, derramando aquele seu talento não tinha como não ficar. Todo mundo se
sentou, esperando o show começar. As luzes se ascenderam, e às oito horas e
trinta minutos, na boca da noite, como dizem os sábios matutos, Xangai entrou,
cantando “lá na casa dos carneiros”, tornando todo mundo do público um
cancioneiro, alegrando a multidão. Entre palmas e sorrisos, era dado o inicio
da grande apresentação.
A vinda do
Mestre da viola para fechar o verão conquistense se deu através da FMB
Produções, que há seis anos vem trabalhando com uma proposta diferente,
procurando trazer espetáculos e shows de qualidade para um publico consumidor
de cultura. A produtora Ana Claudite contou que “Xangai veio no ano passado
para a abertura do Festival de Música, mas a proposta desse show é totalmente
diferente. Trazendo um convidado, Jessier Quirino, a estrutura do show acaba se
dando de uma forma mais intimista, com um público que reconhece e consagra o
trabalho dele. Nesses últimos tempos buscamos trazer artistas que não estão tão
influentes na grande mídia, mas que propõem uma música diferenciada, de forte
apelo cultural. Ainda são poucas pessoas que valorizam isso aqui em Vitória da
Conquista. O foco da FMB é essa formação de plateia que consome produtos
culturais distintos”.
Foto: Lucas Dantas |
Xangai
subiu ao palco comandando o início do espetáculo. Mais que a vontade em sua
terra natal, o músico tem, com sua plateia, uma relação muito íntima, fazendo
da mesma um coral que acompanhava emocionado. Algumas músicas, envolvendo
boleros e grandes clássicos da cultura popular, depois, Xangai enfim convidou o
escritor paraibano Jessier Quirino para se juntar a ele. A partir daí foram só
risos, a sagacidade de Jessier prendeu a atenção dos presentes que o observavam
atentamente enquanto ele contava e até mesmo ensaiva uma encenação dos seus
causos. O paraibano explicou: “Essa cultura de contar histórias me remete muito
ao rádio, que na minha opinião, é o meio de comunicação mais democrático que
existe. Em qualquer cidade do interior, seja ela qual for, e tendo uma
população com um grau de educação elevado ou não, o rádio chega, falando do dia
a dia do povo, contando detalhes, histórias da vida de cada um. É uma coisa
transmitida de forma oral, que passa de geração para geração. Então de forma
alguma essa cultura pode ser esquecida, pois ela transmite os ensinamentos dos
nossos antepassados”.
Dentre as
várias abordagens feitas durante a noite, foi possível observar a inserção de
uma cultura mais erudita dentro da popular. Xangai, dedilhando o Bolero de
Ravel, improvisou com o público que correspondeu abertamente ao que estava
sendo pedido. Talvez, o ponto alto do show, foi a homenagem prestada a Waldick
Soriano, com a música Tortura de Amor. Após o show ele explicou que “se faz
necessário que os jovens escutem todo e qualquer tipo de musica sem rótulos.
Bolero de Ravel é um clássico, mas Waldick também tem composições lindas, que
falam de vida, de amor e que tocam a alma de qualquer um. É preciso parar de
querer classificar as coisas dentro de um só estilo porque o que existe é o bom
e o ruim, e Waldick Soriano certamente é um dos melhores”.
O
espetáculo seguiu entre músicas e histórias, Xangai não só afirmou como
comprovou, “a língua é sempre a mesma, o que muda é o sotaque”. A noite foi
memorável, o cantador e sua moda de viola a colocar o público para se emocionar
com conhecidas e memoráveis toadas como “O ABC do Preguiçoso”. Inebriada com a
cantoria, a moça bonita que sentava logo ao lado - talvez a cabocla das músicas
e poesias que os poetas tanto citavam - deixou-se confessar que achou que fosse
morrer sem ouvir essa musica, “mas ainda bem que ele cantou, Xangai é coisa
rara e ele consegue trazer esse gosto, fazer esse resgate do fim de tarde na
roça, da vida simples, da cultura popular como ninguém”.
O
conglomerado de pessoas que, ao fim do espetáculo, foram ao camarim agradecer
as estrelas da noite pela apresentação, lotou a sala, fazendo com que o calor
humano unisse todos com intuito de celebrar. Lá, esperando para falar com
Xangai, estava o cantor Eduardo Ribeiro, que emocionado, deixou-se confessar:
“Vir ao show de Xangai e Jessier é fundamental para me alimentar dessa cultura
popular que ele mesmo ressalta com paixão. Hoje, com a geração coca-cola, com a
fugacidade que os produtos culturais se inserem na grande mídia e na vida das
pessoas, há uma desvalorização muito grande para trabalhos como esse, o que é
uma pena, porque é de altíssima qualidade. Aqui na cidade precisa haver uma
reeducação, o jovem principalmente precisa criar um hábito de cultuar não só o
sertanejo, o axé, o rock ‘n roll, mas também o que nós produzimos. Reconhecer o
que temos, para poder levar isso a outros lugares do país e quem sabe do
mundo”.
Foto: Lucas Dantas |
No
Rebucetê tem cantador? Agora tem, sim senhor.
São em
noites como essa que os jovens deveriam se engajar. Cultura popular, cachaça e
histórias para nunca mais se acabar.
Como sempre O Rebucete com excelentes matérias... Tenho orgulho de ver que essa produção é do meu curso.
ResponderExcluirGostei, gostei muito do blog.
ResponderExcluirMuito boa matéria. Lamento estar tão longe e ter perdido o show de Xangai.
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