segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Diário de Bordo: Da Barroquinha ao MAM


Por Luiza Audaz

Foto: Luiza Audaz
Caminhar pela extensa Barroquinha, passando pelo Cine Castor, matizado pelas cores envelhecidas e de tantos filmes  que alegram o prazer da clientela fiel ou ocasional da cidade de Salvador, tornou-se um tanto pitoresco pelo contraste daquele bairro com cara de vila, tendo um Cinema pornô como anfitrião de entrada do bairro.

Com essa impressão, desci irrompendo pela avenida, cortando um aglomerado de lojinhas, que em sua maioria, anunciavam nos cartazes de fundo amarelo quase fluorescente - Toda Loja de R$1,00 a R$10,00 reais!

Continuei caminhando e pensando no evento do dia seguinte àquele 31 de setembro; seria a JAM no MAM (Museu de Arte Moderna) e seus 13 anos de música. Quase não percebi quando entrei numa viela qualquer e me deparei com a Praça Castro Alves próximo ao Centro Histórico. Logo ao lado, uma passada pelo Espaço Unibanco de Cinema Glauber Rocha para conferir a programação de filmes brasileiros, seria também uma boa pedida para aquela tarde, mas não, pois já comecei a conjecturar numa longa odisséia de projeções mentais sobre o curso de Cinema trancado. Aniquilei rapidamente a ideia e me vi, de fato, parafraseando o significado da expressão Jam Session, numa jam pelas ruas soteropolitanas, improvisando os caminhos a tomar em cada nova avenida enquanto a expectativa pelo MAM aumentava em meu passeio pela cidade.

Foto: Luiza Audaz
Seria bonito dizer que no dia 1º de Setembro acordei linda, morena e salinizada esperando veemente o horário próximo às 18 horas para partir em direção à tão esperada jam. De fato, os primeiros momentos do dia apontavam para uma noite assistindo a super Banda Base no Museu de Arte Moderna que naquela noite reunir-se-ia com quase toda sua formação fixa (saiba mais aqui) e para um encontro com o público alternativo da cidade que tem sido presenteado periodicamente com sábados de Jazz e uma rica mistura de música brasileira, logo ali, no Solar do Unhão.



Mas, depois de um trânsito comumente infernal na cidade de Salvador, naquele sábado desci a ladeira do Solar acompanhada por um amigo do cinema. Nos deparamos com uma cordinha e uma frente de seguranças, muito simpáticos, diga-se de passagem. Fomos em direção a um deles, que logo nos informou sobre um problema com os ingressos, ou melhor, com a falta deles, emitidos numa quantidade relativamente pequena a avaliar pelo espaço que podíamos ainda vislumbrar, vago, do outro lado da cordinha e que parecia assim ter ficado até o horário que se findou o show (fui embora pouco antes do fim).  

Vamos então aos lados práticos. A partir de meu trabalho com produção e com pessoas da produção, sempre ouvi dizer "ô produção", "ei produção", "a culpa é da produção" e coisas do tipo. Sempre ouvi dizer também, e comprovei com pouco mais de um ano atuando nessa área, que o que reverbera na boca do povo e das pessoas envolvidas no evento, deve ser ouvido e levado em conta, seja como avaliação ou como crítica construtiva. Apesar de não saber como o evento foi articulado e por quais meandros ele se estabeleceu, também fiquei com essa impressão, procurando pela produção do evento, assim como outras pessoas, que questionavam sobre a questão da pouca quantidade de ingressos.

Passei algum tempo rondando pelo Solar e ouvindo alguns lados das conversas e, tentando entender a situação, um rapaz que não me conhecia, encostou por perto e disse: "na minha época era de graça," reproduzindo o burburinho estabelecido. A segurança pedia para as pessoas sem ingresso se afastarem da entrada e, depois de tantos questionamentos, a vimos entrar em contato com a produção pelo "radinho", perguntava se mais ingressos seriam disponibilizados. Depois de um tempo de mais expectativa, a resposta negativa viria dispersando parte das pessoas que aguardavam.

"A expectativa é a raíz de toda mágoa" bufava William Shakespeare insistentemente naquele quase fim de dia. Um rápido olhar em volta era possível identificar os rostos de estudantes, professores, artistas, músicos, cineastas, trabalhadores em geral, que com as devidas ressalvas tomavam sua cerveja pacientemente, contemplando o fundo do palco, apaziguados pela energia do MAM, do cais ao lado e do encontro bonito e pacífico de diferentes pessoas, que mesmo do lado de fora, riam, conversavam e se permitiam à comunhão do espaço.

Não há dúvidas que a comemoração foi linda, proporcionando um encontro emocionado entre público e músicos, que sorrateiramente faziam valer a Jam Session que, naquele dia, não atinava para o sentido das iniciais Jazz after midnight¹, pois ainda era cedo, mas construíam com percussões e seguimentos brasileiros a improvisação advinda do jazz abaianado.

Parti por outra Jam pela cidade, sem tantas expectativas, uma volta pelo Pelourinho, talvez, para ouvir mais um pouco de música antes de partir, ainda cantarolando uma rima besta na cabeça "ô produção! Ei produção, eu quero ver o Huol² destruir na percussão", prometendo voltar para dessa vez entrar e prestigiar o intercâmbio e a comunhão de artistas que o projeto JAM no MAM tem tradicionalmente promovido.

¹ Jazz depois da meia-noite.
² Apesar de Ivan Huol ser diretor musical e baterista da Banda Base.

Acessem: www.jamnomam.com.br

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