quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A Arte Ainda se Mostra Primeiro

Por Mariana Kaoos




Era uma vez uma família muito grande que convivia todos os dias. Era pai, mãe, avó, tio, tia, primos de todas as idades e um monte de crianças. Nessa família tinha gente de tudo quanto era tipo: tinha mergulhador, dentista, professora e até político. Apesar das confusões diárias, eles eram muito unidos. Os pequenos principalmente. Eles almoçavam juntos, brincavam juntos, usavam as mesmas roupas, dormiam na mesma hora e aos poucos, foram vivendo diversas aventuras.

No meio de toda essa criançada, haviam duas irmãs em especial, mas que nada se pareciam uma com a outra. Dudu, cinco anos mais velha, era um pouco mais reservada. Brincava com suas bonecas ou com os primos da sua idade. Era sonhadora, tinha um mundo para si própria. Lelé, como o nome já diz, era lelé da cuca. Doidinha, corria para lá e para cá, subia nos pés de manga, aprontava com os tios.

Então, no meio dessa família bonita e maluca, elas foram crescendo assim como todos os outros. Dudu se apaixonou por um fazendeiro, começou a namorar e como todos esperavam, se casou. Depois de algum tempo, teve dois filhos, um menino e uma menina. Já Lelé, mais adiante, encontrou um árabe de olhos verdes e também se apaixonou. Casaram em seguida e tiveram dois filhos, um galego dos olhos azuis e um moreno dos olhos verdes. Foi a partir desse momento que elas, além de irmãs, se tornaram “comadres” e consequentemente mais amigas, pensando até em projetos juntas.

Apesar de Dudu e Lelé terem virado gente grande, seus corações sempre conservaram a magia e a beleza da infância. Convivendo com meninos e meninas de todas as idades e, após terem criado a Brinquedoteca* em Ilhéus (cidade em que moram), perceberam uma na outra a vontade de aumentar esse contato com as crianças, proporcionando a elas aprendizado, não só pela educação, mas pela arte e cultura. Foi assim que surgiu a Escola Vila Verde, para crianças de dois a dez anos, cheia de cores, brincadeiras e magia.

Os frutos do cata-vento.

No dicionário brasileiro, o significado de cata-vento é de uma bandeirinha, geralmente de ferro ou lata, enfiada numa haste e colocada no alto dos edifícios, para indicar a direção dos ventos que a movem. Ele também pode ser o lugar a bordo, ocupado por quem dirige a manobra, ou fazer referencia a um ventilador ou até mesmo a algo em constante movimento.

Pensando nisso, foi que Dudu, que tinha se transformado em Dusty Veloso e Lelé, que passou a ser Alessandra Fontes criaram há cinco anos o cata-vento das artes, “movimento artístico, cultural, onde se pode ver e sentir todas as letras e todas as sensações de um mundo mais bonito”. O evento é o lugar onde essas crianças apresentam os trabalhos realizados ao longo do ano através do teatro, das artes plásticas, da música, da dança.


Esse ano, o tema do Cata-vento das Artes foi o “Lá no Nosso Quintal...” abordando as brincadeiras infantis se contrapondo com esse novo mundo, passando por releituras dos jardins de Monet aos girassóis de Van Gogh, “dos cozinhados e cozinheiros infantis à tecnologia dos alimentos e pratos, dos encantadores dinossauros à fantasia dos Super Heróis, dos animais da fazenda à nova TV, DVD, Games. Tudo junto e misturado”. Explica Dusty.


Na verdade, o Cata-vento das Artes sempre teve como um dos objetivos apresentar artistas conceituados e traze-los ao universo infantil. No seu primeiro ano o escolhido foi Romero Brito, onde, através de sua inspiração, as crianças produziram telas e esculturas. A segunda edição teve como foco as obras do artista plástico ilheense Goca Moreno, principalmente em uma de suas artes chamada DIÁLOGO. Eles conheceram o ateliê do artista e a partir dai produziram artes tridimensionais. No ano seguinte, o tema central foi “Pirlimpimpim, um eu aqui e outro ali”, que abordou a temática da identidade pessoal de cada um e também do “faz de conta”. Ano passado, as crianças exploraram o universo teatral com o “Teatrando na Vila”.

Esse ano Dusty afirma que a escolha do nome foi muito pensada. “lá nosso quintal, no cafundó da nossa infância, eu e Lelé sentíamos o sabor da liberdade, o cheiro da alegria e o calor dos raios do sol! Era o espaço de brincar, um lugar encantado, de areia branca fininha, muitos coqueiros e pés de cajus contorcidos. Vivemos muitas aventuras por lá. Mas e agora, nossos filhos, nossas crianças? Que quintal moderno e contemporâneo oferecemos a eles?”

É o povo na arte, é a arte no povo...

Como diz uma grande artista baiana “o povo não pode gostar do que não conhece. É preciso levar brasilidade para o povo”. A cultura e a arte brasileira são riquíssimas e perpassa por grandes nomes que vão desde as artes plásticas com Lygia Clarck, a dramaturgos de altíssima qualidade como Zé Celso Martinez. A expressão da cultura popular também é grande nos quatro cantos do país e inúmeras obras saem através dela. No entanto, é complicado exigir um conhecimento acerca dessas coisas se elas não são estudadas/estimuladas/produzidas desde a infância, período em que o individuo mais desenvolve seus processos cognitivos e criativos. 

As escolas particulares, em sua maioria, estão preocupadas apenas com a aprovação e o ingresso dos estudantes dentro de universidades esquecendo-se da educação de mundo que eles também precisam ter. Esses "meninos" entram na vida acadêmica cada vez mais imaturos e despreparados, principalmente no que diz respeito as relações humanas e a conhecimentos culturais. Já as escolas públicas(também em sua maioria)...bem, o que dizer das escolas públicas? Por falta de estímulos (inclusive financeiro) aos professores, não há um planejamento educacional que agregue valores culturais e artísticos aos alunos.


Iniciativas como o Cata-vento das Artes deveriam ser oferecidas com mais frequência às crianças do pais. Não só por parte dos educadores, mas por coletivos de teatro, por artistas plásticos, por músicos, por escritores, por todos aqueles interessados em trocar conhecimento e estimular a produção dele, principalmente nessa faixa etária onde as descobertas do mundo são intensas e importantes. O futuro da cultura do Brasil, depende justamente dessas pessoas pequenininhas e do poder de síntese de valor que elas possuirão mais adiante. Que em todos os lugares possam existir não professores, mas mais educadores como Dudu e Lelé.


*Brinquedoteca: espaço de aprendizado para crianças com menos de dois anos.


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