segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

[SEGUNDA CRÍTICA] Os paredões vão ao teatro - Los Catedrásticos/Nova Mente

De volta aos palcos conquistenses, o grupo soteropolitano Los Catedrásticos encerrou neste domingo, 02, a mini-turnê do espetáculo “Nova Mente”.  A peça dirigida por Paulo Dourado, esteve em cartaz na cidade desde a última sexta-feira, 30 de novembro.

Los Catedrásticos/ Foto: Rafael Flores


Por Ana Paula Marques e Rafael Flores


Jackson Costa, Maria Menezes, Ricardo Bittencourt e Najla Andrade, compõem o elenco. Os atores interpretam cerca de trinta músicas baianas, passando pelo axé, pagode, funk e pelo arrocha, todos vestidos com trajes de gala. As interpretações em formato de recital são divididas em quatro blocos: Picantemente, Estranhamente, Divinamente e Higienicamente. Além de se apropriar dos ritmos populares baianos, o grupo também deu uma passada pelos virais do Youtube, vídeos que circularam bastante e já arrancaram risadas dos internautas.

Música Baiana Falada


A origem do espetáculo e também do grupo se deu nos finais da década de 80, com “O Recital da Novíssima Poesia Baiana”. Em período de greve da Universidade Federal da Bahia - Ufba, os então alunos do curso de Teatro se reuniram para apresentações na universidade, com o intuito de arrecadar recursos para o “fundo de greve”.

Jackson Costa/ Foto: Rafael Flores
No contexto, as lambadas, os primeiros refrões da Axé Music e o samba-reggae começavam a chamar a atenção dos ouvidos baianos e da mídia nacional. Músicas como “A Roda”, sucesso na voz de Sarajane e “Faraó”, clássico do Olodum, já eram declamadas com uma interpretação que levava os espectadores a refletirem sobre o conteúdo das letras.  Poetas baianos do naipe de Gregório de Mattos eram usados como base para uma comparação crítica da produção cultural da Bahia.

De acordo com o livro “A trama dos tambores”, de Goli Guerreiro, o uso dos samba-reggaes gerou polêmica entre o meio artístico baiano. Membros de blocos-afros de Salvador alegaram se sentir ofendidos pela situação, pois segundo eles, as músicas se encontravam fora do contexto musical e histórico do processo de composição das canções. Temas que soavam estranho, como  falar sobre a cultura egípcia na Bahia, tinham por trás a história das primeiras dinastias de faraós que eram negras. Em outro aspecto, a música “Faraó” na época, era considerada apenas como mais uma homenagem a um dos pontos turísticos da capital baiana, o Farol da Barra, descaracterizando a composição como símbolo de luta e resgate da cultura negra.

Nova Mente


Los Catedrásticos/ Foto: Rafael Flores
De 1989 a 1992, o elenco fixo original trazia Cyria Coentro, Jackson Costa, Meran Vargens, Ricardo Bittencourt. Na temporada seguinte, de 1997 a 2001, as apresentações tinham à frente os mesmo atores com exceção de Meran Vargens. Quem passou a integrar o grupo foi Maria Menezes e o ator Zéu Britto, com substituições de João Miguel, Najla Andrade e Aycha Marques. A formação que se apresentou em Vitória da Conquista foi: Jackson Costa, Maria Menezes, Ricardo Bittencourt e Najla Andrade

No novo espetáculo, estreado no início de 2012, o repertório é outro. “Faraó” e “A Roda” permanecem, porém não mais como chacota e sim como instrumento de comparação par a com as músicas que preenchem as rádios comerciais, carros de som e paredões* Bahia a fora. Logo, a atenção se vira para o arrocha e o swing baiano, vulgo “pagodão”.

As letras estão menos inteligentes - é o que se nota facilmente - mais diretas, não há uma intenção ideológica por trás, nem tampouco usa-se mais da famosa tática do duplo sentido. Segundo a atriz Maria Menezes esse vazio nas composições dificultou no processo de criação do espetáculo, mesmo que “música de carnaval nunca tenha tido a obrigação de possuir letras rebuscadas” (...) “Só que dessa vez o negócio pesou mais, como essa coisa de chamar a mulher de cachorra e a mulher levantar a patinha feliz. Na montagem pegamos refrões desses tipos e juntamos em um só esquete, pois não dava pra fazer elas completas porque todas dizem a mesma coisa”, explica.

A mulher é cada vez mais colocada como objeto e a peça dedica um esquete inteiro para ressaltar isso. O debate está em alta no estado, pois em março foi aprovada o projeto apelidado de Lei Antibaixaria, o qual proíbe o uso de recursos públicos para contratação de artistas que incentivem a violência ou exponham as mulheres ao constrangimento através de suas músicas.

Maria Menezes e Najla Andrade/ Foto: Rafael Flores
Maria Menezes diz que “o buraco é mais embaixo” e a discussão ainda é embrionária. “Sou a favor da liberdade de expressão, acho que se essa música está vendendo tanto é porque há quem consuma. Acho que é uma questão de educar as pessoas, para que elas tenham um outro tipo de repertório cultural e o dinheiro público tem que ser usado para isso”, afirma.

O espetáculo cumpre a função do teatro, que é divertir e ao mesmo tempo provocar no espectador uma reflexão sobre o que foi visto. É interessante colocar em pauta o que se produz no nosso estado, o que realmente estamos consumindo e tentar chegar ao que estamos querendo dizer.

É sempre um desafio e uma provocação trazer para o palco uma linguagem que não é típica do teatro e o grupo faz isso sem dificuldade.  É um estudo sobre a música popular baiana, é quase um álbum do Tom Zé.

*Paredões: Grandes aparelhos de som instalados nos carros que tocam as músicas que estão fazendo sucesso no momento. 

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