sábado, 11 de agosto de 2012

Feito um Deus, feito um Diabo, veio dizendo que sim

por Mariana Kaoos

Foto: Anabel Mascarenhas
Em 2001, mais precisamente no dia 7 de agosto, Caetano Veloso se encontrava na concha acústica do Teatro Castro Alves, se apresentando para um vasto público e gravando o DVD “Noites do Norte - Ao Vivo”. Era seu aniversário. Dona Canô (sua mãe), seus filhos e sua então mulher, Paula Lavigne, fizeram-lhe uma surpresa, levando um bolo ao palco e cantando parabéns junto com a platéia. No fim do show, entre um copo d’água e a volta para o “bis” ele recebeu a notícia de que o escritor baiano e amigo íntimo, Jorge Amado, tinha acabado de falecer. Muito emocionado Caetano voltou, deu o aviso para as pessoas e afirmou para todos a sua tristeza, como também a importância de Jorge para ele e para o mundo. “Hoje a gente tem que celebrar é a vida de Jorge Amado”. Afirmou. Em seguida, entoou os versos de Milagres do Povo, recebendo muitos aplausos e fazendo todos cantarem juntos.

Onze anos depois, no dia em que seria comemorado o centenário de Jorge (10 de agosto), caso ele estivesse vivo, e três dias após seu aniversário de 70 anos, Caetano Veloso subiu com seu violão ao palco de apresentações do Festival Amar Amado, olhou para o público através dos seus óculos de aro dourado, sorriu e cantou: “Quem é ateu e viu milagres como eu, sabe que os deuses sem Deus não cessam de brotar, nem cansam de esperar...” Nesse exato instante as palmas, calorosas, ecoaram por toda a Praça da Catedral de São Sebastião e uma leve brisa pairou no ambiente. A força, a energia e os “milagres” do povo, junto com a voz de Caetano se tornou tudo uma coisa só, bonita e intensa. Na certa, Jorge teria gostado.

O local estava cheio, mal dava para passar entre as pessoas. Quando o olhar parava no chão, era possível observar muita gente, em sua maioria mulheres, na ponta dos pés, se esticando para ver o cantor, que deu um show de simpatia e serenidade. Caetano não perdeu sua intensidade e muito menos a sua inquietude, mas, parece que com a maturidade adquirida ao longo dos anos, ele se tornou uma pessoa serena, com “olhos tranquilos de quem sabe seu preço”. O público parece ter percebido isso e incorporado a nova qualidade do artista. Sim, pela frente do palco houve “empurra empurra”, pessoas espremidas e tudo o mais, mas nenhuma briga durante a noite. A serenidade se fez presente em todos, inclusive na polícia militar que transitava de maneira calma e educada entre as pessoas.

Assim como Jorge, Caetano sempre exaltou sua terra natal, Santo Amaro da Purificação, bem como a Bahia como um todo. Seu repertório transitou entre músicas como “Trilhos Urbanos”, “Saudade da Bahia”, de Dorival Caymmi, “Odeio Você”, do seu disco de rock Cê, às mais clássicas como “Leãozinho”, “Nosso Estranho Amor”, “Tigresa”, “Menino do Rio”. O ponto alto da apresentação, para mim, foi quando ele cantou "Terra"*, já para o restante do público, parece ter sido na música “Sozinho”. Após uma hora e meia de show, Caetano se despediu com “A Luz de Tieta”, errando um pedaço da letra e olhando para o público com cara de menino levado que aprontou alguma. Todo mundo sorriu, bateu palmas e cantou por ele. Você a gente deixa errar, Caetano.

“Dai a César o que é de César”...

Foto: Anabel Mascarenhas
De acordo com a Secretaria de Cultura do estado da Bahia, as principais atrações musicais do Festival Amar Amado, Margareth Menezes, Caetano Veloso e a família Caymmi saíram a um valor de aproximadamente R$300 mil. O custo foi sanado previamente e, assim, as apresentações puderam ocorrer de maneira gratuita para o público.

No show de Caetano Veloso, montaram em frente ao palco uma área vip no valor de R$50. A dita “área vip” na verdade não passava de uma grade e um contingente de seguranças proibindo a entrada de pessoas que não tinham a pulseira. Aquele espaço, por direito, era gratuito e pertencia ao povo, já que a proposta do festival era oferecer as apresentações sem custo benefício. E foi exatamente isso o que aconteceu. Por volta do meio do show as pessoas invadiram o espaço, ocupando o mesmo lugar privilegiado, junto com os que pagaram o valor cobrado, junto com os seguranças que, anteriormente, não tinha os deixado entrarem.

A questão que fica mais uma vez é o descaso da produção do evento, bem como da prefeitura local. É de se indagar por que ou por quem foi permitido a incorporação desse camarote em frente ao palco e para onde e para quem esse dinheiro vai. A impressão de que, arranjando um jeitinho, espremendo o povinho e deixando ele mais no canto, sempre dá para lucrar em cima das pessoas e de festivais cujo foco é homenagear um dos expoentes da cultura nacional. Enquanto uns amam muito Amado, outros parecem querer “faturar” em cima dele. Esse festival está sendo feito para o população e mais uma vez não cabe fazer desse espaço uma iniciativa privada, quando na verdade ele é público.


*Caetano Veloso compôs “Terra” quando estava preso, na época da ditadura militar.

2 comentários: