Por Maria Eduarda Carvalho, Rafael Flores e Ana Paula Marques
De um lado os rancorosos e de outro os exploradores, entre troca de ofensas o palco da luta é a chamada nova música brasileira. Toda evolução passa por conflitos e dentro de um cenário em ascensão como este, é natural que cada ‘tribo’ defenda o seu ponto de vista e às vezes, mais do que isso, se coloquem como o bom exemplo a ser seguido. Mas, para entender melhor o que está acontecendo nesse conflito entre os produtores culturais de Pernambuco e o circuito Fora do Eixo, é preciso voltar ao ponto de origem, a ABRAFIN e mesmo antes disso, a chamada construção de redes e como estas movimentam hoje o mercado da música.
REDES
O trabalho em rede funciona a partir de grupos de pessoas que dialogam e se articulam para construir projetos e implementar ações dentro de determinadas perspectivas. Esses grupos podem agir localmente, regionalmente, nacionalmente e internacionalmente.
Essa organização multi também desperta indagações. O foco da ABRAFIN, por exemplo, é música, mas até que ponto os festivais conseguem sobreviver sem uma dialogação política? O ato de se associar já é por si um agir político, sendo assim, as redes, associações e demais organizações já são em sua natureza grupos de articulação política.
ABRAFIN
Talvez o seu histórico explique sozinho os dois lados da história, analisando o passado e o futuro da Associação Brasileira de Festivais Independentes, o que se pode concluir é uma aproximação muito maior da dinâmica de rede, aproximação essa que pode ter sido a grande responsável pela saída de catorze filiados.
Antes
Sua criação, em 2005, teve o intuito de formar um grupo que pudesse fortalecer os festivais trocando tecnologias de know how e fechando parcerias para viabilizar sua continuidade. A ABRAFIN já nasceu com seu próprio estatuto que, entre outras coisas, requer que o festival representado tenha sido realizado por no mínimo três edições em três anos consecutivos e esteja enquadrado na categoria "festival independente”. O estatuto rigoroso e o número de filiados neste seis anos (poucos mais de 40) comprovam que a ABRAFIN conseguiu dialogar, na maioria das vezes, apenas com os maiores do circuito independente. Em consequência disso, muitos dos Festivais filiados tinham um histórico relevante, mas com edições recentes que despertavam pouca curiosidade e provocavam satisfação apenas por apresentar o que já era velho conhecido do público.
Depois
Em 2010, uma mudança na gestão elegeu Talles Lopes (Festival Jambolada), um dos principais representantes do Fora do Eixo, como presidente da ABRAFIN. É claro que seu histórico de construção em rede refletiria na sua gestão e uma aproximação com o circuito Fora do Eixo era mais do que esperada. As medidas desagradaram alguns produtores e 12 deles tomaram a decisão em grupo de se desfiliar no final de 2011.
Talles Lopes, presidente da ABRAFIN. Foto: Casa Fora do Eixo |
A aproximação com o Fora do Eixo trouxe o tema para dentro do IV Congresso da rede que discutiu e rebateu as críticas que o grupo têm recebido. Recentemente, a ABRAFIN apresentou novas mudanças na sua estrutura gerando o que foi chamado de versão 2.0, muito mais aberta e descentralizada. A Associação deixou de ser o grupo dos maiores, para se tornar uma entidade que busca muito mais conectar e fortalecer os circuitos regionais.
POR QUE PERNAMBUCO?
Os embates entre o Circuito Fora do Eixo e produtores e artistas pernambucanos já tinham se dado outras vezes. O cantor China, por exemplo, sempre contestou a rede e o diálogo local do Fora do Eixo (através do Lumo Coletivo, que não foi bem sucedido). A gota d’água que deu origem ao embate, veio de uma posição de produtores do Estado que declararam que “Pernambuco não tem mais relações com a ABRAFIN”. O provocador Pablo Capilé rebateu com termos fortes, que deram gás a toda a discussão.
PERNAMBUCO
O cantor China sempre contestou a rede e o diálogo local do Fora do Eixo. Foto: Divulgação |
É indiscutível que Pernambuco seja um berço cultural do país. No entanto, há alguns anos, José Teles em seu livro “Do Frevo ao Manguebeat” já citava a “dificuldade que o pernambucano tem para aceitar o novo e se desapegar das tradições”. Em fevereiro de 1997, começou uma verdadeira ação de desentupimento das artérias enfartadas da cultura recifense, onde se desencadeou um dos mais importantes movimentos da música popular brasileira: o manguebeat. Enquanto os caranguejos com cérebro e chips fincavam a parabólica na lama, Pernambuco deixava de ser aquele velho careta. Hoje, muitos “remanescentes” desse movimento continuam firmando nome no cenário alternativo. São eles o China, ex vocalista da banda Sheik Tosado, Karina Buhr, Alessandra Leão e Isaar França da percussiva Comadre Fulozinha, as veteranas Mundo Livre S/A e Eddie, entre outros.
Mas não é só do manguebeat que a música pernambucana (sobre)vive. Muitas bandas historicamente conhecidas nos guetos de Olinda e Recife, ofuscadas pelo movimento mangue, o qual teve grande repercussão na mídia, tem ganhado um espaço maior nos festivais culturais do estado. É o que acontece, por exemplo, no Circuito do Frio, que acontece nas cidades de Triunfo, Pesqueira, Taquaritinga do Norte, Gravatá e culmina no Festival de Inverno de Garanhuns, um dos maiores eventos do interior pernambucano. A programação é composta, em sua maioria, por artistas regionais e é bancada pelo governo do estado e pela FUNDARPE (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco).
PERNAMBUCO E AS REDES
Diante do histórico cultural do estado e de fatores que apontam para um campo ainda fértil (apoio do governo, qualidade estética das produções), a primeira vista, é difícil entender porque Pernambuco não dialoga em rede, não fez o 360º da Babilônia, como disse Pablo Capilé.
Talvez os mesmos aspectos anteriormente citados como fatores que aproximam os pernambucanos das redes, sejam os mesmos que substituam essa conexão. Afinal, o próprio Manguebeat, um dos principais movimentos em defesa dessa ideia de colaborativismo dentro da música brasileira, foi mais tarde abraçado pelo governo que viabilizou sua repercussão e subiu os níveis econômicos da história. Não que esse tipo de incentivo seja ruim, pelo contrário, mas a estrutura formada no estado a partir dessa prática associou o trabalho dos artistas a produções caras, ou seja, inviáveis para circular dentro de uma rede como o Fora do Eixo.
Pablo Capilé, figura icônica do Fora do Eixo, durante o congresso da rede. Foto: Ana Paula Marques |
FORA DO EIXO E VERBA PÚBLICA
Você deve estar se perguntando, o Fora do Eixo também não tem vários projetos financiados com dinheiro público? Sim, eles têm. Grande parte da cultura de hoje tem sido bancada com dinheiro público, esse vai ser um ponto sempre em comum entre quem fizer parte dessa cena. O que os diferencia é a relação com esse dinheiro. Não que os artistas/produtores de Pernambuco sejam simplesmente bancados e não precisem dar duro para sobreviver, mas o que acontece muitas vezes é que o dinheiro injetado nas redes acaba quase dobrando seu investimento e tem um alcance maior. Por exemplo, o dinheiro ganho (na sua rubrica específica, não o dinheiro total) por um Coletivo numa produção é muitas vezes aplicado em outros projetos culturais, enquanto o lucro de uma produtora é ‘patrimônio pessoal’.
O PARÁ É O NOVO PERNAMBUCO?
Gaby Amarantos conversa com O Rebucetê. Foto: Rafael Flores |
E AGORA, QUEM TÁ CERTO?
Nenhum dos lados dessa situação estava errado. O que se viu nesses dias de discussões e manifestações de opinião foi apenas reflexo de dois modos distintos de trabalhar. Quem ganha com isso é a cena independente brasileira que é nada mais que o resultado da soma dessas ações. No final, por mais que não pareça, tá todo mundo junto e é assim, "é nóis".
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