terça-feira, 10 de abril de 2012

Santificando As Profanas Escrituras

Por Mariana Kaoos

Brasil, país democrático, laico, de regime presidencial. Apesar da sua abstenção no quesito religioso, a maioria dos feriados que comporta durante o ano é de origem cristã, mais precisamente oriundos da igreja católica. Mesmo não frequentando a igreja e nem compactuando das suas ideologias, feriados como esse sempre me trouxeram uma reflexão acerca de mim, do outro e das instituições sociais como um todo que, a meu ver, cada vez mais se descaracteriza dando lugar ao consumo desenfreado.

Análises sociológicas à parte, a minha percepção de páscoa esse ano foi um pouco diferente. Escondida em meio à mata atlântica, nas Terras do Sem Fim, uma mistura de gente, que se intitula família, permaneceu reunida durante o feriado, comendo, dormindo e até vendo novela juntos. Tinha cantor, vendedora de pratas (que me causou um terrível prejuízo), tinha futuros advogados, surfistas e um matriarcado lindo, que acordava às cinco da manhã para preparar o café que seria servido logo mais. Como toda família grande, essa em especial não deixaria de ter seus dramas, levando alguns a medir um pouco a voz em certas ocasiões, a respirar fundo em outras, mas ainda como toda grande família essa também é envolta pelo amor e união, que causa na gente aquela coisa sem nome, mas que dá vontade de sorrir, fazendo com que a gente se sinta em casa. Durante esses quatro dias sem celular, internet e contato com o mundo lá fora finalmente eu compreendi que a minha Semana Santa, o meu renascimento, vem através da minha família, que assim como as raízes de uma planta, me prende e me alimenta aos valores que aprendi e conservo até hoje.




Família e Cultura

Se procurada no dicionário, a palavra família vem como “unidade básica da sociedade formada por indivíduos com ancestrais em comum ou ligados por laços afetivos.” Culturalmente falando, ela se estabelece através de múltiplos vínculos que podem manter seus membros “moralmente, materialmente e reciprocamente durante uma vida e durante as gerações” não tendo que ser, necessariamente, através do sangue. É justamente daí que nasce aquele ditado de que “família é quem a gente escolhe”.

Das inúmeras famílias que conheço três em especial me marcaram e marcam até hoje. A primeira, nacionalmente conhecida, é a família santo-amarense Telles Veloso. Composta pelos músicos Caetano Veloso, Maria Bethania, Moreno Veloso, Jota Veloso, dentre outras inúmeras figuras como a queridinha da Bahia Dona Canô e a poetisa Mabel Veloso. Todos eles possuem desde fortes traços físicos em comum (Caetano e Jota em especial são parecidíssimos) a uma sensibilidade muito forte para as coisas da vida. A respeito dos temperamentos, não se tem muito que dizer. Bethania (que vai tocar em Vitória da Conquista no dia 26 de maio), filha de Iansã, imponente, de voz grave, forte ao mesmo tempo em que acalenta, ilumina a história da música popular com essa grandiosidade que a envolve naturalmente. Respeitada por todos os outros cantores do país, ela já proferiu algumas vezes seu amor por Caetano, alegando que “é ele o mestre do meu barco”. Caetano por sua vez, com seu tom ultramoderno, incorporando o que há de mais novo em tendências culturais de todo o mundo, causa forte admiração em uns e descaso em outros. Críticas a parte, faz forte referência aos familiares ao longo de sua obra como em Trilhos Urbanos, Irene, Maria Bethania, Nicinha, dentre outras músicas, artigos e livros já publicados. Musicalmente falando, acredito que a família Veloso seja a de maior influência cultural não só pelas suas melodias, interpretações e composições, mas também pela visibilidade da união entre todos.

Seguindo pela “tendência” família, a segunda, porém não menos importante, seria os Buendía. Através da obra literária, do colombiano Gabriel García Marquez, Cem Anos de Solidão, lançada em 1967, a família Buendía é composta por inúmeros “Josés Arcádios” e “Aurelianos”. Com todos os homens da família com o mesmo nome e todas as mulheres com fortes e distintas personalidades, a família Buendía é marcada, a meu ver, por um realismo extraordinário com inusitados episódios, como a morte dos 17 Aurelianos de uma só vez e a beleza que adoece a todos de Remédios, a bela. As histórias que se passam em Cem Anos de Solidão são de personagens muito humanos, que sofrem e riem e transam e trapaceiam, mas que buscam sentido para a vida em algum momento ou que não procuram sentido algum e apenas vivem. Exemplo desses dois contrastes pode ser observado no Coronel Aureliano Buendía, que, após passar anos na guerra, volta para casa e termina seus dias no quarto da alquimia, fazendo peixinhos de ouro.

Por fim, trazendo-me sorrisos desde que me entendo por gente, a família “Macallister” marcou grande parte da minha infância e adolescência. Sim, se esse sobrenome não lhe é estranho, é só forçar um pouco mais a memória e voltar para o início da década de 1990, quando o cinema americano lançou os dois clássicos “Esqueceram de mim” e “Esqueceram de mim 2: perdido em Nova York”. 

Com Macaulay Culkin como o protagonista que é esquecido em casa e, no segundo filme, se perde e vai parar em outra cidade, Esqueceram de mim conta as aventuras desse garotinho que entra em conflito com alguns familiares e, por descuido, se vê sozinho, tendo que se proteger de alguns bandidos (molhados ou grudentos, a depender do filme). A família, sua mãe em especial, entra em preocupação, deixando o amor e os laços falarem mais alto. Se no primeiro filme, a mãe enfrenta uma viagem de caminhão para ir voltar à casa e encontrá-lo, em “Esqueceram de mim 2”, todos os familiares largam um chuvoso natal na Florida, para encontrar Kevin (Macaulay) em Nova York.

Ficcionais ou não, as palavras “valores” e “família” parecem estar intrinsecamente ligadas independente dos laços serem sanguíneos. Além da minha e dessas três explicitadas que me constituem, uma série de outras famílias também fazem parte do meu dia a dia influenciando diretamente nas minhas escolhas e na minha formação como ser humano. Tenho certeza de que se os Buendía e os Macallister fossem reais, na certa, comemorariam a Semana Santa de uma maneira parecida, unindo todos em prol de um reconhecimento e um significado coletivo. Dos Telles-Veloso nem tenho muito que dizer. Como a minha fonte primária de inspiração, acredito que as comemorações em Santo Amaro tenham sido com muita fartura de comida, mas também de orações e união. Ainda bem que, com o aumento de ovos de páscoa para o próximo ano ou não, algumas famílias ainda continuam “sendo tudo igual”.

4 comentários:

  1. Mariana consegue fazer com que os post dela sejam mais lindos que ela. Sem mais.

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  2. Parabéns pelo texto... muito sensível e honesto.

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  3. Mari, você é mesmo minha Raiz. Fiquei maravilhada e emocionada com o seu texto. Que Deus sempre a ilumine. Meu coração é cheio de amor por você. Beijos, Vó Dircéa

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  4. Olhar contemporâneo, filosófico e de vasto conhecimento cultural sobre a vida cotidiana... parabéns, Mariana Kaoos, você se supera a cada texto elaborado! Beijo cheio de orgulho! Dusty

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