Por Thaís Pimenta
Foto: Thaminy Brito |
Juliana tem uma
carreira consolidada no cenário musical soteropolitano, e agora, através
do Projeto Amarelo Itinerante, financiado pelo Fundo de Cultura do Estado da
Bahia (Funceb), estende seu trabalho às cidades do interior. Na
noite de ontem (20), Vitória da Conquista foi presenteada com um show
amarelo e irradiante, assim como ela o definiu minutos antes de entrar no
palco. A cada show, um compositor/cantor local é convidado a dividir o palco
com Juliana. Na cidade do frio, o convidado foi Alisson Menezes, artista cujo
trabalho também é voltado para a cultura popular.
Samba, ijexá, maracatu, lundu.
Três séculos de histórias cantadas em uma hora de show. Música identitária com releitura
contemporânea. A cantora convidou o público conquistense para uma viagem ao
século XVII, até as senzalas. O show só não teve lugar aos grilhões, o público se
soltou e entrou na roda de samba.
Filha de Oxum, criada por Iemanjá,
vinda das águas e com a baianidade latente, Juliana Ribeiro, minutos antes de sua
apresentação, conversou com O Rebucetê. Sorriso largo e olhar marcante, a
cantora falou sobre sua musicalidade, trajetória, e sua experiência com o projeto
Amarelo Itinerante.
O
Rebucetê: Qual sua relação com o samba e com o canto popular no geral? Como
você vincula sua pesquisa acadêmica ao seu trabalho musical?
JR: Eu me considero uma
pesquisadora e uma cantora popular. O que me move são as manifestações da
cultura popular. Na verdade, o samba se tornou um caminho de vida pra mim, pois
foi através do samba que eu encontrei uma série de outros ritmos, uma série de
outras matrizes que vêm lá do século XVIII, século XVII, coisas que só se faziam
na senzala e que me emocionam, me cativam muito. Quando eu fui pra Unicamp , em
2005, para estudar canto popular, lá eu tive que fazer um trabalho sobre
cantores dos anos 30, aí eu fui pesquisar na fonoteca da Unicamp e descobri que
existe uma série de outros ritmos, gênero e manifestações, que não eram samba,
mas que precediam o samba, e isso começou a me encantar, porque são músicas
muito identitárias... Eu descobri o lundu, eu descobri o Xisto Bahia de 1880,
depois descobri o jongo, descobri Clementina de Jesus que veio me mostrar o batuque,
veio me mostrar o próprio jongo porque ela é jongueira também. Descobri também o
samba angolano.Então hoje eu costumo dizer que não existe o samba de raiz,
existe samba de raízes. O samba não tem uma raiz, ele tem várias matrizes que
eu trago paro palco em Amarelo, ou seja, são três séculos em um CD.
OR:
Os palcos te levaram a sua pesquisa de mestrado, ou a pesquisa que te motivou a
levar o canto popular aos palcos?
JR: O palco
me levou a pesquisa. Fiz História em Salvador e formação técnica em Canto Lírico pela UFBA, mas eu sempre fui uma
cantora popular e isso ficava me incomodando, é diferente canto lírico de canto
popular. Aí fui pra Unicamp em 2005, a paixão que me movia. Eu comecei a
pesquisa que lá deu origem ao meu CD e também a minha dissertação de mestrado.
Fiz o mestrado sobre o samba, a questão do samba enquanto identidade, que é
essa construção a partir dos anos 50, enquanto identidade nacional. Mas sem
sombra de dúvidas foi meu palco, minhas pesquisas por conta de estudar
repertório, eu jamais vou levar paro palco uma música se eu não sei quem é o
compositor, o contexto em que ela foi composta, o sentido dela, isso eu faço
sempre, faz parte de mim. E aí quando mais você pesquisa mais você descobre que
não. Aí o mestrado foi consequência disso, vou um prazer enorme poder fazer um
mestrado sobre uma coisa que você gosta.
OR: Sua música é identitária ou contemporânea?
JR: As duas
coisas, sabia? Porque assim, identitária sem sombra de dúvida, eu canto, por
exemplo, lundu de 1880. E ao mesmo tempo em que eu canto isso e as pessoas
cantam em pleno 2012, passa a ser identitário. Eu não preciso falar, eu canto,
as pessoas cantam ali comigo, elas se identificam. E ao mesmo tempo temos que
fazer uma releitura, eu não trago para o palco a partitura do século XIX, a
gente faz uma releitura. Eu instrumento que é espanhol, toco cajon, por
exemplo, eu tenho o sax na minha formação... Não dá pra descontextualizar a
música, eu, Juliana Ribeiro, estou em 2012, então minha música tem que falar
dentro de 2012, para o público de 2012. E identitário sim, mas é contemporâneo
também.
O
Rebucetê: Você tem formação técnica em canto lírico pela UFBA, certo? Mas em
2005 foi estudar canto popular na UNICAMP. O que você encontrou no canto
popular que o lírico não te oferecia?
JR: Na verdade são
coisas diferentes, são técnicas diferentes e aplicações diferentes. No canto
lírico a voz é usada como instrumento. Ela se assemelha, por exemplo, a uma
flauta, uma clarineta. Já no canto popular a colocação vocal é diferente, no
canto popular você tem a voz que fala por trás da voz que canta, ou seja, você
tem uma identidade que aquele cantor tem que passar, e é essa identidade que o
cantor tem que passar, e é essa identidade que faz com que o público se
identifique. Temos Água de Março como exemplo, várias pessoas já interpretaram,
mas Elis Regina é imbatível nisso. As óperas são teatros, eram teatros a céu
aberto e você interpreta o tempo todo, no canto popular é pura exposição, é
você, você e você.
OR: Na primeira pergunta, você citou Clementina de Jesus. Clementina é uma forte referencia musical pra você? Como foi seu primeiro contato com ela? Qual a aproximação entre Clementina e a musicalidade de Juliana Ribeiro?
JR: Eu costumo dizer
que ela consegue sintetizar trezentos anos de história em três minutos de
canção. Pra mim ela é uma diva, uma deusa, é uma pessoa que eu venero de
verdade. Ela trouxe pra mim uma série de ritmos e histórias e de
ancestralidade, que se não fosse Clementina de Jesus eu não tinha conhecido,
isso foi muito bacana. O vussungo, por exemplo, é uma língua, um dialeto, que é
uma mistura de línguas africanas com o português que os escravos usavam para se
comunicar sem que os senhores entendessem, mas aí esse vussungo virou canto de
trabalho, as pessoas passaram a compor em vussungo, e eu fui descobrir isso com
Clementina, se ela não tivesse gravado, essa história teria morrido. Então eu
agradeço muito a ela por ter me apresentado a minha própria ancestralidade.
Foto: Thaminy Brito |
JR: Eu percebo que a
cada dia que passo o interior fica carente dessas atrações. É preciso achar
efetivamente uma circulação. A Bahia é muito mais do que Salvador, e é essa a
proposta de Amarelo Itinerante, é você tirar do grande centro urbano, de onde
todo mundo me conhece, onde já tenho uma carreira consolidada e levar para além
de Salvador o meu canto. Eu tenho certeza que tem um público sedento, querendo
ouvir o que tenho a passar, é a formação de um público de identidade. É isso
que Amarelo tem comprovado. Em Santo Amaro, foi muito bacana, foi o primeiro
show, recebi vários artistas que a mim são muito caras, como as sambadeiras.
Ontem em Jequié foi maravilhoso, plateia lotada, cem crianças, e para mim isso
foi a glória, porque são as crianças que vão formar o gosto musical em casa,
que vão ter outras possibilidades sonoras.
ela é filha de Oxum, o amarelo é por isto.
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