sábado, 21 de abril de 2012

O Rebucetê Entrevista: Juliana Ribeiro

Por Thaís Pimenta

Foto: Thaminy Brito
O trabalho de Juliana Ribeiro é soma de musicalidade com pesquisa acadêmica. A cantora e compositora é graduada em História e tem formação técnica em Canto Lírico pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mas foi em 2005, quando foi estudar canto popular na UNICAMP, que descobriu e se encantou por uma série de ritmos, gêneros, manifestações que precediam o samba. “Sempre fui uma cantora popular e isso ficava me incomodando, é diferente canto lírico de canto popular, então fui pra Unicamp, em 2005, estudar canto popular, a paixão que me movia”. A pesquisa iniciada na Unicamp por Juliana deu origem a sua dissertação de mestrado em Cultura e Sociedade pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom-UFBA), e ao seu novo CD, “Amarelo”.

Juliana tem uma carreira consolidada no cenário musical soteropolitano, e agora, através do Projeto Amarelo Itinerante, financiado pelo Fundo de Cultura do Estado da Bahia (Funceb), estende seu trabalho às cidades do interior. Na noite de ontem (20), Vitória da Conquista foi presenteada com um show amarelo e irradiante, assim como ela o definiu minutos antes de entrar no palco. A cada show, um compositor/cantor local é convidado a dividir o palco com Juliana. Na cidade do frio, o convidado foi Alisson Menezes, artista cujo trabalho também é voltado para a cultura popular.


Samba, ijexá, maracatu, lundu. Três séculos de histórias cantadas em uma hora de show.  Música identitária com releitura contemporânea. A cantora convidou o público conquistense para uma viagem ao século XVII, até as senzalas. O show só não teve lugar aos grilhões, o público se soltou e entrou na roda de samba.

Filha de Oxum, criada por Iemanjá, vinda das águas e com a baianidade latente, Juliana Ribeiro, minutos antes de sua apresentação, conversou com O Rebucetê. Sorriso largo e olhar marcante, a cantora falou sobre sua musicalidade, trajetória, e sua experiência com o projeto Amarelo Itinerante.

O Rebucetê: Qual sua relação com o samba e com o canto popular no geral? Como você vincula sua pesquisa acadêmica ao seu trabalho musical?

JR: Eu me considero uma pesquisadora e uma cantora popular. O que me move são as manifestações da cultura popular. Na verdade, o samba se tornou um caminho de vida pra mim, pois foi através do samba que eu encontrei uma série de outros ritmos, uma série de outras matrizes que vêm lá do século XVIII, século XVII, coisas que só se faziam na senzala e que me emocionam, me cativam muito. Quando eu fui pra Unicamp , em 2005, para estudar canto popular, lá eu tive que fazer um trabalho sobre cantores dos anos 30, aí eu fui pesquisar na fonoteca da Unicamp e descobri que existe uma série de outros ritmos, gênero e manifestações, que não eram samba, mas que precediam o samba, e isso começou a me encantar, porque são músicas muito identitárias... Eu descobri o lundu, eu descobri o Xisto Bahia de 1880, depois descobri o jongo, descobri Clementina de Jesus que veio me mostrar o batuque, veio me mostrar o próprio jongo porque ela é jongueira também. Descobri também o samba angolano.Então hoje eu costumo dizer que não existe o samba de raiz, existe samba de raízes. O samba não tem uma raiz, ele tem várias matrizes que eu trago paro palco em Amarelo, ou seja, são três séculos em um CD.

OR: Os palcos te levaram a sua pesquisa de mestrado, ou a pesquisa que te motivou a levar o canto popular aos palcos?

JR: O palco me levou a pesquisa. Fiz História em Salvador e formação técnica em Canto Lírico pela UFBA, mas eu sempre fui uma cantora popular e isso ficava me incomodando, é diferente canto lírico de canto popular. Aí fui pra Unicamp em 2005, a paixão que me movia. Eu comecei a pesquisa que lá deu origem ao meu CD e também a minha dissertação de mestrado. Fiz o mestrado sobre o samba, a questão do samba enquanto identidade, que é essa construção a partir dos anos 50, enquanto identidade nacional. Mas sem sombra de dúvidas foi meu palco, minhas pesquisas por conta de estudar repertório, eu jamais vou levar paro palco uma música se eu não sei quem é o compositor, o contexto em que ela foi composta, o sentido dela, isso eu faço sempre, faz parte de mim. E aí quando mais você pesquisa mais você descobre que não. Aí o mestrado foi consequência disso, vou um prazer enorme poder fazer um mestrado sobre uma coisa que você gosta.

OR: Sua música é identitária ou contemporânea?

JR: As duas coisas, sabia? Porque assim, identitária sem sombra de dúvida, eu canto, por exemplo, lundu de 1880. E ao mesmo tempo em que eu canto isso e as pessoas cantam em pleno 2012, passa a ser identitário. Eu não preciso falar, eu canto, as pessoas cantam ali comigo, elas se identificam. E ao mesmo tempo temos que fazer uma releitura, eu não trago para o palco a partitura do século XIX, a gente faz uma releitura. Eu instrumento que é espanhol, toco cajon, por exemplo, eu tenho o sax na minha formação... Não dá pra descontextualizar a música, eu, Juliana Ribeiro, estou em 2012, então minha música tem que falar dentro de 2012, para o público de 2012. E identitário sim, mas é contemporâneo também.

O Rebucetê: Você tem formação técnica em canto lírico pela UFBA, certo? Mas em 2005 foi estudar canto popular na UNICAMP. O que você encontrou no canto popular que o lírico não te oferecia?

JR: Na verdade são coisas diferentes, são técnicas diferentes e aplicações diferentes. No canto lírico a voz é usada como instrumento. Ela se assemelha, por exemplo, a uma flauta, uma clarineta. Já no canto popular a colocação vocal é diferente, no canto popular você tem a voz que fala por trás da voz que canta, ou seja, você tem uma identidade que aquele cantor tem que passar, e é essa identidade que o cantor tem que passar, e é essa identidade que faz com que o público se identifique. Temos Água de Março como exemplo, várias pessoas já interpretaram, mas Elis Regina é imbatível nisso. As óperas são teatros, eram teatros a céu aberto e você interpreta o tempo todo, no canto popular é pura exposição, é você, você e você.


OR: Na primeira pergunta, você citou Clementina de Jesus. Clementina é uma forte referencia musical pra você? Como foi seu primeiro contato com ela? Qual a aproximação entre Clementina e a musicalidade de Juliana Ribeiro?

JR: Eu costumo dizer que ela consegue sintetizar trezentos anos de história em três minutos de canção. Pra mim ela é uma diva, uma deusa, é uma pessoa que eu venero de verdade. Ela trouxe pra mim uma série de ritmos e histórias e de ancestralidade, que se não fosse Clementina de Jesus eu não tinha conhecido, isso foi muito bacana. O vussungo, por exemplo, é uma língua, um dialeto, que é uma mistura de línguas africanas com o português que os escravos usavam para se comunicar sem que os senhores entendessem, mas aí esse vussungo virou canto de trabalho, as pessoas passaram a compor em vussungo, e eu fui descobrir isso com Clementina, se ela não tivesse gravado, essa história teria morrido. Então eu agradeço muito a ela por ter me apresentado a minha própria ancestralidade.

Foto: Thaminy Brito
OR: Você já é uma cantora conhecida no cenário musical de Salvador, mas nem tanto no interior baiano. E agora com o projeto Amarelo Itinerante está levando a sua música para outras cidades. Além da divulgação do CD, qual a importância de descentralizar seu trabalho, sua música?  Como tem sido essa experiência?

JR: Eu percebo que a cada dia que passo o interior fica carente dessas atrações. É preciso achar efetivamente uma circulação. A Bahia é muito mais do que Salvador, e é essa a proposta de Amarelo Itinerante, é você tirar do grande centro urbano, de onde todo mundo me conhece, onde já tenho uma carreira consolidada e levar para além de Salvador o meu canto. Eu tenho certeza que tem um público sedento, querendo ouvir o que tenho a passar, é a formação de um público de identidade. É isso que Amarelo tem comprovado. Em Santo Amaro, foi muito bacana, foi o primeiro show, recebi vários artistas que a mim são muito caras, como as sambadeiras. Ontem em Jequié foi maravilhoso, plateia lotada, cem crianças, e para mim isso foi a glória, porque são as crianças que vão formar o gosto musical em casa, que vão ter outras possibilidades sonoras.

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