quarta-feira, 5 de setembro de 2012

“Eu construo o meu mundo e todo mundo constrói os seus respectivos mundos”


Por Vinicius Carvalho

Foto: Larissa Cunha
Os gaúchos do grupo de teatro “De Pernas Pro Ar” vieram à Bahia, pela primeira vez, a convite do FILTE. Trouxeram dois espetáculos de rua, “Mira” com seus bonecos gigantes, inspirados nas obras do espanhol Miró e “Automákina - Universo Deslizante”. A trupe familiar se instalou na Praça Municipal de Salvador na segunda (04) e na terça-feira (05) em Lauro de Freitas, surpreendendo todos os transeuntes com uma engenhoca gigantesca. 

O mundo portátil, solitário e impenetrável do soturno Duque de Hosain’g não tinha como não ser notado. A “Automákina”, assim intitulada por seu criador, Luciano Wieser, encantou trabalhadores que rotineiramente utilizam o Elevador Lacerda e passavam pelo local, além dos idosos, universitários, os típicos turistas do centro histórico e principalmente crianças.

Foto: Larissa Cunha
Apesar de não ser um espetáculo infantil, não especificamente, as crianças piram no ‘tiozinho’ de cabelo estranho. Um garoto chegou a indagar a mãe que a peça se dividia em vários episódios, alguns fizeram questão de apertar a mão e tirar foto com o ator após o espetáculo. Sentado em meio ao público não foi difícil perceber o estranhamento inicial de boa parte das pessoas presentes. Houve estranhamento de muitos diante do espetáculos, alguns chegaram a dizer, “depois, o maluco sou eu”, ou inusitadas frases como, “esse cara é pirado na goiaba” e ainda uma ousada exclamação, “é o avô de Neymar?!”. Mas Wieser, ator em cena compreende tudo isso: “As pessoas são livres, livremente podem vim, parar, assistir e ir embora. Se gostar fica e quando termina fica essa sensação de ampla doação, de que a gente recebe e que a gente deixa algo em cada um”, afirma o artista acostumado com espetáculos de rua.

A nave, que exigiu dedicação integral durante três anos, foi construída simultaneamente com a construção da personagem. Wieser bebe um pouco de tudo, da magia do teatro de rua e suas técnicas circenses ao simbolismo do teatro de bonecos e instrumentos musicais inusitados. Sua formação de rua e autodidata o fez passar um mês em uma fábrica de pranchas de surf para aprender a trabalhar com fibras além de perder cabelos e se ferir ao produzir os moldes faciais dos bonecos que integram o espetáculo.

O cordão que isola o artista/obra do público não demora ser rompido. A personagem entra em conflito consigo mesma e dessa vez decide sair do seu mundo particular e impenetrável e interagir com a plateia: “É nesse momento que as pessoas se sentem em meu trabalho. Eu construo o meu mundo e todo mundo constrói os seus respectivos mundos. E a ideia é fazer com que cada coisa que tu faz, tu deixa um lasca tua, deixa o teu DNA”.
Ao fim da apresentação o artista não passou chapéu. Continuou a interação com o público recebendo todos que vieram parabeniza-lo pelo trabalho, o que não foram poucos. “A gente não passa chapéu, por entender que nosso trabalho é muito grande, é preciso ter outras formas de recursos”. 

Foto: Vinicius Carvalho
O apoio financeiro para a execução do projeto da peça “Automákina - Universo deslizante” vem de um edital da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre (RS). Entendi o porquê de não passar o chapéu, mas Luciano Wieser confessou ao me perguntar após a apresentação “dá pra viver de arte assim?” – Acho muito difícil, infelizmente.

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