segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Por Que K-Pop? #2 - Fábrica de Semideuses

DBSK em sua formação original

Dizer que o K-Pop se leva a sério é quase um eufemismo; é óbvio que estes jovens altamente competitivos se levam a sério demais. Mas, como não, se você é criado e programado para ser um semideus?

Por Lucas Oliveira Dantas

O nome do maior grupo da história do K-Pop, DBSK (ou TVXQ!, como é melhor conhecido mundo afora) é um acrônimo de Dong Bang Shin Ki, algo como “os grandes deuses do Oriente” em português. Lançados em 2003 pela SM Entertainment (SMe - a maior de todas as agências de talento/entretenimento da Coréia do Sul), os cinco membros originais do DBSK foram os principais responsáveis pela expansão da Hallyu - “Onda Coreana” - para além dos mares asiáticos; só na Coréia e no Japão, segundo dados da Gaon Charts e da Oricon (espécies de Billboard sul-coreana e japonesa, respectivamente), até outubro deste ano DBSK vendeu mais de 11 milhões de cópias de álbuns, singles e DVDs por toda sua carreira.

Desde seu debut, os rostos, corpos e performances de DBSK fazem parte do mercado publicitário, do imaginário e da cultura pop coreana de maneira definitiva, sendo celebrados ao ponto do endeusamento (como o próprio nome do grupo sugere). Os cinco garotos trabalhavam intensamente para manter essa celebridade que, como expliquei no artigo anterior, são os responsáveis pelo mercado K-Pop. Até que no verão (coreano) de 2009, três deles abriram juntos um processo no Tribunal do Distrito Central de Seul contra a SMe para determinar a validade dos contratos com a agência.

Um dos maiores escândalos da indústria Pop coreana, a corrente briga judicial entre JYJ (novo grupo formado pelos três integrantes “rebeldes” do DBSK) e SMe é um dos principais alarmes de realidade do maravilhoso mundo do K-Pop.

K-Pop Idol

Madonna: ídolo global
A diferença crucial entre ídolos “normais” do pop e os do K-Pop é que, geralmente, os ídolos do ocidente adquirem tal status após sucessões de trabalhos critica e comercialmente aclamados. Mesmo sendo produtos industriais, para artistas chegarem a tal ponto, eles passam por um processo de reconhecimento que requer, especialmente, longevidade e relevância cultural que ultrapassem a ideia/estereótipo de que são apenas manufaturas.

O K-Pop não é completamente diferente, mas a ordem das coisas é diferenciada. Ao contratarem os jovens (trainees), as agências investem na formação de seus talentos para criarem grupos performáticos de excelência praticamente olímpica. 

Nestas "academias" artísticas proporcionadas pelas agências, são identificados e desenvolvidos os diversos talentos dos trainees que variam do canto e dança, às artes dramáticas e modelagem. Muitos desses jovens, não estreiam apenas como membros de um grupo, como também participam de doramas (séries/novelas coreanas), são modelos e até mesmo apresentadores de shows de variedade na televisão.

Como, muitas vezes, o processo de treino também é publicizado e comercializado (através de reality shows na TV, Youtube), ao estrearem, os idols já são apresentados como seres de outro mundo, dotados de qualidades especiais, superiores às nossas que, portanto, devemos idolatrá-los (ou seja, consumir avidamente tudo que eles produzem).


Kim Young-min
Segundo o CEO da SMe, Kim Young-min, o custo de descoberta e treinamento de uma das garotas do Girls’ Generation (o maior girl group da atualidade do K-Pop) foi de $2,6 milhões de dólares (mais de R$5 milhões). Deste ângulo, a pressão para o sucesso comercial do grupo é compreensível e o rígido controle das agências sobre os idols se faz óbvio.

Hierarquia

Outro ponto importante para entender o funcionamento da cultura de idols do K-Pop é compreender as relações pessoais coreanas, mesmo que apenas o básico.

Por mais que globalizar a Hallyu seja um dos objetivos-mor do K-Pop - e, por isso, as referências do pop coreanos são globais - a indústria do entretenimento coreana se comunica primária e principalmente com e para coreanos.

Na Coréia do Sul, uma pessoa se torna adulta aos vinte anos. Mesmo adultas, elas são subjugadas a regras de comportamento e hierarquia, tão bem definidos que fazem parte até da estrutura da língua coreana (flexões, conjugações e todo o tipo de palavras estão diretamente ligados a níveis hierárquicos).

Elenco da SMe em coletiva de imprensa da SMTown em Nova York.
Grupos presentes: KANGTA, BoA, TVXQ!, Super Junior, Girls' Generation, SHINee e f(x)

Quando assinam um contrato com uma agência, estas crianças e adolescentes passam tanto tempo entre a escola (que costuma também ser financiada pela agência) e os treinamentos, que seus colegas de agência se tornam como irmãos e os CEOs das agências, pais. Então, se um jovem normal da Coréia do Sul tem sua vida controlada por e reportada a pais e familiares mais velhos, um jovem trainee reporta à família, ao CEO e, posteriormente, ao público.

Eis que, dentro da lógica voraz do capitalismo cultural no qual o K-Pop é inserido, estes produtos têm que ser altamente vendáveis e estas peças da engrenagem devem estar em perfeito funcionamento para, assim, valerem o investimento que lhes foi empregado.

Portanto, idol groups estão sempre subjulgados àquilo que mercadologicamente é necessário para manter a base de fãs fiel e consumidora. (Aliás, os fãs de K-Pop são outro ponto de estudo que será explorado exclusivamente em outro artigo.)

Arte X Mercado

A “arte” de cada grupo é totalmente controlada pela agência que, além de definir o concept (conceito) sob o qual grupo é criado, determina as mudanças de estilo musical e visuais, comportamentos performáticos, tempo de câmera e trabalhos paralelos etc, tudo baseado no mercado/público alvo (principalmente jovens/adolescentes).

AOA (Ace of Angels), concept: anjos que, além de idols,
fazem parte de banda instrumental (AOA Black)

O concept no K-Pop é algo de suma importância, principalmente para diferenciar os boy/girl bands coreanos dos ocidentais. O conceito estético de um grupo coreano determina toda a imagem e trabalho do grupo; é aí que acontece a magia criativa do K-Pop pois, ao invés de apenas cantores, ou dançarinos, os membros de um grupo fazem parte de uma ideia, como se fossem personagens de uma peça, que pode se tornar um nicho dentro do mercado altamente competitivo do K-Pop.

Cada grupo é composto por um líder que, geralmente, é também o vocalista ou rapper principal, um ou dois vocalistas de base, um dançarino principal, um visual ou face - aquele que geralmente é o rosto publicitário do grupo - e um maknae. Em tradução simples para o ocidentalismo, maknae é o membro mais novo de um grupo; só que na cultura coreana isso significa muito mais, devido às questões hierárquicas já citadas.

A grande maioria dos grupos atuais de K-Pop seguem essa fórmula, com pouquíssimas variações, como lideranças rotativas e substituições gradativas de membros.

BigBang: um dos grupos mais vendáveis do K-Pop atual.
G-Dragon (quarto da esquerda para a direita) é um dos mais bem sucedidos
rappers e produtores dentre os idols K-Pop
Poucas agências dão liberdade artística aos grupos e seus membros. Alguns grupos e artistas - como BigBang (YG Entertainment) e BoA (SMe) - detêm participação e poder maior nas decisões de suas carreiras e trabalhos, pelo menos no tocante à música que produzem; tais espaços foram galgados, principalmente, devido ao sucesso comercial que tornou seus nomes em marcas de peso para as agências.

Enquanto isso, há também agências menores como Woolim Entertainment (do grupo Infinite) e a Stardom Entertainment (EvoL e Block B), além da FNC Music - subsidiária da Mnet Media (grande companhia de entretenimento coreano) -, que são reconhecidas por treinarem seus idols para que eles tenham maior participação no processo produtivo dos grupos.

Exceções dentro de um universo perfeitamente programado e controlado, como a linha de produção de uma fábrica.

Por se subjugar assim a padrões rígidos de produção e vendagem, o K-Pop (assim como o Pop em geral) sofre o preconceito de ser uma arte de baixo escalão, por estar principalmente ligada à lógica de mercado e consumo, ao invés das reflexões e transformações estéticas.

O que, sob este ponto, é verdade. Mas, ao descartá-lo, negligencia-se a excelência performática destes artistas, assim como a de compositores e produtores responsáveis pelas canções e, principalmente, as possíveis expressões da indústria cultural e midiática.

2 comentários:

  1. Primeiro ponto: Dong Bang Shin Ki literalmente significa Deuses do Leste que se Erguem xD

    *call me biased~*

    Segundo: realmente gostei desse texto. Entendi que o outro realmente foi introdutório, e curti a profundidade desse segundo, mas me pergunto se os leitores leigos vão entender toda a força dessa 'hierarquia' e as questões envolvidas em ser um idol se não tem uma base da cultura coreana. Talvez fosse o caso dar umas pistas sobre isso, pq o Kpop é totalmente moldado pela cultura asiática / coreana e por isso consegue ter uma qualidade interessante mesmo com todas as bagaceiras.

    Terceiro: Achei um link com uns tópicos sobre bagaceiras do mundo Kpop xD É interessante, e acho que as partes em que cita mais o funcionamento interno das agências pode ser útil pra seus textos: http://shinee-exo.tumblr.com/post/35062943850

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    1. ahh muito obrigado manu! fico feliz que tenha gostado do texto e mais estão por vir, então, mucho thanks pela sua dica - vou dar uma olhada.

      se tiver outras sugestas de links para indicarmos na página no FB, sinta-se à vontade para comentar lá no tópico:

      http://www.facebook.com/orebucete/posts/479346378777396

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