Por Cristina Queiroz
“Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”, assim diz a letra de uma música de Caetano Veloso. Foi diante dessa provocação e após ler o artigo “We Are Carnaval?”, da estudante de jornalismo Mariana Kaos, publicado n’O Rebucetê, que comecei a me questionar sobre o cenário baiano diante do qual nos encontramos.
Chegou a temporada que revela aos olhos estarrecidos do turista que nem todo baiano é negro, nem toda mulata é bunda e não somos todos adeptos do candomblé, preguiçosos ou comemos feijoada; estereótipos firmados e reafirmados diariamente em nossa sociedade. Eu, parafraseando Mariana, também me pergunto, nós somos o carnaval?
Não, eu não sou. Esta festa não é feita para mim, assim como não é para 71,4 % dos baianos que, segundo enquete do site “Tribuna da Bahia”, não participarão dos festejos e pasmem, também não foi planejada para agradar os 5,74% que vão atrás do trio elétrico separados da elite por cordas. Aliás, corda é um nome que me remete ao que acontece nesse período; parece que o povo fica preso e amordaçado sem reação diante dessa farsa, ninguém vê que o dinheiro público está sendo “desviado” para os cofres das agências de publicidade, dos empresários, das emissoras de rádio e TV e inúmeros outros segmentos que não a população.
Nós baianos somos contraditoriamente os meros espectadores, não veremos o Ilê Ayê, Filhos de Gandhy, Muzenzas, Badauês e outros blocos afros passarem porque estes representam aqui o grupo de acesso e à mídia não interessa mostrá-los. A música ousada, típica dos guetos da cidade, caracterizada na voz de Luiz Caldas que deu impulso ao axé music, parece não ter mais sentido. O ritmo da Tropicália de Moraes Moreira, e tantos outros nomes que expuseram a Bahia diante do mundo, não vende abadás (leia-se outdoors ambulantes). A Avenida Sete ficou estreita para os trios que nem cabem e nem chegam mais à Castro Alves, assim como não cabe mais a mistura de ritmos, da avenida, das fantasias e do poeta. Se formos excessivamente otimistas veremos com bons olhos os desfiles dos blocos alternativos, a atuação de artistas consagrados sem a corda no circuito, a participação de novos nomes no cenário musical. Mas, esses, presumo, também não aparecerão na mídia, não serão vistos pelos gringos, sulistas, a “nata” brasileira, e não caracterizarão a nossa festa momesca, como poetizou a nossa eterna Elis Regina em uma música: “o Brazil não conhece o Brasil, o Brasil nunca foi ao Brazil.”
Só espero que, depois da passagem do trio elétrico, o povo se dê conta que a Bahia é muito mais que carnaval; que na “quinta-feira de cinzas” – porque Ivete, Chiclete com Banana e Carlinhos Brown sempre empurram as cinzas pro dia seguinte –, a gente perceba que os contrastes constituem a nossa cultura.
“We are not the world of the carnaval” Nós não somos o mundo do carnaval. Que eu, da próxima vez que perguntar a um amigo soteropolitano sobre os seus planos de folião, não me surpreenda caso a resposta seja: “o carnaval de Salvador não é para mim, é para os turistas que têm dinheiro.”
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